Acórdão nº 382/05 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Julho de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Fernanda Palma
Data da Resolução13 de Julho de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 382/2005

Processo n.º 417/2005

  1. Secção

Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma

Acordam em Conferência na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, foi proferida a seguinte Decisão Sumária:

  2. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que figura como recorrente A. e como recorrida B., a 4ª Vara Cível da Comarca do Porto, por decisão de 16 de Julho de 2003, considerou o seguinte:

    Para abrir caminho à decisão importa fazer, desde logo, uma caracterização sumária da figura jurídica subjacente aos autos.

    Ora, "arrendamento urbano é o contrato pelo qual uma das partes concede à outra o gozo temporário de um prédio urbano, no todo ou em parte, mediante retribuição." (art. 1º do D.L. n° 321-B/90 de 15-10 que aprovou o regime do arrendamento urbano - R.A.U.), sendo certo que, o arrendamento urbano pode ter como fim a habitação, a actividade comercial ou industrial, o exercício de profissão liberal ou outra aplicação lícita do prédio (art. 3° do citado diploma legal).

    Assim, o primeiro elemento desta figura consiste na obrigação de proporcionar o gozo de um prédio urbano, por uma das partes - o senhorio à outra - o arrendatário ou inquilino. Essa obrigação do senhorio desdobra-se num conjunto de prestações, de que as principais são as enumeradas no art. 1310 do C. Civil:

    - entregar ao arrendatário o prédio urbano arrendado,

    - assegurar-lhe o gozo deste para os fins a que se destina.

    O segundo elemento do contrato de arrendamento que resulta da definição legal é o seu prazo de duração que pode ser determinado por lei, convencionado pelas partes ou estabelecido pelos usos.

    O terceiro elemento que resulta da noção dada pelo art. 1° do R.A.U. é a retribuição a que está obrigado o arrendatário.

    No caso presente, é ponto assente que por contrato de arrendamento celebrado em 15 de Janeiro de 1974 e com início em 1 de Fevereiro de 1974 foi dado de arrendamento para habitação pelo então proprietário C. ao marido da R. D., o apartamento no 4° andar esquerdo do prédio sito na Rua X., --- - Porto pela renda mensal de Esc. 4.000$00, sendo que D. faleceu em 15 de Abril de 1997, tendo a R. tomado a posição deste como inquilina.

    A partir daqui, é questão pacífica a existência de um contrato de arrendamento que envolve as partes tendo como objecto o apartamento acima identificado, destinando-se o local arrendado para ser utilizado como habitação do arrendatário.

    Neste contexto, a A. fundamenta a sua pretensão no facto de ter procedido à actualização da renda, sendo que a R. recusou o pagamento da renda de acordo com a actualização efectuada e não pagou as rendas vencidas de Junho a Outubro de 1997.

    Neste domínio, e nos termos do disposto no art. 64° nº 1 al. a) do R.A.U., o senhorio pode resolver o contrato se o arrendatário não pagar a renda no tempo e lugar próprios, nem realizar depósito liberatório.

    Que dizer?

    Nos termos do art. 81°, introduzido no R.A.U. pelo D.L. n° 278/93, de 10-08, ratificado pela Lei n° 13/94, de 11 de Maio (que apenas lhe introduziu o nº 2, passando o originário nº 2 a nº 3), "o senhorio pode suscitar para o termo do prazo do contrato ou da sua renovação, uma actualização obrigatória da renda. até ao que seria o seu valor em regime de renda condicionada, (...) quando o arrendatário resida na área metropolitana de Lisboa ou do Porto e tenha outra residência ou for proprietário de imóvel nas respectivas áreas metropolitanas, ou quando o arrendatário resida no resto do país e tenha outra residência ou seja proprietário de imóvel nessa mesma comarca, e desde que os mesmos possam satisfazer as respectivas necessidades habitacionais imediatas".

    E dispõe o nº 3 do mesmo artigo que a actualização rege-se pelo art. 33° sendo, porém que a comunicação do senhorio deve ser feita com a antecedência mínima de 90 dias em relação ao termo do prazo do contrato ou da renovação e a denúncia do arrendatário deve ser enviada por escrito no prazo de 15 dias após a recepção da comunicação do senhorio devendo o prédio ser restituído devoluto até ao termo do prazo do contrato ou da sua renovação.

    Por outro lado, de acordo com o art. 33° do R.A.U., comunicada pelo senhorio ao arrendatário, com a antecedência referida, o novo montante da renda e o coeficiente e os demais factores utilizados no seu cálculo, essa renda considera-se aceite se o arrendatário não discordar nos termos do art. 35°, ou seja com base em erro nos factos relevantes ou na aplicação da lei. A discordância, devidamente fundamentada deve ser comunicada ao senhorio.

    Nesta sequência, cabe notar que suscitada uma actualização nos termos do art. 81°-A do R.A.U., o inquilino poderá opor-se com o fundamento de que não se verificam os pressupostos referidos no seu nº 2°: a disponibilidade de duas residências que satisfaçam as suas exigências habitacionais imediatas, sendo que seria inadmissível, a todos os títulos, que uma comunicação do senhorio de que se verificam os pressupostos do art. 81°-A se possa impor, sem mais, ao arrendatário.

    E se tal oposição for feita pelo arrendatário, a única conclusão a retirar é que a nova renda não poderá ser praticada enquanto não for resolvida em juízo a questão de estar ou não preenchido esse pressuposto permissivo de actualização da renda.

    A partir daqui, cabe referir que em 26-06-1996, os AA. expediram para a R. e seu marido a carta que dos autos é fls. 14, por estes recepcionada, na qual, além do mais, afirmam "fazer nova comunicação de actualização de renda, que se tomará eficaz a partir da próxima renovação do arrendamento, para o caso e logo e desde que seja desfavorável aos senhorios a decisão judicial referida ..." mais lhes comunicando estarem reunidos os pressupostos para actualização da renda "por terem conhecimento que são proprietários de uma habitação no 2° andar do prédio urbano sito na Rua Y., 120, Porto, inscrito na matriz sob o art. ----°.

    Neste ponto, a R. questiona a identificação do imóvel em apreço e o facto de a comunicação ser condicionada em termos de eficácia a um acontecimento futuro e incerto.

    Quanto a esta matéria, e em relação ao primeiro elemento, ficou demostrado que não obstante a carta referida fazer referência ao nº 120 do prédio sito na Rua Y., do seu teor a R. percebeu que se tratava do nº 122, identificando o prédio, o que afasta a crítica da R. ao teor da comunicação neste domínio.

    Por outro lado, e quanto à comunicação ser condicionada em termos de eficácia a um acontecimento futuro e incerto, entende-se que os AA. apenas quiseram acautelar a hipótese de êxito quanto ao recurso interposto da decisão respeitante á acção anterior em momento anterior àquele em que operava a actualização realizada através da carta de 26-06-96, ou seja, para o caso de ser conhecida decisão diferente antes de Fevereiro de 1997, o procedendo, assim, o reparo feito pela R. nesta matéria.

    Não se olvida que por carta datada de 08-05-1997 e que dos autos é fls. 31, os AA. afirmaram à R. que deveria a partir desse momento oferecer "a renda de Esc. 68.781$00 conforme notificação que lhes foi feita", sendo que tal resulta da leitura dos AA. sobre uma determinada realidade, quando é certo que se entende que a actualização operada seria eficaz a partir da renovação do contrato (ocorrida em Fevereiro de 1997).

    Avançando um pouco mais, verifica-se que a R. questiona também o fundamento da actualização quer quanto à existência de residência ou propriedade de imóvel nas respectivas áreas metropolitanas, ou quando o arrendatário resida no resto do país e tenha outra residência ou seja proprietário de imóvel nessa mesma comarca, quer quanto ao facto de a mesma satisfazer as respectivas necessidades habitacionais imediatas.

    Ora, ficou provado que a habitação sita no 2° andar do nº 122 da Rua Y. ficou devoluta desde, pelo menos, 05-06-96 e durante alguns meses, de modo que, não sofre qualquer dúvida o facto de existir uma alternativa nos termos do art. 81°-A do R.A.U..

    Mas será uma alternativa viável?

    O apartamento arrendado é habitado apenas pela R. e é constituído por hall de entrada, três quartos de dormir, dois quartos de banho completos, arrumos, sala comum, corredor, cozinha, dispensa, wc e varanda descoberta.

    Por seu lado, a habitação sita no 2° andar do prédio com o nº 122 na Rua Y., freguesia de ---------, Porto e inscrito na matriz predial urbana sob o art. -----° é pertença da R. e composta de seis divisões, tendo mais de dois quartos, cozinha, sala e casa de banho completa, reunindo o n° de divisões necessárias às necessidades da R. .

    Com relevância para aferir esta matéria, ficou provado que a R. tem acentuadas limitações de mobilidade, especialmente da marcha, que faz sempre apoiada em canadianas, com grandes dificuldades e quase sempre com ajuda de terceiros e que tal habitação não dispõe de elevador, fazendo-se o acesso através de lanços de escadas com curvas fechadas e apertadas.

    A partir daqui, entende-se que apesar de, em termos de espaço, a habitação da Rua Y. poder constituir uma alternativa satisfatória, sendo que nada foi alegado pela R. quanto ao estado da habitação em termos de espaço, a situação da R. com referência ao acesso à referida habitação, permitem a afirmação que a habitação da Rua Y. não satisfaz as necessidades habitacionais imediatas da R..

    Com efeito, não se trata de uma simples questão de comodidade, trata-se de algo relacionado com a qualidade de vida da própria R., e seria colocada em crise no âmbito desta habitação em função do respectivo acesso.

    E se assim é, falta um dos elementos a que alude o art. 81°-A quanto à possibilidade de actualização da renda, o que retira qualquer virtualidade à actualização realizada pelos AA., de modo que, e uma vez que os AA. têm recusado receber a renda no valor de Esc. 14.048$00 oferecida pela R., pelo que esta vem procedendo ao seu depósito, do que foi dado conhecimento aos AA., não existe...

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