Acórdão nº 386/05 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Julho de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução13 de Julho de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 386/2005

Processo n.º 947/04

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – O Banco A., identificado com os sinais dos autos, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade do critério normativo decorrente dos artigos 89.º, 102.º, n.º 1, 169.º, n.º 2, 189.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e dos artigos 95.º e 96.º da Lei Geral Tributária, quando interpretados no sentido de que a compensação de créditos fiscais, realizada por iniciativa da Administração Tributária, pode ser efectuada desde o momento em que a dívida se torne exigível, apesar de ainda não se encontrar precludido o prazo para o exercício do direito de impugnação, do contribuinte não ter sido citado para a execução fiscal e de não ter sido notificado para prestação de garantia, por violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

2 – Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 9 de Setembro de 2004, onde se decidiu:

“(...) no que concerne ao prazo para defesa da legalidade da liquidação ele em nada contende com o direito à execução por parte da AF, direito este que nasce logo que finde o termo do prazo do pagamento voluntário da dívida concedido ao contribuinte.

Estipula efectivamente o artigo 78.º do CPPT, ao preceituar sobre a modalidade da cobrança, no seguimento aliás do que já dizia o artigo 102.º do CPT, que a cobrança das dívidas fiscais pode ocorrer ou por pagamento voluntário ou através da cobrança coerciva sendo que o pagamento voluntário é “aquele que deve ser feito nos prazos fixados nas leis tributárias” - cfr. Artigo 84.º do CPPT e 107.º do anterior CPT.

Deriva do exposto que o incumprimento das obrigações tributárias ocorre findo que seja o prazo do pagamento voluntário já que a partir daí o devedor se encontra em mora sendo este incumprimento que legitima a cobrança coerciva, bem como, por ser uma mera modalidade dessa cobrança a compensação das dívidas de tributos por iniciativa da AF nos termos do previsto no artigo 89.º do CPPT.

De facto enquanto decorre o prazo para o pagamento voluntário das dívidas fiscais não é lícito à AF agredir o património do devedor.

Por isso temos então de pronunciarmo-nos sobre o momento em que para a AF surge o direito de exigir coercivamente o pagamento da dívida.

Como se disse já a legitimidade para a AF nasce com o momento em que ocorre o incumprimento e porque o incumprimento se verifica nas obrigações tributárias findo que seja o prazo legal fixado nas leis tributárias para o pagamento voluntário a AF encontra-se legitimada para proceder à cobrança coerciva da dívida, designadamente através da execução fiscal desde que o incumprimento ocorra.

Significa o exposto que a partir daí surge para a AF o poder/dever de exigir a satisfação da dívida tributária do sujeito passivo o que pode fazer-se através da cobrança coerciva ou através da modalidade da compensação da dívida mecanismo e instituto previsto no artigo 89.º do CPPT.

A compensação é como se sabe e resulta da lei um modo de extinguir as obrigações pecuniárias ou referentes a coisas fungíveis entre pessoas que são simultaneamente credoras e devedoras e na essência consiste em dar por paga a divida de cada um em quantidade igual à do seu crédito que igualmente se dá por cobrado noutro tanto.

Como diz o artigo 847.º do CC “quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio da compensação com a obrigação do seu credor desde que verificados os requisitos consignados nas alíneas a) e b) do citado artigo.

Porque se trata de créditos do Estado esta compensação só é permitida nos termos legalmente definidos como é o caso do artigo 89.º do CPPT o que bem se compreende atenta a natureza indisponível de tais créditos.

Trata-se de uma figura ou instituição jurídica que “visa evitar uma desnecessária duplicação de pagamentos e também cumprir a função de garantia baseada em critério de justiça e equidade já que através dela se evita que um devedor pague a sua dívida e corra o risco de não cobrar o crédito por insolvência do outro devedor”.

E isto sem que a AF esteja obrigada a esperar pelo tempo dos prazos que a lei concede ao executado ou contribuinte para a defesa da legalidade dessa mesma dívida – cfr. José M Lete del Rio, in Derecho de Obligaciones, pp. 227.

(...)

Se bem atentarmos nos requisitos que condicionam a sua possibilidade destaca-se desde logo o facto da necessidade de os créditos em presença terem por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.

Efectivamente desde que o executado tenha sido notificado da liquidação a que diz respeito a dívida em causa a mesma passa a ser exigível tendo a certidão a que alude a alínea a) do artigo 162 do CPPT desde que contenha os requisitos do artigo 163.º do mesmo diploma legal a força de título executivo com a mesma força de sentença transitada em julgado.

E sendo instaurada a execução fiscal a sua suspensão só pode ter lugar em caso de reclamação graciosa impugnação judicial ou recurso judicial que tenha por objecto a legalidade da dívida mas desde que tenha sido constituída garantia ou deferida a sua dispensa ou a penhora que garanta o pagamento da mesma – cfr. o artigo 169.º do CPPT.

Resulta do exposto que o facto de a lei permitir a impugnação da liquidação donde decorre a dívida não pressupõe ou impõe que a dívida só possa ser exigível a partir do termo do prazo da impugnação, reclamação ou recurso pois como se disse o poder/dever de a cobrar coercivamente ou de proceder à execução nasce para a AF com o incumprimento.

E não se diga que com isto se frustra o direito de acesso à justiça ou por qualquer forma se diminuem os direitos de defesa do devedor.

O facto de a lei permitir a cobrança coerciva findo que seja o prazo do pagamento voluntário prende-se como é óbvio com a própria natureza da dívida em causa, o seu carácter público e com a celeridade da sua cobrança face ás necessidades colectivas que se visam cobrir.

Todavia com[o] já se referiu essa celeridade em nada contende com os meios de defesa legalmente atribuídos ao devedor nem com eventuais prejuízos daí resultantes já que se o acto de liquidação donde dimana a dívida em cobrança for anulado por ilegalidade tal situação faz desde logo ressarcir o contribuinte não só com a restituição do que pagou indevidamente como no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 61.º do CPPT.

Decorre do exposto que a sentença não padece de erro de julgamento no que concerne à data dada como provada no que respeita à apresentação da impugnação judicial como igualmente não enferma de insuficiência de factualidade designadamente da falta da fixação das datas do termo do prazo para a impugnação ou da data da notificação da compensação por tais factos serem irrelevantes para a boa decisão da causa que é saber se a compensação foi bem ou mal exercida.

O facto de ter sido efectuada antes do termo do prazo para a dedução de impugnação pelas razões anteriormente expostas e no que concerne à data da notificação da compensação por a mesma se tornar efectiva mediante mera declaração da AF sendo que os efeitos da mesma por força do artigo 854.º do CC retroagem considerando-se os créditos extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis.

Efectivamente, tendo o recorrente sido notificado da liquidação do IRC bem como do prazo para o pagamento voluntário e seu termo, não tendo procedido ao pagamento ocasionou uma situação de inexecução constituindo-se em mora e consequentemente com tal inexecução preencheu os pressupostos legais para a AF no exercício dos seu poder/dever de poder accionar a cobrança coerciva nos termos do artigo 817.º do CC e artigo 89.º do CPT.

Face ao exposto e sem necessidade de mais considerações e porque no essencial se concorda com os fundamentos da decisão recorrida com a ressalva quanto ao facto de a compensação em nosso entender só ocorrer na fase da cobrança coerciva quando por iniciativa da AF acordam os juízes do TCA em negar provimento ao recurso».

3 - Não se conformando com tal decisão, o Recorrente interpôs, nos termos supra mencionados, recurso para o Tribunal Constitucional, apresentando, após o devido despacho, as suas alegações, aí concluindo que:

“1.ª A questão cuja constitucionalidade se submete à sindicância desse Venerando Tribunal Constitucional é a interpretação e aplicação que, no caso sub judice, o Tribunal Central Administrativo do Norte faz do art. 89.º do CPPT isolada e conjuntamente com os regimes vertidos, respectivamente, nos arts. 102.º, n.º 1, do CPPT e 95.º e 96.º da LGT, bem como dos arts. 189.º e 169.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPPT;

2.ª Com efeito, entende o Tribunal a quo que qualquer compensação de dívidas fiscais com créditos dos contribuintes de igual natureza por iniciativa da Administração Tributária, poderá ser efectuada nos termos do artigo 89.º do CPPT sem que, tal como sucede no caso vertente, se tenha verificado o termo do prazo legalmente previsto para a dedução de impugnação judicial contra a liquidação adicional que originou a dívida a compensar, sem que tenha ocorrido citação no respectivo processo de execução, sem que tenha sido notificada da fixação do montante da garantia a prestar em cumprimento do requerido, sem que, igualmente, tenha sido notificada para prestação de garantia nos termos do art. 169.º, n.º 2, do CPPT, sem que tenha sido, ainda, respeitado o efeito suspensivo provisório do processo de execução;

3.ª Efectivamente, para o Tribunal a quo, para que a aludida compensação seja efectuada basta que a dívida fiscal entre em relaxe e não se encontre, a essa data, pendente impugnação judicial, reclamação ou recurso e prestada garantia;

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