Acórdão nº 384/05 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Julho de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução13 de Julho de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 384/2005

Processo n.º 245/05

  1. Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. A União Indiana solicitou à República Portuguesa, ao abrigo da Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba, aberta para assinatura, em Nova Iorque, em 12 de Janeiro de 1998, aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 40/2001, de 5 de Abril de 2001, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 31/2001, de 25 de Junho (doravante designada por Convenção de Nova Iorque), a extradição do seu nacional A. a fim de ser julgado pelos crimes nesse pedido elencados, alguns dos quais abstractamente puníveis com pena de morte e pena de prisão perpétua.

O Procurador-Geral da República emitiu parecer (fls. 3 a 12) no sentido da admissibilidade do pedido, por, relativamente aos crimes abstractamente puníveis com pena de morte, resultar do artigo 34.º-C do Extradition Act de 1962, da União Indiana, a comutação dessa pena em pena de prisão perpétua, e por, relativamente aos crimes puníveis com prisão perpétua (quer directamente cominada, quer resultante da comutação ex lege da pena de morte), existirem garantias bastantes das autoridades indianas no sentido da não execução dessa pena. Entendeu-se, porém, não ser admissível o pedido quanto aos crimes cujo procedimento, nos termos da lei portuguesa, se encontrava extinto por prescrição, e quanto aos crimes puníveis com pena de prisão perpétua que não cabiam no âmbito de aplicação da Convenção de Nova Iorque, por, estando por esse motivo prejudicado o exercício da faculdade prevista no n.º 2 do seu artigo 9.º e não existindo outra base convencional vigente entre a União Indiana e a República Portuguesa, não estarem verificados, quando a estes crimes, os requisitos do artigo 33.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Foi com o âmbito assim delimitado que a Ministra da Justiça, por despacho de 28 de Março de 2003 (publicado no Diário da República, II Série, n.º 86, de 11 de Abril de 2003, págs. 5662-5663 – cf. fls. 53 e 54 destes autos), considerou admissível o pedido de extradição.

Tendo o Ministério Público requerido ao Tribunal da Relação de Lisboa a concessão da extradição assim delimitada (cf. fls. 20 a 34), procedeu-se à audição do extraditando, que declarou não dar o seu consentimento à extradição e não prescindir da regra da especialidade (fls. 101 a 104).

O extraditando deduziu, por escrito, oposição ao pedido de extradição (fls. 142 a 174), tendo, após diversas diligências instrutórias, sido proferido o acórdão de 4 de Fevereiro de 2004 (fls. 898 a 908), pelo qual o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu autorizar a extradição do extraditando para a União Indiana para aí ser julgado pelos crimes constantes do pedido formulado pelo Ministério Público, com excepção dos puníveis com pena de morte ou com pena de prisão perpétua (crimes indicados sob os n.ºs I-1, I-2, I-3, I-5, I-6, I-7, VII-1 a VII-5 do relatório desse acórdão).

Este acórdão foi anulado por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Junho de 2004 (fls. 1130 a 1158), face à procedência dos vícios de falta de fundamentação de facto e de omissão de pronúncia.

2. Na sequência dessa anulação, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu o acórdão de 14 de Julho de 2004 (fls. 1171 a 1189), com o mesmo conteúdo decisório do anterior acórdão.

Após elencar a matéria de facto tida por provada e por não provada, o Tribunal da Relação de Lisboa passou a apreciar os fundamentos da oposição à extradição deduzidos pelo extraditando, relativos a: (i) inexistência de reciprocidade; (ii) inexistência de garantia formal de que a pessoa reclamada não será extraditada para terceiro Estado; (iii) falta de garantia de que a pessoa reclamada não será detida por factos diversos dos que fundamentam o pedido; (iv) ausência de garantias de que não serão aplicadas ao extraditando a pena de morte ou a pena de prisão perpétua; (v) ausência de garantias de que ele não será julgado por um tribunal de excepção; (vi) violação das garantias estabelecidas na Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais; e (vii) risco de agravamento da situação processual do extraditando.

Sobre as questões da reciprocidade e das garantias de não aplicação de pena de morte ou de pena de prisão perpétua – únicas que interessam ao presente recurso de constitucionalidade – o Tribunal da Relação de Lisboa expendeu o seguinte:

“A questão da reciprocidade

12 – O primeiro fundamento invocado pelo extraditando para se opor ao pedido formulado pelo Ministério Público é o de ausência de reciprocidade no que se refere a todos os processos por crimes não abrangidos pelo artigo 2.º da «Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba», ou seja, por todos aqueles que foram incluídos naquela peça processual, excepção feita aos que são objecto dos processos n.ºs RC-1(S)93 e CR144/95.

Analisemos então a questão colocada.

De acordo com o n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, «as formas de cooperação a que se refere o artigo 1.º», entre as quais se conta a extradição, «regem-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste diploma».

Embora alguns autores considerem que o Estado Português e a União Indiana, em matéria de extradição, ainda se encontram vinculados pelo tratado celebrado entre o nosso país e o Reino Unido em 17 de Outubro de 1892, modificado e estendido ao território da União Indiana pela Convenção de 20 de Janeiro de 1932 [V., nesse sentido, nomeadamente Serrano, Mário Mendes, in «Extradição – regime e praxis», in Cooperação Internacional Penal, CEJ, Lisboa, 2000, p. 23 e notas 37 e 39, e Delgado, Filomena, in “A Extradição”, in BMJ, n.º 367, p. 57], o certo é que tal tratado, de duvidosa vigência [Sobre a sucessão de tratados no caso de Estados que recentemente acederam à independência veja-se, nomeadamente, Shaw, Malcolm N., in International Law, Fourth Edition, Cambridge University Press, United Kingdom, 1997, p. 692 e segs., e a Convenção de Viena Sobre a Sucessão de Estados em Matéria de Tratados, de 23 de Agosto de 1978, se bem que não assinada nem ratificada por Portugal (para consulta do seu texto veja-se, nomeadamente, Escarameia, Paula, in Colectânea de Leis de Direito Internacional, 3.ª edição, Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, 2003, p. 77 e segs.)], não foi invocado nem por um nem por outro dos Estados [Considerando até a União Indiana que nenhum tratado bilateral entre os dois Estados está actualmente em vigor (ver fls. 21 do Apenso I)], que apenas fundamentaram o pedido e a sua satisfação na referida «Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba» [Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 40/2001, de 25 de Junho, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 31/2001, da mesma data] e no princípio da reciprocidade.

A ausência de um tratado de extradição entre os dois países não impede, no entanto, em geral, a cooperação uma vez que o nosso ordenamento constitucional apenas exige a celebração de uma convenção internacional no caso de a extradição ter na base um crime punível, segundo a lei do Estado requerente, com «pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida» (artigo 33.º, n.º 4). Fora desse âmbito, a cooperação internacional em matéria penal funda-se na mencionada Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto.

Assim sendo, a procedência do pedido formulado pelo Ministério Público depende, quanto aos crimes atrás mencionados que não são objecto dos processos RC-1(S)93 e CR 144/95, do preenchimento das condições estabelecidas nesse diploma, uma das quais é, de facto, a existência de reciprocidade (n.º 1 do artigo 4.º [De acordo com este preceito «a cooperação internacional em matéria penal regulada no presente diploma releva do princípio da reciprocidade»]).

No caso concreto, a garantia de reciprocidade consta do próprio pedido de extradição apresentado em nome da União Indiana pelo seu Ministro dos Negócios Estrangeiros [Ver a redacção do original na fls. 2 do Apenso I]. Mas, mesmo que se considerasse que essa garantia não se encontrava aí suficientemente expressa, ela resultaria, conforme se explica na carta do primeiro secretário da Embaixada da Índia, junta a fls. 116, do facto de, ao abrigo do artigo 3.º da Lei de Extradição da União Indiana, ter sido aprovado e publicado o Despacho GRS-822(E), de 13/12/2002, em que se determina a aplicação dessa mesma lei à República Portuguesa, diploma esse que assegura o respeito pelo princípio da reciprocidade.

Mas, mesmo que nenhuma dessas garantias existisse, a ausência de reciprocidade não impediria, só por si, a cooperação.

Na realidade, como flui do n.º 3 do artigo 4.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, a exigência de reciprocidade pode ser dispensada pelo Ministro da Justiça [Uma vez que é o Ministro da Justiça que, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º, «solicita uma garantia de reciprocidade se as circunstâncias o exigirem»] nas situações enunciadas nas três alíneas desse mesmo preceito.

Nesses casos, nomeadamente quando o poder político entenda que existe a necessidade de lutar contra determinadas formas de criminalidade, o Estado Português pode, mesmo assim, cooperar com o Estado estrangeiro.

Daí que, mesmo nesse caso, tendo Sua Excelência a Ministra da Justiça aceite o pedido de extradição apresentado pela União Indiana, não seria a inexistência de reciprocidade que obstaria à sua admissibilidade.

(...)

A ausência de garantias de que não serão aplicadas ao extraditando a pena de morte ou a pena de prisão perpétua

14 A Constituição da República Portuguesa proíbe a extradição «por crimes a que corresponda, segundo...

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