Acórdão nº 630/06 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução16 de Novembro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 630/2006 Processo n.º 363/04 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto Acordam na 2.ª Secção do tribunal constitucional: I – Relatório AUTONUM 1.Por acórdão datado de 29 de Janeiro de 2004, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu negar o recurso de revista interposto por A. do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Março de 2003, que confirmou a sentença do Tribunal de Família e Menores de Lisboa datada de 26 de Junho de 2002, que decretou a adopção plena do menor B., filho daquela, por C. e D., bem como determinou a alteração do nome do adoptando para E..

Pode ler-se naquele aresto:

1. D. e C. requereram a adopção plena do menor B., filho de A. A acção foi julgada procedente, tendo a sentença de 1ª instância sido confirmada por acórdão da Relação de Lisboa de 13 de Março de 2003.

Inconformada, recorreu A. para este Tribunal,(...).

3. Sobre a admissibilidade do recurso

Consideram os Recorridos e o Ministério Público que o recurso é inadmissível face ao disposto no artigo 1411.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, nos termos do qual “Das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”.

A este respeito importa observar que se antes da entrada em vigor desta disposição, na redacção que lhe foi dada pela reforma processual de 1995, se entendia não existir recurso para o Supremo das decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntária e, assim, nos processos de adopção como tal considerados (artigo 150.º da O.T.M. – vejam-se, entre outros, os acórdãos do S.T.J. de 29 de Abril de 1993, revista n.º 83481, de 27 de Março de 1994, revista n.º 85066, e de 11 de Outubro de 1995, revista n.º 87285), esta jurisprudência hoje não pode ser mantida.

Face à nova redacção do mencionado preceito, importa averiguar se a decisão em causa foi proferida “segundo critérios de conveniência ou oportunidade”, devendo entender-se que assim é quando, muito embora tenham sido apreciadas questões de direito, o que sobre elas foi decidido não influiu na decisão final (acórdão de 25 de Setembro de 2003, proferido na revista n.º 1056/03).

Ora, não é este o caso no presente processo uma vez que as questões de direito suscitadas pela Recorrente, a serem julgadas procedentes, obstam à adopção.

4. Quanto ao mérito

São as seguintes as questões suscitadas no presente recurso: Violação dos artigos 227.º, § 5, da Constituição da República Federativa do Brasil e 45.º da Lei Federal n.º 8.069, de 13 de Julho de 1990 (1), violação da Constituição da República Portuguesa ao considerar-se preenchido o requisito da inibição do poder paternal, sem qualquer processo para o efeito instaurado (2), inconstitucionalidade do artigo 1981º, n.º 1, alínea c), do Código Civil, e violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, da Convenção sobre os Direitos da Criança e da Declaração dos Direitos da Criança, se interpretado no sentido do acórdão recorrido (3).

4.1 e 2. A aplicação do direito brasileiro

Estabelece o artigo 60.º, n.º 1, [do Código Civil] que “à constituição da filiação adoptiva é aplicável a lei pessoal do adoptante, sem prejuízo do disposto no número seguinte”, que em nada releva no presente caso. E o n.º 4 dispõe que “Se a lei competente para regular as relações entre o adoptando e os seus progenitores não conhecer o instituto da adopção, ou não o admitir em relação a quem se encontre na situação familiar do adoptando, a adopção não é permitida”. Ora, sendo a lei competente para regular as relações entre a Recorrente e seu filho, lei pessoal daquela (artigo 57.º, n.º 2, do mesmo Código), ou seja, a lei brasileira, importa averiguar o que esta lei dispõe relativamente à constituição do vínculo da adopção.

Considera a Recorrente que os artigos 227.º, § 5, da Constituição da República Federativa do Brasil e o artigo 45.º da Lei Federal n.º 8.069 exigem o consentimento pessoal dos pais do adoptando, consentimento este que só pode ser dispensado em caso de inibição do poder paternal, que no presente caso não foi decretada.

No entender da Recorrente o artigo 7.º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (Decreto-Lei n.º 4.657, de 4 de Setembro de 1942), ao remeter para a lei do domicílio a regulação da constituição do vínculo da adopção é incompatível com aquelas disposições.

Quanto a esta questão importa observar que não compete aos tribunais portugueses apreciar a questão da inconstitucionalidade em causa, sendo, aliás, possível que as disposições mencionadas da Constituição Brasileira e da Lei Federal sejam aplicáveis apenas nos casos em que é aplicável a lei brasileira.

Nestas condições, é apenas aplicável o direito português, país da residência habitual da Recorrente (artigo 18.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).

Afigura-se, pois, irrelevante a questão que se prende com a ausência de processo de inibição do poder paternal, requisito que não existe no direito português, no caso em apreço, como veremos.

4.3. O artigo 1981.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil

Prevê o artigo 1981.º do Código Civil a dispensa do consentimento dos pais do adoptando quando tenha havido confiança judicial fundada nas circunstâncias mencionadas nas alíneas c), d) e e) do artigo 1978.º do mesmo Código (n.º 3, alínea b)), o que foi o caso. Pretende a Recorrente que tal dispensa, quando o fundamento da confiança tenha desaparecido, viola disposições constitucionais bem como das convenções e declaração internacionais, acima mencionadas.

A este respeito importa observar que nada nos autos permite concluir pela inexistência dos fundamentos que levaram à confiança judicial do filho da Recorrente.

E mesmo que assim fosse continuaria a ser legítima a dispensa do consentimento para a adopção.

Com efeito, a confiança judicial, destinada a futura adopção, cria entre o menor e os futuros pais adoptivos relações cuja estabilidade não deve ser afectada por uma eventual modificação das circunstâncias em que essa confiança assenta. É inadmissível que os laços de afectividade criados durante esta fase de pré-adopção sejam abruptamente quebrados, com as inerentes perturbações psíquicas, para salvaguarda de simples direitos resultantes da maternidade biológica.

Sendo o interesse do menor, assim concebido, o objectivo prosseguido pelos direitos modernos no domínio da adopção, não se compreende a invocação da Declaração dos Direitos da Criança e da Convenção sobre os Direitos da Criança invocados, sem fundamentação, pela Recorrente. E o mesmo se diga no que respeita à Convenção dos Direitos do Homem e às disposições constitucionais que esta considera violadas, sem se compreender por que razão.

Nega-se, pois, a revista.

AUTONUM 2.Inconformada com esta decisão, a recorrente veio interpor recurso para este Tribunal, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade do artigo 60.º, n.º 4, do Código Civil, «quando interpretado e aplicado no sentido de que “a adopção é permitida não obstante a recusa de consentimento por parte da mãe do menor, mesmo quando a lei competente para regular as relações entre esta e o adoptando não tenha dispensado a necessidade do seu consentimento...”», “por considerar que tal interpretação e aplicação caracterizam a inconstitucionalidade material do referido artigo 60.º, n.º 4, do CC, por violação do quanto disposto pelos artigos 2.º, 8.º, 9.º, alínea b), 13.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 20.º, n.º 4, 26.º, n.º 4, 36.º, 202.º, n.º 2, 203.º e 204.º, todos da Constituição da República Portuguesa; bem como dos artigos 1.º, 2.º, 6.º, 7.º, 8.º e 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem; dos artigos 6.º, 8.º e 14.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; do princípio sexto e sétimo, terceiro parágrafo, ambos da Declaração dos Direitos da Criança, adoptada pela ONU, em 1959; dos artigos 7.º, n.º 1, 8.º, n.º 1, 9.º, n.º 1, e 16.º, n.º 1, todos da Convenção sobre os Direitos da Criança”.

A recorrente pretende, ainda, ver apreciada a constitucionalidade do artigo 1981.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil, «quando interpretado e aplicado no sentido de que “... a necessidade do consentimento dos pais do adoptando acha-se vinculada à não existência de confiança judicial, mesmo quando se verifique, por ocasião do processo de adopção, o desaparecimento da circunstância anterior que justificou a confiança, decorrente do facto de a mãe do menor, que se encontrava mentalmente enferma durante o processo de confiança, ter recobrado a sua saúde e manifestado a sua oposição à adopção, antes mesmo da conclusão do processo referente a esta última...”, por considerar que “tal interpretação e aplicação caracterizam a inconstitucionalidade material do artigo 1981.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil, por violação do disposto pelos artigos 8.º, 16.º e 20.º, n.ºs 4 e 5, todos da Constituição da República Portuguesa; do artigo 8.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adoptada pela ONU em 1948, e dos artigos 6.º, n.º 1, primeira parte, e 13.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, assinada em Roma, aos 04/11/1959, que estabelecem o direito a um processo equitativo e efectivo”.

Admitido o recurso, e determinada a produção de alegações, a recorrente concluiu assim as suas:

1.º Nas alegações do seu recurso de revista, para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça (cfr. motivação e respectivas conclusões – estas nos pontos 13.º, 14.º e 15.º), a recorrente suscitou a inconstitucionalidade material do artigo 60.º, n.º 4, do Código Civil, na forma com que restou interpretado e aplicado, no douto acórdão recorrido, no sentido de que “...a adopção é permitida, não obstante a recusa de consentimento por parte da mãe do menor mesmo quando a lei competente para regular as relações entre esta e o adoptando não tenha dispensado a necessidade do seu consentimento...”.

2.º O douto acórdão reconhece o facto...

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