Acórdão nº 428/05 de Tribunal Constitucional (Port, 25 de Agosto de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução25 de Agosto de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 428/05

Processo n.º 656/05

Plenário

Relatora: Conselheira Maria Helena Brito

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional

I Relatório

  1. Em 4 de Agosto de 2005, um grupo de Deputados do Partido Social Democrata veio requerer ao Tribunal Constitucional, através do requerimento de fls. 1 a 10, a apreciação preventiva da constitucionalidade das seguintes normas constantes do Decreto da Assembleia da República n.º 6/X, que “Altera a Lei Orgânica n.º 15-A/98, de 3 de Abril, flexibilizando os mecanismos de realização de referendos, bem como a Lei n.º 13/99, de 22 de Março, e o Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio”:

    “a) Artigos 3º e 4º, por violação do disposto no artigo 168º n.º 5 da CRP;

    b) Artigo 5º, por violação do disposto no artigo 168º n.º 6 alínea c) da CRP.”

    Os requerentes deduzem o pedido ao abrigo do disposto no artigo 278°, n.ºs 4, 6 e 8, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e nos artigos 51°, n.º 1, e 57°, n.º 1, da Lei sobre Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC) e alegam ter sido notificados em 1 de Agosto de 2005 do envio ao Presidente da República do Decreto da Assembleia da República n.º 6/X para ser promulgado como lei orgânica.

    No final do requerimento – que não junta qualquer documentação –, encontram-se apostas assinaturas e rubricas, na maior parte dos casos ilegíveis, de modo que não permitem apurar o número e a identidade dos subscritores.

  2. Os requerentes fundamentam assim o pedido:

    “1) As normas cuja apreciação da constitucionalidade ora se requer referem-se a alterações à lei que estabelece o novo regime jurídico do recenseamento eleitoral e à lei eleitoral do Presidente da República.

    2) Com efeito, as normas constantes dos artigos 3º e 4º do Decreto n.º 6/X procedem, respectivamente, à alteração dos n.ºs 3 e 4 do artigo 5º da Lei n.º 13/99, de 22 de Março, e ao aditamento, nesta lei, de um novo artigo 59º-A; enquanto que a norma constante do artigo 5º do Decreto ora em apreço introduz alterações ao n.º 1 do artigo 11º da lei eleitoral do Presidente da República.

    3) Tais alterações legislativas inserem-se no processo legislativo iniciado pela apresentação do Projecto de Lei n.º 122/X, da autoria do Partido Socialista (PS), que «Altera a Lei Orgânica n.º 15-A/98, de 3 de Abril, flexibilizando os mecanismos de realização de referendos, bem como a Lei n.º 13/99, de 22 de Março, e o Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio», e resulta da aprovação desse projecto de lei por parte da Assembleia da República.

    4) O Projecto de Lei n.º 122/X, do PS, foi discutido e aprovado na generalidade na sessão plenária de 8 de Julho de 2005, com os votos a favor do PS e BE, e os votos contra dos restantes Grupos Parlamentares [DAR I Série n.º 40, de 9 de Julho, pág. 1782 e 1783].

    5) Na especialidade, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias apreciou e votou o Projecto de Lei n.º 122/X, bem como as propostas de alteração que foram, entretanto, apresentadas.

    6) A votação na especialidade na 1ª Comissão, efectuada em 20 de Julho de 2005, foi definitiva em relação às normas dos artigos 3º e 4º do Projecto de Lei n.º 122/X e indiciária quanto às restantes normas da referida iniciativa, onde se enquadra a norma do artigo 5º, por a Constituição impor a obrigatoriedade da sua votação na especialidade pelo Plenário.

    7) Sublinhe-se que a proposta de substituição, apresentada pelo PS em sede de Comissão, do artigo 4º do Projecto de Lei n.º 122/X, foi aprovada na especialidade em Comissão, com os votos a favor do PS e BE, e os votos contra do PSD, CDS-PP e PCP. Idêntica votação obteve o artigo 3º do Projecto de Lei n.º 122/X.

    8) Por sua vez, o artigo 5º do Projecto de Lei n.º 122/X foi aprovado na especialidade, na sessão plenária de 28 de Julho de 2005, com os votos a favor do PS e do BE, e os votos contra do PSD, PCP, CDS-PP e PEV.

    9) O texto resultante das propostas contidas no guião elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo ao Projecto de Lei n.º 122/X – Altera a Lei Orgânica n.º 15-A/98, de 3 de Abril, flexibilizando os mecanismos de realização de referendos, bem como a Lei n.º 13/99, de 22 de Março, e o Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio (PS), foi aprovado, em votação final global, na sessão plenária de 28 de Julho de 2005, com os votos a favor do PS e do BE, e os votos contra do PSD, PCP, CDS-PP e PEV, dando, assim, origem ao Decreto da Assembleia da República n.º 6/X.

    10) Sucede que as votações referidas suscitam a inconstitucionalidade do Decreto n.º 6/X, em resultado da violação das regras a que a sua votação devia estar sujeita.

    Senão vejamos,

    1. Violação do n.º 5 do artigo 168º da Constituição

    11) Relativamente às normas constantes nos artigos 3º e 4º do Decreto da Assembleia da República n.º 6/X, é de sublinhar que estas, porque versam sobre a lei que estabelece o novo regime jurídico do recenseamento eleitoral, estão sujeitas a um regime de aprovação por maioria simples.

    12) Na verdade, a matéria relativa ao recenseamento eleitoral enquadra-se no âmbito da chamada competência legislativa concorrencial, revestindo, nos termos do artigo 166º n.º 3, conjugado com o artigo 161º alínea c) da Constituição, a forma de lei simples.

    13) Todavia, porque o Decreto n.º 6/X também versa sobre matérias que revestem a forma de lei orgânica, as quais carecem de aprovação, na votação final global, por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, é patente que as normas constantes nos artigos 3º e 4º do Decreto em apreço se viram sujeitas, em votação final global, a uma maioria bem mais exigente que aquela que lhe é constitucionalmente imposta.

    14) Com efeito, se as normas constantes nos artigos 3º e 4º do Decreto da Assembleia da República n.º 6/X, por assumirem a forma de lei simples, devem ser aprovadas por maioria simples dos Deputados, a verdade é que, neste processo legislativo, foram sujeitas ao regime de aprovação exigido para as leis orgânicas, a saber, maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.

    15) Tudo porque os subscritores do Projecto de Lei n.º 122/X resolveram, de uma só vez, alterar o Regime do Referendo, a Lei Eleitoral do Presidente da República e o Regime Jurídico do Recenseamento Eleitoral.

    16) Ora, muito recentemente a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias pronunciou-se, em parecer, sobre a situação de um acto legislativo conter simultaneamente matéria de lei orgânica e de lei simples.

    17) Tal parecer, emitido a propósito dos recursos de admissão dos Projectos de Lei n.º 39/X (BE) e n.º 42/X (PCP), ambos relativos a Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, foi votado e aprovado em Plenário [DAR I Série n.º 16, de 5 de Maio de 2005 – aprovado com os votos a favor do PS, PCP, CDS, BE e Verdes], consolidando o seguinte entendimento:

    (...) Perante este panorama constitucional, a iniciativa dois em um teria de revestir uma única forma: ou lei orgânica, ou lei.

    Se revestisse a forma de lei orgânica. teria de ser submetida a uma votação final global por maioria absoluta, abrangendo nessa votação normas próprias de lei orgânica e normas de lei. Contudo, isso violaria a Constituição porque sujeitaria matérias para as quais esta define a forma de lei a uma votação final global diversa daquela que o texto constitucional estipula.

    Se revestisse a forma de lei, a votação final global seria por maioria simples ou por dois terços, o que igualmente violaria a Constituição, na medida em que esta estipula para as matérias de lei orgânica uma votação final global de maioria absoluta.

    Esta é uma dificuldade intransponível para uma eventual pretensão de abranger numa mesma iniciativa matéria de alteração do estatuto orgânico e matéria de alteração da lei eleitoral.

    Note-se ainda que as leis orgânicas estão sujeitas a um regime de controlo preventivo de constitucionalidade diverso das restantes leis. A opção por tal forma ou por uma forma diferente traduzir-se-ia também em dificuldades a esse nível. (...)

    [DAR I Série A n.º 11, de 05/05/2005 – parecer em que foi relator o Sr. Deputado Vitalino Canas do PS] – sublinhado nosso.

    18) Ora, tendo o Decreto da Assembleia da República n.º 6/X revestido a forma de lei orgânica, verifica-se que foram sujeitas à regra da votação final global por maioria absoluta, não só normas próprias de lei orgânica, mas também normas de lei, como é o caso das normas constantes nos artigos 3º e 4º do referido Decreto.

    19) Daí que, por terem as normas constantes nos artigos 3º e 4º do Decreto n.º 6/X, que não revestem a forma de lei orgânica, sido sujeitas à aprovação, em votação final global, por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, nos parece ter sido violado o disposto no artigo 168º da Constituição.

    b) Da violação da alínea c) do n.º 6 do artigo 168º da Constituição

    20) No que diz respeito à norma do artigo 5º do Decreto da Assembleia n.º 6/X, na medida em que introduz alterações à lei eleitoral do Presidente da República, e mais concretamente ao n.º 1 do seu artigo 11º, está sujeita ao mais qualificado regime de aprovação.

    21) Com efeito, dispõe a alínea c) do n.º 6 do artigo 168º da Constituição que «carecem de aprovação por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções: ... a lei que regula o exercício do direito previsto no n.º 2 do artigo 121º» (sublinhado nosso).

    22) Ora, a lei que regula o exercício do direito de voto dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, devendo ter em conta a existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional, corresponde, precisamente, à lei eleitoral do Presidente da República.

    23) Na verdade, a lei reguladora a que se refere o artigo 121º n.º 2 da CRP está hoje materializada na Lei Orgânica n.º 3/2000, de 24 de Agosto, que alterou a lei eleitoral do Presidente da...

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