Acórdão nº 174/05 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Março de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução31 de Março de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 174/2005 Processo n.º 229/02 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório AUTONUM 1.Em 27 de Outubro de 1998, A., melhor identificado nos autos, interpôs, no Supremo Tribunal Administrativo, recurso contencioso de anulação e declaração de nulidade do acto administrativo do Secretário de Estado da Agricultura e do Desenvolvimento Regional de 20 de Agosto de 1998, que indeferiu o requerimento do autor ao Ministro da Agricultura e do Desenvolvimento Rural em que pedia a revisão da indemnização a pagar pelo abate de 428 cabeças de gado de que era proprietário, na sequência do diagnóstico de BSE (encefalopatia espongiforme dos bovinos) num dos efectivos da sua exploração, ou a explicitação de que “pretende restringir a indemnização à aplicação das regras que decorrem do Despacho Conjunto n.º 344/98, publicado no Diário da República, II Série, de 14 de Maio de 2000”.

    Por acórdão de 2 de Maio de 2000, a 2.ª Subsecção da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo decidiu, em conferência, negar provimento ao recurso, considerando, para o que ora importa, o seguinte:

    2.9. Em síntese conclusiva sobre a justa indemnização:

    - O abate dos animais suspeitos de contágio deve ser indemnizado nos termos do art.º 9.º, n.º 2, do DL 48051; § 1.º do art.º 8.º do DL n.º 39209; art.º 1.º do DL n.º 195/87; Portaria n.º 114-A/96, de 6 de Maio; e Despacho Conjunto dos Ministros das Finanças e da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, publicado no DR, II Série, n.º 111, 14.5.98.

    - A indemnização a atribuir aos proprietários nos termos daquelas normas, cujo “quantum” resulta da aplicação da tabela de cálculo anexa ao citado Despacho Conjunto, tem de respeitar os critérios de justiça e proporcionalidade decorrentes do princípio do Estado de Direito democrático do art.º 2.º da Constituição, tem de garantir igualdade na distribuição dos encargos públicos e no tratamento dos diversos proprietários atingidos, não pode ser meramente simbólica ou irrisória, e, tendencialmente, tem de ser contemporânea do sacrifício especialmente imposto.

    - A indemnização justa não se pode definir em termos absolutos, apenas pode balizar-se por duas fronteiras tão afastadas uma da outra quanto o permitem os limites acabados de enunciar.

    - A tabela anexa ao Despacho Conjunto que serviu de base ao cálculo final dos montantes pagos ao recorrente satisfaz as exigências da justa indemnização porque não adopta critérios abstractos, atinge valores que presumivelmente estão próximos do valor que em prognose resultaria do funcionamento do mercado nas condições existentes, elimina o perigo de uma eventual desvalorização profunda causada pela existência de zoonose e os factos a que manda atender permitem distinguir as diferentes destinações dos bovinos, permitem ter em conta o valor dos animais em carne, segundo um padrão médio, corrigido depois por uma compensação pela qualidade da exploração possível e esperada de cada um dos nove tipos de animais que contempla, o que tem de entender-se, também, como uma compensação por lucros cessantes.

    - Segundo aquela tabela, o valor dos animais abatidos resulta do somatório do valor em carne, de acordo com o respectivo peso e categoria, com o montante compensatório pela qualificação da exploração, esta entendida como as qualidades e as características zootécnicas de cada exemplar que permitem esperar um certo rendimento pela exploração da capacidade produtiva (leite) e reprodutiva (crias), que a tabela apresenta sob a designação de “compensação pelo valor produtivo” e que cumpre as exigências do art.º 1.º do DL n.º 195/87, de 30 de Abril.

    O recorrente recorreu então para o pleno do Supremo Tribunal Administrativo, que, por acórdão de 22 de Janeiro de 2002, confirmou o acórdão recorrido, escrevendo, no que agora releva, o seguinte:

    “Embora o desiderato de justiça na indemnização se alcance seguramente quando o legislador opta pelo critério do valor de mercado do bem expropriado, outros critérios são possíveis para atingir o mesmo fim (Ac. do Trib. Const. n.º 194/97, de 11/3/97, in Acs. do Trib. Const., vol. 36.º, pág. 413).

    Importa, pois, averiguar se os critérios fixados pela norma, fórmula ou tabela e que têm de ser observados na fixação do montante indemnizatório permitem a reposição do estábulo na situação idêntica à do que fora sacrificado.

    Segundo o recorrente tal não sucedeu, defendendo, sem todavia indicar o valor dos animais abatidos, que deveriam ter sido avaliados por peritagem antes do abate.

    Assim, refere em 1.º lugar que o valor da carne não foi calculado de acordo com a cotação do dia no mercado do Montijo, pelo que os 41 274 464$00 pagos a tal título deveriam ascender a 58 213 750$00.

    Refere, em 2.º lugar, o recorrente que a indemnização arbitrada ignorou as características genéticas de cada animal para a produção da carne, o seu estado sanitário, idade e maneio.

    Finalmente, e em 3.º lugar, o recorrente defende que não se atendeu ao valor zootécnico dos animais abatidos, pois que se tratava de animais cuja raça tinha sido apurada.

    Como compensação pelo respectivo abate, foi paga ao recorrente a quantia total de 82 934 464$00 (79 349 464$00 + 3 585 000$00), montante que ultrapassou os 58 213 750$00 indicados pelo recorrente como sendo o valor total da carne calculado de acordo com a cotação do dia no Montijo.

    De acordo com o n.º 9 do Despacho Conjunto n.º 334/98, o pagamento pelo abate sanitário dos bovinos portadores da BSE abrange uma indemnização a título de abate sanitário e uma compensação pelo valor produtivo dos animais, segundo os critérios da tabela anexa, onde se estabelece o montante por cabeça e diferenciando-se os bovinos de aptidão leiteira dos de aptidão para carne e dentro de cada classe os vários tipos de animais.

    Tendo em atenção o número de animais abatidos segundo o recorrente e atendendo à cotação do dia no Montijo, o mesmo deveria receber 58 213 750$00, quando efectivamente recebeu o total de 82 934 464$00 (41 274 464$00 indemnização por abate e 38 075 000$00 + 3 585 000$00 por compensação pelo valor produtivo).

    Ou seja, o valor total recebido pelo recorrente a título de indemnização e apurado segundo os critérios legais corresponde a uma justa indemnização pelo abate forçado dos seus bovinos, não se vislumbrando a violação dos princípios da proporcionalidade, da justiça e da igualdade, como aquele defendia.

    Efectivamente, pelo montante respeitante a compensação foram abrangidas as situações alegadas pelo recorrente e sobretudo o valor produtivo dos animais abatidos.

    Ao assim ser decidido, não violou o acórdão recorrido o mencionado princípio da justa indemnização, pelo que improcedem as conclusões agora em análise.”

    AUTONUM 2.Inconformado, o recorrente intentou o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional).

    No Tribunal Constitucional foi proferido o despacho de aperfeiçoamento previsto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 75.º-A do mesmo diploma, na redacção da Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, tendo o recorrente, em resposta, esclarecido que pretendia “ver apreciada a constitucionalidade do artigo 9.º e dos anexos I e II do Despacho Conjunto n.º 334/98, publicado no Diário da República n.º 111, de 14 de Maio (II Série), norma que estipula as regras de indemnização dos proprietários de animais objecto de abate compulsivo e de destruição”.

    Determinada a produção de alegações, só o recorrente as apresentou, concluindo deste modo:

    a) No caso sub judice, a manada do ora Recorrente, composta por 428 cabeças de gado foi sujeita a uma medida de abate compulsivo, por motivos de saúde pública, em virtude de ter morrido uma das reprodutoras da manada, à qual foi posteriormente diagnosticada a BSE, sendo certo que as restantes 427 se encontravam em perfeitas condições sanitárias.

    b) O abate sanitário por razões de saúde pública configura uma situação de destruição de bens por motivos de utilidade pública, situação essa, abrangida pelo artigo 62.º, n.º 2, da CRP, e que está sujeita, naturalmente a normativo especial para regulação da situação específica e definição daquele que é o modo de apurar o quantum certo que, sem excessos, compensa o proprietário pelo dano que lhe foi causado.

    c) Na concretização do sentido do direito fundamental em referência, a Doutrina e a Jurisprudência têm sido unânimes em considerar que justa indemnização é aquela que garante ao proprietário dos bens destruídos a compensação plena pela perda patrimonial suportada, em termos de o colocar na posição em que se encontraria caso esse acto lesivo nunca tivesse sido praticado.

    d) O normativo, que define em concreto a indemnização a atribuir em cada situação específica, deve, naturalmente, conformar-se com o princípio constitucional da justa indemnização, não podendo contrariar o mencionado preceito, visto tratar-se de um direito com o estatuto de direito análogo aos direitos, liberdades e garantias fundamentais.

    e) O Recorrente foi indemnizado ao abrigo do Despacho Conjunto n.º 334/98 que estabelece os critérios para o cálculo da indemnização a atribuir aos proprietários de animais sujeitos a abate sanitário, o qual foi emitido ao abrigo da Portaria n.º 144-A/96, que por sua vez foi proferida, nomeadamente em atenção ao disposto no artigo 2.º do DL n.º 195/87.

    f) A indemnização que, a final, foi atribuída ao ora Recorrente, composta por uma parcela relativa à indemnização por abate e outra referente à compensação pelo valor produtivo dos animais abatidos, conforme os critérios constantes do artigo 9.º do Despacho Conjunto e respectivos anexos, não constitui uma justa indemnização porque não representa o valor da manada de que o mesmo se viu privado.

    Ora, são...

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