Acórdão nº 529/06 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Vitor Gomes
Data da Resolução27 de Setembro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 529/2006

Processo nº 433/06

  1. Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

(Conselheiro Gil Galvão)

Acordam, na 3ª Secção, do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal do Trabalho de Bragança, foi indeferido, por decisão de 17 de Fevereiro de 2006, o requerimento apresentado pela Companhia de Seguros A., SA, para remição obrigatória da pensão que, na sequência de um acidente de trabalho ocorrido em 11 de Janeiro de 1983, do qual resultou a morte de B., foi atribuída a C., viúva do sinistrado, por sentença homologatória de 18 de Maio de 1983. Para o efeito, o tribunal, “considerando que a beneficiária nestes autos declarou não aceitar a remição da sua pensão”, recusou a aplicação, por inconstitucionalidade, da “norma resultante do art. 56° n.° 1 al. a) do D.L. 143/99 de 30/4, quando interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é independentemente da vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores a 30% ou por morte”. A decisão, após considerar que estavam “reunidos os pressupostos necessários à remição obrigatória da pensão” e de ter analisado a jurisprudência constitucional, transcrevendo, para o efeito, passagens do Acórdão n.º 56/2005, concluiu assim:

    “[...] Conclui-se, pois, que a interpretação do art. 56º nº 1 al. a) do D.L. 143/99 de 30/4 no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é independentemente da vontade do titular, de pensões vitalícias atribuídas por morte aos beneficiários legais do sinistrado falecido, defendida pela seguradora responsável e pela Digna Procuradora da República, põe em causa o princípio constitucional do direito à justa reparação por acidente de trabalho ou doença profissional estabelecido no art. 59° n° 1 al. f) da Constituição, na medida em que impõe uma limitação ao direito do beneficiário-pensionista poder optar, ou pela remição, ou, antes, pelo recebimento da sua pensão sob a forma de renda anual. [...]”

  2. Desta decisão foi interposto, “ao abrigo do disposto no art.º 70° n.º 1 al.ª a) da Lei n.º 28/82 de 15/11”, recurso obrigatório pelo Ministério Público, para apreciação da “norma resultante do art.º 56 n.º1. a), do DL 143/99 de 30/4, «quando interpretada por forma a impor a remição obrigatória total, isto é independentemente da vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores a 30% ou por morte»”.

  3. Notificado para o efeito, o Ministério Público apresentou alegações, nas quais, após constatar que, “sendo a pensão devida desde 1974, [nos] parece manifesto que a dirimição do caso teria necessariamente de passar pela aplicação do regime transitório plasmado no artigo 74º do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, que define precisamente as condições de remição de pensões anteriores à vigência do actual regime”, mas que “não cabe, porém, nos poderes do Tribunal Constitucional, no âmbito do presente recurso, sindicar a determinação das normas de direito infraconstitucional, tidas por aplicáveis pelas instâncias – pelo que cabe naturalmente apreciar apenas a questão suscitada quanto à norma tida por aplicável pela decisão recorrida e que foi objecto de um juízo de inconstitucionalidade material”, concluiu nos seguintes termos:

    “[...] 1 – Face à firme corrente jurisprudencial, formada na esteira do decidido no acórdão nº 56/05, não se conforma com o princípio constitucional da justa reparação dos danos emergentes de acidentes laborais, estabelecido no artigo 59º, nº 1, alínea f) da Constituição da República Portuguesa o regime que se traduz em impor ao trabalhador/sinistrado ou, no caso de morte, ao familiar/beneficiário – contra a sua vontade expressa no processo – a obrigatória remição das pensões vitalícias que – independentemente do seu montante pecuniário – visam compensar graus elevados – superiores a 30% - de incapacidade laboral.

    2 – Tal entendimento tanto se justifica quanto às pensões fixadas anteriormente à vigência do Decreto-Lei nº 143/99 (previstas no artigo 74º), como às pensões decorrentes de acidentes já ocorridos após vigorar este diploma legal, cuja remição obrigatória está prevista e regulada no artigo 56º.

    3 – Não viola o princípio da igualdade a circunstância de – em consequência da remição da pensão – certos trabalhadores ou beneficiários receberem um capital indemnizatório, que passam a administrar livremente, enquanto os restantes continuam a receber uma indemnização expressa em pensão ou renda vitalícia, não objecto de remição.

    4 – Porém, a norma constante do artigo 56º, nº 1, alínea a) do Decreto--Lei nº 143/99, ao impor, independentemente da vontade do trabalhador ou beneficiário, a remição obrigatória total de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores a 30%, ou por morte do sinistrado, ofende o princípio constitucional da justa reparação de danos causados por acidentes laborais.

    5 – Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.”

    A recorrida não alegou.

  4. Discutido o memorando apresentado pelo relator inicial, de que resultou mudança de relator, cumpre formular a decisão do Tribunal.

    II – Fundamentação.

  5. Importa começar por delimitar mais precisamente o objecto do recurso, tendo em conta, (i) que se trata de uma pensão atribuída ao cônjuge do sinistrado por acidente de que resultou a morte do trabalhador e não por incapacidade superior a 30% , (ii) e, a circunstância de estar em causa a recusa de aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 143/99 a acidentes ocorridos e a pensões fixadas anteriormente à sua entrada em vigor (em 1983, no caso presente).

    Efectivamente, embora este seja o preceito que tem de ser tomado como suporte legal da norma questionada, por não caber ao Tribunal Constitucional interferir na escolha do direito ordinário aplicável, não podem deixar de ter-se em conta, no recurso de fiscalização concreta, os elementos da dimensão normativa efectivamente aplicada que tenham repercussão na análise da questão de constitucionalidade. Aliás, embora na parte final tenha extraído somente da alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 143/99 a norma cuja aplicação recusou, a sentença recorrida começara a análise oficiosa da questão de constitucionalidade pela afirmação de que “também no caso de pensões vitalícias por morte devidas a beneficiários legais as normas dos artigos 56.º n.º1 al. a) e 74.º do D.L. 143/99 de 30/4 estão feridas de inconstitucionalidade por violação do direito à justa reparação por acidentes de trabalho ou doença profissional, quando interpretadas no sentido de imporem a remição obrigatória total dessas pensões vitalícias, independentemente da vontade do pensionista”.

    Assim, o objecto do recurso é a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 143/99, interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões de montante anual inicial não superior a seis vezes a remuneração mínima mensal mais elevada à data da fixação da pensão atribuídas ao cônjuge do trabalhador sinistrado, por acidente de que resultou a morte deste, quando aplicada a pensões fixadas antes da sua entrada em vigor.

  6. Ora, com este recorte, a questão de constitucionalidade agora colocada não se diferencia, em qualquer aspecto essencial, daquela que, tendo por objecto a norma constante do artigo 74.º do Decreto-Lei n.º 143/99, quando o titular da pensão é o cônjuge do sinistrado (ou outro beneficiário legal) foi analisada pelo Tribunal no Acórdão n.º 438/2006, publicado no Diário da República, II Série, de 31 de Agosto.

    Ponderou-se neste acórdão o seguinte:

    “Pelo acórdão n.º 34/2006 (Diário da República, I Série A, de 8 de Fevereiro de 2006), foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da "norma constante do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, na redacção emergente do Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22 de Setembro, interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em que estas excedam 30%, por violação do artigo 59º. n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa".

    Não há, manifestamente, coincidência este esta norma e aquela que constitui o objecto do presente recurso.

    Nas alegações que apresentou, o Ministério Público sustentou que valem plenamente para a norma agora em apreciação as razões que ditaram "os sucessivos julgamentos de inconstitucionalidade material" que, como se sabe, levaram à referida declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. Foram as seguintes, como se pode ler no Acórdão n.º 34/2006, por transcrição do Acórdão n.º 56/2005 (Diário da República, II...

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