Acórdão nº 289/05 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Junho de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução01 de Junho de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 289/05

Processo n.º 80/2004

  1. Secção

Relator: Conselheiro Bravo Serra

1. O Procurador-Geral da República veio, nos termos da alínea e) do nº 2 do artigo 281.º da Constituição e da alínea c) do nº 1 do artº 12.º do Estatuto do Ministério Público aprovado pela Lei nº 60/98, de 27 de Agosto, requerer que este Tribunal apreciasse e declarasse a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do preceituado nos artigos 13.º e 14.º da Lei Fundamental, da norma constante da alínea e) do nº 1 de III do Regulamento de Atribuição do Apoio Social a Idosos Carenciados das Comunidades Portuguesas aprovado pelo Despacho Conjunto nº 17/2000 dos Ministros dos Negócios Estrangeiros e do Trabalho e da Solidariedade, publicado na II Série do Diário da República de 7 de Janeiro de 2000, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto Regulamentar nº 33/2002, de 23 de Abril.

Invocou, para tanto, em síntese:-

- que aquele Regulamento veio a instituir a concessão de um subsídio, com a natureza de subsídio de apoio social, a portugueses idosos residentes no estrangeiro que se encontrem em situação de carência absoluta não superável pelos mecanismos existentes nos países de residência;

- que, através do Decreto Regulamentar nº 33/2002, foi, por entre outras alterações, introduzida ao nº 1 do item III do indicado Regulamento uma alínea e), de acordo com a qual a atribuição da concessão do benefício é condicionada à circunstância de os beneficiandos, que reúnam as demais condições ali previstas, não serem nacionais do país de residência;

- que tal condição não parece harmonizar-se com o princípio da igualdade, olvidando, quer a norma do artigo 13.º, quer a do artigo 14.º, ambos da Constituição, pois que, ao excluir da medida de apoio social em causa os binacionais, traduz uma “diferenciação arbitrária, desproporcionada e intolerável relativamente aos portugueses carenciados que residem no estrangeiro”, sendo que aqueles preceitos constitucionais “apontam para a inviabilidade de qualquer norma de direito infraconstitucional poder operar ... discriminação entre cidadãos portugueses que residem no estrangeiro - devendo, aliás, nas situações de plurinacionalidade, prevalecer sempre a cidadania portuguesa”.

O Primeiro-Ministro, ouvido nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 54.º e 55.º, nº 3, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, ofereceu o merecimento dos autos.

Elaborado memorando pelo Presidente do Tribunal, veio a ser fixada a orientação deste órgão de administração de justiça.

Cumpre, pois, efectuar a elaboração de acórdão.

2. Não olvidando que a norma de cuja apreciação ora se cura - e só sobre ela incide o pedido - corresponde a uma alteração introduzida no aludido Despacho Conjunto nº 17/2000 pelo também já citado Decreto Regulamentar nº 33/2002, torna-se evidente, atento o que se consagra no nº 5 do artº 51.º da Lei nº 28/82, que este Tribunal tão só pode analisar essa mesma norma e a forma que revestiu o acto normativo que a produziu.

Não se entrará, justamente por isso, na apreciação decisória de eventuais vícios - designadamente formais e orgânicos - de que porventura padecerá o Regulamento aprovado por aquele Despacho, pois que isso significaria um desbordar dos poderes cognitivos do Tribunal Constitucional.

3. Por intermédio do Decreto Regulamentar nº 33/2002 foi aprovado o Regulamento de Atribuição do Apoio Social a Emigrantes Carenciados das Comunidades Portuguesas (ASEC-CP) que, como deflui do exórdio daquele diploma, teve por objectivo a criação de um instrumento de apoio aos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro e que se encontrem em situação de necessidade extrema e de manifesta excepcionalidade, complementando uma outra medida, já tomada em relação aos idosos carenciados das comunidades portuguesas, medida essa precisamente instituída pelo Regulamento de Atribuição do Apoio Social a Idosos Carenciados das Comunidades Portuguesas (ASIC-CP) aprovado pelo Despacho Conjunto nº 17/2000.

Aproveitou-se, porém, a oportunidade para, neste último Regulamento (ASIC-CP), introduzir algumas alterações pontuais, de entre elas “relevando principalmente o campo pessoal de aplicação” (palavras do preâmbulo).

Foi assim que, referentemente às condições de atribuição da medida de apoio aos idosos carenciados das comunidades portuguesas residentes no estrangeiro (que eram definidas no nº 1 do item III do ASIC-CP como sendo: terem os candidatos idade igual ou superior a 65 anos; encontrarem-se no país de acolhimento em situação de residência legal e efectiva; encontrarem-se em situação de carência - definida no nº 2, que também sofreu alteração de redacção -, e não haver familiares obrigados à prestação de alimentos ou, havendo-os, não se encontrarem estes em situação de os prestar), uma outra foi aditada pelo nº 2 do artº 1.º do Decreto Regulamentar nº 33/2002, e que consistiu na determinação de os idosos carenciados não serem nacionais do país de acolhimento.

É esta alteração que é questionada pela entidade requerente.

4. Intentou-se por via do Despacho Conjunto nº 17/2000 - ponderando a realidade de existirem portugueses idosos que, nas diversas comunidades portuguesas no estrangeiro, viviam em situação de carência económica e social, não se encontravam abrangidos por sistemas de segurança social e, por nos países de acolhimento e nessas comunidades, terem criado raízes, não desejarem ser repatriados - proporcionar a tais cidadãos condições dignas de subsistência, criando-se, para o efeito, uma medida que foi caracterizada como um subsídio de apoio social, personalizado, intransmissível, periódico e insusceptível de conferir um direito subjectivo (cfr. nº 1 do item II do Regulamento aprovado por meio daquele Despacho).

Perante tal caracterização, aceitar-se-á, sem que grandes dúvidas se levantem a esse respeito, que a medida criada pelo ASIC-CP se enquadra no conjunto de medidas de apoio social desenvolvidas pelo Estado, no âmbito do sistema de segurança social e, dentro deste, no âmbito do subsistema de acção social [cfr. a estrutura do sistema de segurança social, os objectivos de tal sistema e as características típicas de uma das modalidades das prestações de acção social, tais como resultam do nº 1 do artº 5.º, do artº 82.º e da alínea a) do artº 84.º, todos da Lei nº 32/2002, de 20 de Dezembro; cfr., ainda, Carlos Dinis da Fonseca, Assistência Social, no Dicionário Jurídico da Administração Pública, I Volume, 1965, 557 e 558, e Ilídio das Neves, Dicionário Técnico e Jurídico de Protecção Social, 2001, 36].

A isso ainda acresce que o apoio a que se reporta o ASIC-CP ficava sujeito a dotação anual, sendo financiado por transferências do Orçamento do Estado a inscrever anualmente no orçamento da segurança social na dotação da acção social (cfr. item XI do Regulamento), vindo, com a Lei nº 109-B/2001, de 27 de Dezembro (lei de aprovação do Orçamento de Estado para 2002) - cfr. artº 28.º - a ser constituído um Fundo de Solidariedade para Emigrantes, destinado a suportar financeiramente a prestação de apoio social a cidadãos portugueses residentes no estrangeiro em situações de grave carência. Assim, esta forma de financiamento estadual sem base contributiva a que o ASIC-CP ficou sujeito, identicamente reforça uma outra sorte de caracterização da medida como algo típico das prestações de acção ou assistência social (cfr., neste particular, António da Silva Leal, Temas de Segurança Social, União das Mutualidades Portuguesas, 1998, 122), anotando-se que, independentemente das diferenças (ao nível da diversidade de âmbito e intensidade da tutela concedida e do modo de funcionamento) que separam o regime contributivo do regime não contributivo, são comuns os objectivos sociais que lhes estão subjacentes.

De concluir é, pois, que o subsídio de atribuição instituído pelo ASIC-CP deve ser perspectivado como uma medida de acção social inserida no domínio do sistema de segurança social e, como tal, devendo pautar-se pelas regras e princípios desse sistema.

5. Atribui o Diploma Básico ao sistema de segurança social e à terceira idade um elevado relevo, podendo, exemplificativamente, citar-se a consagração constitucional do direito a esse sistema, do direito dos idosos à segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitem a sua autonomia pessoal e evitem e superem o isolamento ou a marginalização social (sendo esses direitos integrados no Capítulo II - direitos e deveres sociais - do Título III), das incumbências que comete ao Estado nesse domínio (artigos 63.º e 72.º), da determinação de inclusão do orçamento da segurança social no Orçamento do Estado [alínea b) do nº 1 do artigo 105.º] e do cometimento à reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República da definição das bases do sistema de segurança social [alínea f) do nº 1 do artigo 165.º].

Releva, especialmente, este último cometimento, pois que do mesmo se extrai que é o Parlamento o órgão legislativo que haverá de definir, no que toca às prestações da segurança social e através da respectiva lei de bases, a composição, o âmbito da protecção e as características das prestações sociais, sendo certo que é sobre o Governo, enquanto órgão de condução da política geral do País e órgão superior da Administração Pública, que impende a responsabilidade pela implementação da política concreta de segurança social.

No caso em apreço, confrontamo-nos com a realidade segundo a qual a alteração introduzida no ASIC-CP e que agora se encontra sub iudicio foi prescrita por intermédio de um decreto regulamentar, o que é dizer que o foi por uma norma de cariz administrativo.

E, sem que, como já acima se disse, se possa entrar na apreciação da forma como foi editado o Regulamento cuja alteração está agora em causa, mister é dar resposta à questão de saber se a via regulamentar é, do ponto de vista da conformidade com a Constituição, adequada e suficiente para o...

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