Acórdão nº 205/05 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Abril de 2005

Data20 Abril 2005
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 205/05 Processo n.º 195/05 3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gil Galvão

Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório.

  1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Norte, a recorrente A., notificada, em processo de execução fiscal, para efectuar o pagamento de determinada quantia, referente a IRC do ano de 1989, veio invocar a prescrição e, subsidiariamente, requerer a suspensão do processo. O requerido foi indeferido por decisão do Chefe de Serviços de Finanças de Oliveira do Hospital. Inconformada, reclamou para o Tribunal Tributário de Coimbra. Por sentença deste Tribunal, de 28 de Junho de 2004, foi a reclamação indeferida, considerando-se improcedentes quer a invocada prescrição quer o pedido de suspensão da execução.

  2. Não se conformando com esta decisão, a recorrente interpôs recurso, “em matéria de direito, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo”. Por decisão de 7 de Outubro de 2004, declarou-se este Tribunal incompetente em razão da hierarquia e determinou a remessa do processo ao Tribunal Central Administrativo Norte, conforme fora, entretanto, adicionalmente requerido pela recorrente. Este, por acórdão de 11 de Novembro de 2004, negou provimento ao recurso, desatendendo a reclamação e mantendo o despacho reclamado. Considerou, para tal, não só que a dívida ainda não se encontrava prescrita, mas também que a suspensão requerida não era legalmente admissível.

  3. Veio, então, a recorrente requerer a reforma do acórdão, nos termos do art.º 669° do Código de Processo Civil. Alegou, nomeadamente, que “face à matéria de facto e às considerações, doutamente tecidas de direito, deveria o recurso ter sido julgado procedente”. E acrescentou

    “[...] 16° Ora, sendo a prescrição de conhecimento oficioso, impunha-se, como se impõe, ao Tribunal a realização oficiosa de todas as diligências que se considerem como úteis ao apuramento da verdade, relativamente aos factos que lhe seja lícito conhecer, e a prescrição é precisa e inequivocamente uma dessas situações.

    1. Pe1o que, entende a requerente ter ocorrido manifesto lapso na qualificação jurídica dos factos, pois tendo a sentença de 1ª instância estabelecido erradamente aquela data, impunha-se que o acórdão fixasse de forma definitiva, concreta e correcta a mesma e, não o podendo fazer, ordenar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para o efeito.

    2. O que não podia fazer, salvo o devido e muito respeito, era limitar-se a considerar, sem que elementos houvesse para tal, a data de 17.12.1999.

    3. Sendo certo que, a entender-se que o art.º 669° do CPC, não permite o conhecimento da questão referida, na extensão ante alegada e que aqui se dá por inteiramente reproduzida, tal interpretação é manifestamente inconstitucional por violação do princípio do acesso aos tribunais disposto no art.º 20 da CRP, nas suas dimensões de direito a uma tutela jurisdicional efectiva e do direito ao recurso a todos os meios de prova tendentes ao exercício do direito.

    4. Entende, ainda, a ora requerente que o douto acórdão recorrido também laborou em erro na qualificação jurídica da questão da suspensão do processo de execução fiscal por virtude da pendência de um processo de revisão.

    5. Na verdade, ao contrário do referido no douto acórdão, entende a recorrente que o efeito suspensivo não pode deixar de ser reconhecido ao pedido de revisão oficiosa - que consubstancia uma verdadeira reclamação que corresponde ao respectivo conceito doutrinal consagrado no art.º 158° do CPA. - e consequente reacção judicial contra o mesmo formulado.

    6. Assim, por força do art.º 52°, n.º 1 da LGT, o pedido de revisão tem efeito suspensivo, ao contrário do consagrado no douto acórdão que agarrando-se ao sentido literal da lei e não à sua ratio, apreciou incorrectamente, do ponto de vista jurídico, tal questão, pois que tendo a revisão por objecto a legalidade da dívida, aquele efeito suspensivo será de admitir.

    7. Sendo certo que, a entender-se que o art.º 669° do CPC, não permite ao julgador o conhecimento da questão referida, na dimensão alegada, tal interpretação é manifestamente inconstitucional por violação do princípio do acesso aos tribunais disposto no art.º 20 da CRP, na sua dimensão de uma tutela jurisdicional efectiva e plena do direito. [...]”

  4. O Tribunal Central Administrativo Norte, por acórdão de 13 de Janeiro de 2005, indeferiu a reclamação. Escudou-se na seguinte fundamentação:

    “[...] 2. O artigo 669º do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo DL n° 329-A/95, de 12 de Dezembro, estabelece no seu n° 2 o seguinte:

    “2. É ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando:

    1. Tenha ocorrido manifesto lapso do juiz da determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;

    b) Constem do processo documentos ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração”.

    Portanto, não aqui está em causa a reapreciação, pelo juiz ou juizes, de decisão já anteriormente proferida sobre as questões suscitadas pelas partes, mas apenas a eventual correcção de erros evidentes.

    Neste sentido, o STA tem entendido - e bem - que o artigo em causa só deve ser aplicado no caso de evidência de erros palmares facilmente identificáveis na decisão. É que, de outro modo, estaria a invadir-se o campo de aplicação do recurso jurisdicional e, por outro lado, a violar-se o princípio constante do artigo 666°, n° 1 do mesmo diploma segundo o qual, proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.

    Deste modo, não pode proceder o referido pedido de reforma quando, como é o caso dos autos, o interessado invoca erro de julgamento, manifestando a sua discordância pura e simples com o decidido (neste sentido, entre outros, v. os Acórdãos daquele Tribunal, de 12.2.2003 - Recurso n° 1419/02.30, de 30.4.2003 - Recurso n° 12/02.30 e de 24.10.01 Recurso n° 25 671).

    No caso dos autos, o que a reclamante pretende, efectivamente, é que o Tribunal volte a reapreciar as questões por si já anteriormente suscitadas decidindo-as em sentido contrário, o que o artigo 669° não consente. O acórdão debruçou-se detalhadamente sobre as questões suscitadas no recurso e tomou a sua opção no sentido ali expresso.

    Por isso, não estamos perante qualquer lapso manifesto que caiba corrigir.

    Deste modo, não pode ser atendida a reclamação.

  5. Prevenindo o indeferimento da reclamação com o fundamento agora exposto, veio a reclamante alegar que o artigo 669° assim interpretado deve ter-se por inconstitucional por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva e do direito de recurso a todos os meios de prova tendentes ao exercício do direito.

    Uma vez que a reclamante não concretiza em que é que essa violação se traduz, o tribunal nem sequer está obrigado a conhecer desta questão, já que não cabe aos tribunais elaborar construções jurídicas teóricas, apenas se ocupando de questões concretas suscitadas pelas partes.

    De todo o modo, sempre se dirá que não se vê em que é que a proibição de reapreciar questões já suscitadas pelas partes e decididas viola o princípio da tutela jurídica. Por outro lado, também é perfeitamente descabido afirmar que o artigo 669° assim interpretado viola o direito de recurso a todos os meios de prova, já que os meios de prova foram apresentados anteriormente não consagrando tal norma qualquer direito a apresentação de meios de prova após proferida a decisão.

    É claro que, numa situação como a dos autos, a decisão até poderia estar errada e nem poderia ser corrigida em via de recurso, uma vez que ele não é admissível. No entanto, essa é uma situação normal da vida. Atente-se, por exemplo, numa decisão de um juiz de 1ª instância da qual não cabe recurso em função do valor da causa.

    No caso concreto dos autos, o legislador admitiu apenas o recurso em última instância para este Tribunal, pelo que a decisão de mérito - aquela que a reclamante pretende ver modificada - não pode já ser alterada, a não ser nos casos previstos no artigo 669º, interpretado nos termos em que o foi e que segue a jurisprudência uniforme do STA. [...]”

  6. Desta decisão foi interposto recurso para este Tribunal, através do seguinte requerimento:

    “[...], notificada do acórdão proferido por esse Tribunal em 13 de Janeiro de 2005, que indeferiu o pedido de reforma do acórdão igualmente prolatado por esse Tribunal, de 11 de Novembro de 2004, vem daquele interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 70° da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro e art.º 280°, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (CRP), pretendendo a apreciação de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 669° do Código Processo Civil no entendimento ou interpretação dados a essa norma pelo acórdão ora recorrido, de 13 de Janeiro de 2005.

    O recorrente suscitou a questão de inconstitucionalidade da norma cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada no articulado em que pediu a reforma do acórdão proferido pelo Tribunal agora recorrido em 11 de Novembro de 2004.

    Conforme alegado nesse articulado, a recorrente entende que a interpretação dada a essa norma pela decisão agora recorrida viola o direito de acesso aos tribunais consagrado no art.º 20° da CRP, nas suas dimensões de direito a uma tutela jurisdicional efectiva e de consideração oficiosa de todos os meios de prova que estão à disposição do tribunal e ainda de direito a uma decisão jurisdicional justa proferida segundo o direito que regula a relação jurídica em que se traduz o litígio decidido pelo tribunal. [...]”.

  7. Na sequência, foi proferida pelo Relator, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não...

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