Acórdão nº 162/05 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Março de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução29 de Março de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃ0 N.º 162/2005

Processo n.º 552/04

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão, da sentença proferida na acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e de injunção, regulada pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, pelo 1º Juízo Cível da Comarca do Funchal que absolveu a Ré B., do pedido de condenação de pagamento à A. da quantia de € 2.775,73, acrescida dos juros de mora, à taxa de 12%, entre 26 de Abril de 2003 e 30 de Outubro de 2003, no montante de € 143,29, proveniente de fornecimento de bens e serviços; do despacho, de 15 de Janeiro de 2004, que indeferiu a arguição de nulidade do julgamento deduzida pela recorrente e do despacho, de 2 de Fevereiro de 2004, que não admitiu o recurso de apelação interposto pela mesma recorrente, ambos do mesmo Tribunal.

2 – De acordo com o despacho do relator, no Tribunal Constitucional, constante de fls. 115 e ss. dos autos, transitado em julgado, no qual se procedeu à delimitação do objecto do recurso, este visa a apreciação de inconstitucionalidade:

a) da norma do art.º 678º, n.º 1 do CPC, por violação do art.º 20º da CRP, bem como dos artigos 6º, n.º 1, e 13º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, vigentes na nossa Ordem Jurídica por força do disposto no artigo 8º da CRP, quando interpretado no sentido de não admitir recurso da sentença quando o valor da causa não excede a alçada do tribunal de comarca de que se recorre em casos sujeitos ao regime de procedimento anexo ao artigo 1º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, e em que a audiência de julgamento foi efectuada sem intervenção do mandatário judicial do autor, sem a presença do autor e sem audiência das testemunhas que este pretendia nela apresentar, por todas essas pessoas terem chegado ao Tribunal depois de finda a audiência e tendo-se esta iniciado dez minutos depois da hora (do dia) antes designada pelo juiz em despacho notificado às partes;

b) da norma constante dos artigos 201º, n.º 2, e 666º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e do artigo 4º, n.ºs 2 e 3 do Regime dos Procedimentos a que se refere o artigo 1º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, por violação do artigo 20º, em particular o seu n.º 4, da CRP, do artigo 6º, § 1º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem aplicável por força do artigo 8º, n.º 2 da CRP, do princípio do Estado de direito (artigo 2º da CRP) e do princípio da igualdade (artigo 13º da CRP), na interpretação conjugada de tais preceitos segundo a qual, em processo sujeito ao regime de procedimento anexo ao artigo 1º do Decreto-Lei n.º 269/98, não constitui nulidade processual que importe a anulação da sentença a realização da audiência de julgamento na ausência do autor e do respectivo mandatário e sem audição das testemunhas que o mesmo autor pretendia nela apresentar, por todas essas pessoas terem chegado ao Tribunal depois de finda a audiência e tendo-se esta iniciado dez minutos depois da hora (do dia) antes designada pelo juiz em despacho notificado às partes.

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3 – Alegando sobre o objecto do recurso, a recorrente concluiu o seu discurso argumentativo do seguinte jeito:

a) A equidade do processo impõe a verificação de pelo menos uma instância em que tenha sido assegurada, efectiva e materialmente, a oportunidade de defesa a ambas as partes;

b) A oportunidade de defesa que é, assim, condição, sine qua non, da equidade do processo, concretiza-se, designadamente, através do respeito pelo princípio do contraditório, da igualdade das partes, do tratamento compatível com a dignidade da advocacia, da cooperação, correcção e urbanidade recíprocas;

c) Ora, no procedimento anexo ao DL. n.º 269/98, toda a oportunidade de defesa encontra-se centrada, praticamente em termos exclusivos, no momento da própria Audiência de Julgamento;

d) Deve, nessa sequência, ser particularmente cuidada a realização da Audiência de Julgamento nesse tipo de procedimento, sob pena de a pôr irremediavelmente em crise como a oportunidade, única, de defesa;

e) É da nossa praxe judicial a realização de duas chamadas para a Audiência de Julgamento, com um mínimo de intervalo entre a primeira e a segunda, bem como com um mínimo de tolerância em relação a qualquer atraso minimamente razoável, de forma a assegurar a comparência exigível;

f) Quanto à definição do que possa constituir atraso minimamente razoável, além da subjectividade e carácter casuístico necessariamente associados a tal conceito, sempre encontra alguma concretização legal no disposto no art. 266º-B/3 do CPC, o qual consagra o prazo de espera pela realização das diligências em 30 minutos, e nunca 10 minutos apenas;

g) Do que decorre a inconstitucionalidade "da norma do art. 678º, n.º 1, do CPC, por violação do art. 20º da CRP, bem como dos artigos 6º, n.º 1, e 13º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, vigentes na nossa Ordem Jurídica por força do disposto no artigo 8º da CRP, quando interpretado no sentido de não admitir recurso da sentença quando o valor da causa não excede a alçada do tribunal de comarca de que se recorre em casos sujeitos ao regime de procedimento anexo ao artigo 1º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, e em que a audiência de julgamento foi efectuada sem intervenção do mandatário judicial do autor, sem a presença do autor, e sem a audiência das testemunhas que este pretendia nela apresentar, por todas essas pessoas terem chegado ao Tribunal depois de finda a audiência e tendo-se esta iniciado dez minutos depois da hora (do dia) antes designada pelo juiz em despacho notificado às partes",

h) Bem como a inconstitucionalidade "da norma dos art.ºs 201º, n.º 2, e 666º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e do artigo 4º, n.ºs 2 e 3 do Regime dos Procedimentos a que se refere o artigo 1º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, por violação do art. 20º, em particular do seu n.º 4, da CRP, do artigo 6º § 1°, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aplicável por força do artigo 8º, n.º 2, da CRP, do princípio do Estado de Direito (artigo 2º da CRP) e do princípio da igualdade (artigo 13º da CRP), na interpretação conjugada de tais preceitos segundo a qual, em processo sujeito ao regime de procedimento anexo ao artigo 1º do Decreto-Lei n.º 269/98, não constitui nulidade processual que importe a anulação da sentença a realização de audiência de julgamento na ausência do autor e do respectivo mandatário e sem a audição das testemunhas que o mesmo autor pretendia nela apresentar, por todas essas pessoas terem chegado ao Tribunal depois de finda a audiência e tendo-se esta iniciado dez minutos depois da hora (do dia) antes designada pelo juiz em despacho notificado às partes.

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4 – A recorrida não contra-alegou.

5 – Por conveniente à compreensão do thema decidendum, convém deixar uma resenha do quadro processual do qual emergem as questões de inconstitucionalidade. A recorrente requereu a injunção judicial da ora recorrida para pagamento de certa dívida advinda de um fornecimento de bens e serviços. A recorrida deduziu oposição, alegando ter pago a dívida. O processo passou então a seguir a forma de acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e injunção, regulada pelo Dectreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, tendo sido designado como dia de julgamento o dia 14 de Janeiro de 2004, pelas 14,30 horas. Na hora designada, o mandatário judicial da autora e as testemunhas que a mesma pretendia apresentar em audiência de julgamento não estavam presentes em tribunal, tendo chegado, segundo o alegado, pelas 14,45 horas, numa altura em que a audiência de julgamento já havia terminado. A audiência de julgamento começou pelas 14,40 horas do dia designado e nela o juiz procedeu à audição de uma testemunha apresentada pela Ré e ordenou a junção aos autos de 7 documentos então exibidos pela mesma parte. Produzidas alegações pelo mandatário da Ré, o juiz proferiu sentença, absolvendo-a do pedido. No mesmo dia, a A. apresentou um articulado arguindo a nulidade da audiência de julgamento e da sentença subsequente, com fundamento, em síntese, no facto de aquela ter sido levada a cabo sem se ter esperado, por um período mínimo de 15 minutos, pela presença do seu mandatário judicial e testemunhas que pretendia apresentar em audiência e que viajavam com ele, afirmando ser “praxe” geral do país a realização de duas chamadas para a audiência de julgamento com um intervalo de 10 a 15 minutos entre cada uma e não ter tido a possibilidade de apresentar a sua prova, pelo que o tribunal teria violado o disposto nos artigos 32º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, 3º e 4º do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, 58º do Estatuto da Ordem dos Advogados, 3º, n.º 3, 3º-A, 266º-B, n.º 1, do Código de Processo Civil, 20º da CRP e 6º, § 1º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a interpretação feita daqueles preceitos ofendido o princípio do Estado de direito democrático (art.º 2º), o princípio da igualdade (art.º 13º) e o princípio do contraditório (art.º 20º), todos da CRP e ainda o disposto no art.º 8º, n.º 2, da referida Convenção.

6 – A nulidade arguida foi desatendida pelo despacho recorrido, do seguinte teor:

«Requerimento que antecede:

Considerando que para o dia 14/1 do corrente se encontravam designados três julgamentos, dois - uma acção ao abrigo do DL 269/98 (a presente), e uma acção sumaríssima para as 14,30 horas, e outro outra acção ao...

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