Acórdão nº 9/05 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Janeiro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Gil Galvão
Data da Resolução10 de Janeiro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 9/05 Proceasso n.º 912/04 3.ª Secção Relator: Conselheiro Gil Galvão

Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório

1. Por despacho do Conservador da 1ª Conservatória do Registo Predial de Braga (ora recorrido), de 8 de Janeiro de 2003, foi liminarmente indeferido um pedido de rectificação de um registo apresentado por A. e B. (ora recorrentes), com fundamento na falta de legitimidade dos requerentes, por não serem os titulares inscritos no registo, e por não ser a rectificação o meio adequado a conhecer dos vícios por estes invocados.

2. Inconformados com esta decisão de indeferimento da rectificação solicitada os requerentes recorreram dela para o Tribunal Judicial da Comarca de Braga que, por decisão de 13 de Dezembro de 2003, julgou improcedente o recurso. Escudou-se, para o efeito, na seguinte fundamentação:

“Decidindo :

Pela apresentação n° 11/13, de 2/01/2003, os ora recorrentes vieram promover processo especial de rectificação do registo, alegando, para o efeito, que o pedido de rectificação da área do prédio descrito sob o n° X., foi apresentado sem que disso tivessem sido informados os requerentes, cabendo-lhes, por isso, impugnar as decisões que sobre os mesmos foram tomadas, tendo-o sido por pessoa que não tem legitimidade registal para o efeito, não sendo sujeito activo ou passivo e não tendo qualquer interesse na feitura do registo, não correspondendo à verdade a nova área registada, sucedendo que os documentos apresentados não permitiam lavrar o registo com a área pretendida. Tal registo deveria ter sido recusado, por ser manifesto que o facto não estava titulado pelos documentos apresentados, sendo ainda manifesta a nulidade do acto. Acrescentam que o registo em causa permitiu uma violação do princípio do trato sucessivo, acabando por permitir a celebração de escritura de transmissão da propriedade do prédio em causa.

Concluem pedindo a rectificação do registo av. – ap. Y./Y., do prédio descrito sob o n° X. e inscrito na matriz rústica de ------- sob o n° ---, por forma a que passe a constar a mesma área que consta na matriz, ou seja, 90.000 m2; a rectificação da inscrição de propriedade n° ----- - ap. Y./Y. de modo a que passe a constar, relativamente ao prédio em questão, que tal inscrição é «provisória por dúvidas» e o cancelamento de todos os registos posteriores a que deu causa o despacho da Senhora Conservadora auxiliar, de 21 de Agosto de 1995.

Nos termos do disposto no art.º 121º, do Código do Registo Predial (a que se referem todos os normativos doravante mencionados sem mais qualquer referência), os registos inexactos e os registos indevidamente lavrados devem ser rectificados por iniciativa do conservador logo que tome conhecimento da irregularidade, ou a pedido de qualquer interessado, ainda que não inscrito (n.º 1), sendo que os registos indevidamente lavrados que enfermem de nulidade nos termos da al. b) do artigo 16° podem ser cancelados com o consentimento dos interessados ou em execução de decisão tomada neste processo.

Ora, apesar de nesta norma se referir que a rectificação pode ser pedida por qualquer interessado, ainda que não inscrito, sempre se deverá ter que tomar em consideração que, conforme reconhecem os próprios recorrentes, não são os mesmos os actuais titulares inscritos no registo. Ora, como bem refere o ilustre procurador no seu douto parecer, a legitimidade para requerer a rectificação, apesar de se não circunscrever aos titulares inscritos, sempre terá que ser entendida em sentido tecnico-jurídico e processual, ou seja, atendo a um interesse concreto documentalmente demonstrado e aferida em relação ao titular inscrito no registo. De outra forma estaria achado o meio de atacar um acto translativo da propriedade não através da competente acção cível, mas sim através de uma simples rectificação do registo, sendo certo que o que os recorrentes já fizeram foi exactamente isso mesmo, conforme decorre da inscrição constante de fls. 23 destes autos. Por isso, nada há a apontar à invocada falta de legitimidade que o Senhor Conservador invocou no seu despacho de recusa.

Relativamente ao fundamento da rectificação na nulidade decorrente do disposto no art.º 16°, al. b), caberá dizer que, nos termos dessa norma, é nulo o registo quando tiver sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado. No entanto, como resulta dos pedidos formulados pelos recorrentes, o que está verdadeiramente em causa é o cancelamento dos registos posteriores efectuados, o que já é pedido na acção supra referida. Tais matérias não se encontram na disponibilidade do Sr. Conservador, antes dependendo de decisão judicial. A proceder o pedido de rectificação pretendido, os recorrentes obteriam, por intermédio de um expediente (o da rectificação) que a tal não está dirigido, a destruição de um direito de propriedade que já previamente atacaram pelas vias próprias, e a constituição de um outro, a seu favor, quando é certo que o registo predial não tem efeitos constitutivos .Também pior aqui se conclui que o que os recorrentes pretendem não se enquadra no âmbito e eficácia do procedimento de rectificação do registo pretendido.

Pelo exposto, tudo visto e considerado, conclui-se que a decisão de recusa por parte do Senhor Conservador não padece de qualquer vício, devendo ser confirmada, o que se faz, julgando improcedente o recurso apresentado”.

3. Novamente inconformados os requerentes recorreram para o Tribunal da Relação de Guimarães. A concluir a sua alegação disseram, para o que agora importa, o seguinte:

“[...] OO - Como é óbvio, se a legitimidade para requerer a rectificação do registo fosse aferida neste momento, os recorrentes não poderiam opor-se aos actos praticados pelo dito C..

PP - O que significaria que, pela via de um averbamento lavrado em violação da Lei, o dito C. poderia apoderar-se de parte dos imóveis que pertencem em compropriedade aos recorrentes.

QQ - Esta interpretação da lei registral relativa à legitimidade seria inconstitucional na medida em que permitiria que um particular, em conluio com outro(s), pudesse privar outro particular do seu direito de propriedade em violação do disposto no art. 62°, n.º 1 da Constituição.

RR - De tal conceito de legitimidade resultariam interpretações inconstitucionais do disposto nos artigos 10, 16°; nos n.ºs 2 e 3 do art. 28°; no n.º 2 do art. 30°; no n.º 1 do art. 31°; no art. 36º; no n.º 3 do art. 38; no n.º 1 do art. 43°; no art. 68°; na alínea b) do n.º 1 do art. 69°; na alínea e) do n.º 1 do art. 85° e no art. 88°; todos do Código de Registo Predial.

SS - Foram violadas, na sentença de 13/12/2003, as seguintes normas jurídicas:

  1. Código do Registo Predial - artigos 1°; 16°; nos n.ºs 2 e 3 do art. 28°; no n.º 2 do art. 30º; no n.º 1 do art. 31°; no art. 36°; no n.º 3 do art. 38; no n.º 1 do art. 43°; no art. 68°; na alínea b) do n.º 1 do art. 69°; na alínea e) do n.º 1 do art. 85° e no art. 88°;

  2. Constituição da República Portuguesa - Art. 62°, n.º 1”.

    4. O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 24 de Abril de 2004, negou provimento ao recurso, remetendo, para o efeito, para a fundamentação da decisão recorrida.

    5. Ainda inconformados os recorrentes vieram aos autos para a arguir a nulidade desta decisão, requerimento que foi indeferido pelo acórdão de 30 de Junho de 2004.

    6. É nesta sequência que foi interposto o presente recurso, através de um requerimento que tem o seguinte teor:

    “1- Está em causa, no presente recurso de constitucionalidade, o Artigo 38° do Código do Registo Predial.

    2- Do despacho do Sr. Conservador, conjugado com o teor das decisões judiciais, constata-se que o artigo supra foi interpretado implicitamente com o seguinte sentido :

    “O anterior titular inscrito, apesar de não ter sido notificado para dizer se consentia numa rectificação de área do prédio rústico descrito sob o n.º X., promovida em 1995 por quem não tinha legitimidade para tal e apesar de ser comproprietário confinante de dois prédios adjacentes àquele, não tem legitimidade para eliminar da ordem jurídica o averbamento Ap. Y. através do qual foi aumentada a área desse prédio em 24% sendo que, pela via do registo, esse anterior titular pretende destruir o direito de propriedade do actual titular, o que não é possível nem legal visto que o registo não tem efeito constitutivo”.

    3 - Esta interpretação do Art. 38° do Cód. do Reg. Predial afronta não só o princípio constitucional do direito à propriedade privada, consagrado no n.º 1 do Art. 62° da Constituição, mas também colide com a finalidade essencial do registo (publicitar e garantir notícias verdadeiras) e com os princípios basilares do registo como sejam :

    - o pr. da instância

    - o pr. da identidade do prédio

    - o pr. da legalidade

    4- No entender dos aqui recorrentes, a interpretação constitucionalmente conforme devia ser a seguinte :

    “Quando um dos comproprietários do prédio não tenha sido notificado e não tenha dado o seu consentimento a um averbamento através do qual alguém que não está para tal legitimado pretende aumentar a área do prédio em mais de 10% (neste caso concreto foi de 24%) em relação à área constante na matriz, e sendo esse comproprietário do prédio também Comproprietário dos prédios rústicos confinantes cujas confrontações, e cuja área, são alteradas pela via desse averbamento, ele tem legitimidade para requerer que o Sr. Conservador dê inicio, oficiosamente, ao processo de rectificação do registo previsto nos Arts. 120º a 132°- D do Cód. do Reg. Predial”.

    5- O que está em causa não é a legitimidade para pedir, no momento presente, um...

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