Acórdão nº 588/06 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução31 de Outubro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 588/2006

Processo nº 747/2005

  1. Secção.

Relator: Conselheiro Bravo Serra

(Conselheira Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza)

1. Na acção declarativa com processo comum emergente de contrato individual de trabalho a que foi dado o valor de € 3.740,993, acção essa que A. propôs no 1º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa contra B., S.A., foi, a dada altura, junto aos autos requerimento formulado pelos autor e ré e por via do qual intentavam pôr termo ao litígio mediante transacção, estipulando-se, no que agora interessa “custas em dívida a juízo serão suportadas em partes iguais pelo Autor e pela Ré”.

Em 9 de Fevereiro de 2005 foi, pela Juíza daquele Juízo, proferida decisão que homologou a transacção efectuada e determinou a condenação das “partes a cumpri-la nos seus precisos termos”.

Remetidos os autos à conta e elaborada esta, da mesma reclamou o autor, sendo, por despacho de 14 de Junho de 2005, determinada a sua reforma.

Nesse despacho, foi dito, no que ora releva, disse: –

“(…)

Analisando e decidindo.

Diz o artº 13° nº 2 do CCJ vigente que ‘a taxa de justiça do processo corresponde ao somatório das taxas de justiça inicial e subsequente de cada parte.’

Ora para se compreender este preceito legal e o espírito subjacente ao novo CCJ é preciso recorrer ao Exórdio do DL nº 324/2003 de 27-12 o qual diz, entre outras, o seguinte:

Nº 3, 2° parágrafo:

‘é adoptada uma tabela mais perceptível e abrangente, caracterizada pela redução do número de escalões relevantes para efeitos de determinação da taxa de justiça do processo. Paralelamente, com a adopção de uma tabela única – por contra posição às duas tabelas (a da taxa de justiça final e a dos pagamentos prévios) actualmente existentes –, restabelece-se a coincidência entre os montantes da taxa de justiça inicial e subsequente pagas durante o processo e a taxa de justiça global devida a final.’

Nº 3, 4° parágrafo:

‘De igual forma, põe-se termo à multiplicidade de reduções de taxa de Justiça existente, consagrando-se, como regra geral, um único grau de redução da taxa de justiça (redução a metade) a operar mediante dispensa do pagamento da taxa de Justiça subsequente (...)’

Nº 4, 1º, 2° e 3° parágrafos:

‘Por força das modificações operadas, e tendo presente os objectivos visados, a tabela da taxa de Justiça do processo sofre uma profunda revisão. Introduz-se um novo conceito – o de taxa de justiça de parte – a partir do qual se obtém o valor da taxa de justiça do processo, correspondendo este último ao somatório das taxas de Justiça inicial e subsequente de cada uma das partes. (...)

No entanto, e porque o conceito de parte é distinto do de sujeito processual, consagra-se a regra de que, em caso de pluralidade activa ou passiva, o respectivo conjunto de sujeitos processuais é considerado, para efeitos de cálculo da taxa de justiça, como um[a] única parte. Por essa mesma razão, e de forma a evitar pagamentos em excesso e as consequentes devoluções, consagra-se a regra da dispensa do pagamento de taxa de justiça subsequente, designadamente nos casos em que a taxa de justiça inicial paga pelos sujeitos processuais se revele suficiente para assegurar o pagamento da totalidade da respectiva taxa de justiça de parte.

No entanto, sempre que, quer neste, quer noutros casos, exista dispensa do pagamento prévio de taxa de justiça, caberá à parte vencida suportar, a final e na medida do seu decaimento, a totalidade da taxa de justiça do processo, ou seja, a sua taxa de justiça de parte e a taxa de justiça da parte contra quem litigou.’[1]

É com base neste último parágrafo acabado de citar que o respectivo programa informática fora, ao que nos é dado compreender, elaborado.

O sistema informático ‘pega’ no valor depositado nos autos, e ignorando se o mesmo fora depositado por uma ou ambas as partes, assume esse valor e divide-o, no caso de uma transacção, ao meio, imputando metade a cada parte.

O que significa que, tendo o A. pago a totalidade da taxa de justiça da sua responsabilidade, o sistema assume que tenha pago apenas metade, imputando-lhe o pagamento da outra metade, que foi o que claramente ocorreu nos presentes autos.

Neste sentido, e em termos técnicos, a conta não foi incorrectamente elaborada pelo Exmº Sr. Escrivão da secção que se limitou a cumprir escrupulosamente a elaboração da conta, tendo introduzido correctamente todos os dados os quais foram processados pelo respectivo programa informático.

É o sistema informático que assume o pagamento da taxa de justiça pelo A. como sendo a taxa de justiça do processo e o divide, imputando automaticamente metade na esfera da Ré que, em boa verdade, nada pagou.

Mas, em última análise, o sistema informático não pode ser directamente responsabilizado uma vez que ele fora criado para seguir a lei.

Assim, em nosso modesto entendimento, o problema reside com a lei.

Afigur[a]-se-nos óbvio e de elementar bom senso que a norma em apreço, e em especial, o parágrafo 3° do nº 4 do exórdio do DL nº 324/2003, é manifestamente injusto e mesmo, em nosso modesto entendimento e salvo o devido respeito, imoral.

Com a preocupação de simplificar ao máximo o processamento das custas de modo a, como se diz no próprio exórdio, tomar mais acessível ‘a matéria de custas judiciais (que) está actualmente regulada de forma complexa, sendo reconhecida a sua difícil acessibilidade à generalidade dos cidadãos, bem como grande maioria dos operadores judiciais, com evidentes prejuízos para todos os interessados’[2], o legislador acabou por criar, ao arrepio dos mais elementares princípios de justiça, boa fé e bom senso, um sistema profundamente injusto, apto a criar desigualdades no tratamento das partes processuais.

É certo que o artº 8° do Código Civil diz que ‘o dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo’[3]

No entanto, apesar de, em nosso modesto entendimento, a supra citada norma ser de questionável conformidade com a Constituição da República Portuguesa (CRP), a qual ainda é a lei máxima do País e, portanto, prevalece sobre as restantes (artºs 204° e 277° do CRP) ela não traduz a plenitude da ciência jurídica ou seja, do Direito.

E, assim, conforme refere Menezes Cordeiro[4] ‘o controlo, com referência a critérios superiores, das normas legisladas, imperfeitas porque humanas, é tão velho como o Direito. (…) A lei não se confunde com o Direito. Uma dogmática jurídica, radicada na cultura que a suporte e na segurança das convicções científicas dos juristas que a sirvam, coloca, entre a fonte e a solução do caso concreto, um percurso que nenhuma lei pode dispensar e que o legislador não pode corromper. Reside aqui, o «Direito natural» dos finais do nosso século: suprindo a inactividade legislativa, harmonizando as soluções desavindas ou disfuncionais dentro do espaço jurídico, complementando as mensagens apenas esboçadas pelo legislador e limando, no concreto, as saídas injustas, inconvenientes ou paradoxais, a Ciência do Direito afirma-se (…) o motor fundamental de qualquer evolução jurídica.’

Ora, aplicando a ciência de direito em toda a sua plenitude, e considerando os princípios consagrados na mais alta lei na Nação, constata-se, em nosso modesto entendimento, que os princípios orientadores do novo CCJ, nos quais assentam o sistema informático, que produziu as contas de fls.77 a 79, são, para além de injustos e imorais, manifestamente inconstitucionais, porquanto violam um dos mais básicos e essenciais princípios do nosso direito: o princípio da igualdade, plasmado no artº 13° da CRP.

Se o A. já pagou ‘à cabeça’ a taxa de justiça que é de sua responsabilidade porque motivo é responsabilizado por uma dívida da outra parte que nada pagou, acabando, desta forma por ser tratado de forma igual perante uma situação desigual.

Ou se preferirem, o A, é tratado de forma desigual em relação à Ré quando não há motivos objectivos ou sequer legais que permitam essa distinção.

Porque motivo deve a Ré pagar menos do que o A. se as custas são suportadas em partes iguais?

Aonde está a igualdade das custas conforme acordado e homologado por sentença?

Repare-se que o sistema de cálculo da taxa de justiça da responsabilidade das partes processuais do novo CCJ, ao fim e ao cabo, permite a violação da sentença homologatória pois não respeita o que ficou decidido: custas em partes iguais.

Pelo que se nos afigure que o sistema em si mesmo é duplamente ilegal, porquanto acaba por violar outras normas jurídicas, para além das constitucionais.

E ao transferir o ónus de recuperar as custas de parte entenda-se a taxa de justiça que era da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT