Acórdão nº 365/06 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Junho de 2006

Data14 Junho 2006
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º365/2006

Processo nº 463/06

  1. Secção

Relator: Conselheiro Gil Galvão

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório

  1. Por decisão da 4ª Vara Criminal da Comarca do Porto foi o ora recorrente, A., condenado a uma pena de quatro anos e nove meses de prisão, pela prática, juntamente com outros, de um crime de tráfico de estupefacientes. Inconformado com esta decisão o arguido recorreu para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 28 de Setembro de 2005, julgou o recurso improcedente.

  2. Ainda inconformado, o arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo, a concluir a respectiva motivação, formulado as seguintes conclusões:

    “1. Existindo, como existem, declarações contraditórias e divergentes dos arguidos, constituindo estas o sustentáculo dos factos tidos por provados com natural relevância e repercussão na pena aplicada, estando as do recorrente alicerçadas com suporte documental bastante, sempre terá de, quanto a ele, mais não seja, prevalecer o princípio in dúbio pro reo.

  3. A plausibilidade da ‘versão’ do recorrente perante os meios de prova produzidos deve levar á sua absolvição. Não é irrelevante. Não tem que ser demonstrada que a convicção do julgador é “impossível”.

  4. É que, o princípio da presunção de inocência, plasmado no art. 32°, n.° 2, da CRPort., constitui um pilar dos direitos fundamentais dos cidadãos (cfr. art. 18°, n.º 1 CRPort.) e surge articulado com o princípio adjectivo / probatório atrás referido.

  5. O no art. 127° CPPenal também tal não afasta,

  6. Porque as “regras da experiência” são vinculantes, quando, como in casu, o aqui recorrente invoca e demonstra factos que manifestamente o favorecem, por afastarem a ilicitude e a culpa.

  7. No nosso ordenamento jurídico, não existe um direito do arguido a mentir,

  8. Mas o legislador entendeu que era inexigível o cumprimento do dever de verdade por sua parte.

  9. Os co-arguidos estão reciprocamente impedidos de ser testemunhas no âmbito dum e mesmo processo — cfr. alínea a), do n.° 1, do art. 133° CPPenal.

  10. A prova que produzem é “por declarações” — cfr. art. 140º e segs., 343° e 345°, todos do CPPenal.

  11. As declarações assim prestadas, maxime as que foram em sede de Julgamento, não podem validamente ser assumidas como meio de prova plena relativamente aos mais co-arguidos,

  12. Servem, apenas e exclusivamente, como um meio de defesa pessoal de quem as presta - cfr. art. 343° n° 2 CPPenal.

  13. Ao o, aliás douto, acórdão decisivamente aceitar e fazer constar, como resulta, que as declarações dos mais co-arguidos contribuíram irresistivelmente para a formação da convicção do Tribunal da culpabilidade do recorrente, verifica-se a nulidade do julgamento, por violação da possibilidade dum cabal e eficaz contraditório (até por dois dos co-arguidos se recusarem a responder a questões que lhes foram dirigidas) — cfr. arts. 61°, alínea c), e 327°, n.° 2, ambos do CPPenal.

  14. O(s) depoimento(s) de co-arguido(s), não sendo, em abstracto, uma prova proibida em Direito Português, é/são no entanto um meio de prova particularmente frágil, que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia e muito menos para sustentar uma condenação.

  15. O Tribunal há de socorrer-se de outros meios de prova que lhe permitam confirmar a credibilidade da(s) declaração/ões do(s) co-arguido(s)

  16. In casu, inexiste, relativamente ao recorrente, concorrência de corroborações periféricas objectivas que demonstrem a verosimilhança da incriminação.

  17. Há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão e erro notório na apreciação da prova - alíneas a), b) e c), do n.° 2, do art. 410º CPPenal.

  18. É de manter, in totum, o em e), g), h), i), J) k), 1), m), n), o), p), u), v), w), x) e y) de factos provados.

  19. E de excluir, no que ao recorrente tange, a materialidade contra si pretensamente apurada e inserta em a), b), c), d), f), q), r) e t) e z) de factos provados.

  20. Os em 18. destas conclusões e o em s) de factos provados devem ser tidos por não provados,

  21. Na ponderada consideração, designadamente, dos documentos a fls. 5, 10, 36 a 40, 62/63, 317 a 401, 637, 650 a 656, 684 (linhas 2, 3 e 6), 1074 (linha 23), 1002 a 1008, 1124, 1255 a 1256, 1257 a 1258, 1268/1269, da documentação relativa aos veículos automóveis que possuiu, das suas declarações e da prova testemunhal de [...], que se acham transcritas.

  22. O acórdão recorrido não se pronuncia sobre a questionada inexistência de prova sobre o, in fine, da alínea a) de factos provados (“...como já tinha acontecido anteriormente, embora em quantidades não apuradas”).

  23. Para além de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, há erro notório na apreciação da prova e a nulidade - cfr. alíneas a) e c), do art. 410º e alínea c), do n.° 1, do art. 379°, ambos do CPPenal — e violação dos arts. 97º n.° 4 CPPenal e 205° n.° 1 CRPort.

  24. Apesar do art. 21°, n.° 1, do DL n.° 15/93 abranger a mera detenção precária, essa representação tem de ser dolosa, no sentido de ter havido representação de o agente traficar droga e assumir essa mesma intenção — o que não era, nem nunca foi, o caso do recorrente.

  25. Este art. 21° tem de ser interpretado restritivamente, porque se há casos em que a posse é para consumo ou tráfico, outros há em que a posse nada tem a ver com a disseminação das drogas.

  26. A conduta do recorrente não é punível por falta de culpa, sem a qual não há crime e este não tinha, na sua consciência, a ilicitude do acto

  27. A detenção era precária, transitória, exercida “a non domino”, no desconhecimento do que resultou acontecer.

  28. O recorrente não assumiu qualquer papel de primeiro plano e não dominava a acção. Foi mero interveniente secundário ou acidental (auxiliator simplex ou causam non dans): mesmo que não interviesse o crime teria lugar - porventura em circunstâncias algo distintas.

  29. Não tendo agido dolosamente, a “cumplicidade” não é punível - cfr. n.° 1, do art. 27° CPenal.

  30. O recorrente não pode ser considerado autor (co-autor).

  31. Mas, se assim fosse, nunca poderia responder pela actividade do grupo anteriormente ao seu envolvimento, face ao que, em sede de doseamento concreto da pena, sempre haveria que valorar devidamente e em seu benefício, a diferença quantitativa de actuações por reporte aos demais

  32. E face ao nas alíneas x) e y) de factos provados, o lapso temporal já decorrido e a conduta do recorrente em todos os actos judiciais e na sociedade, conforme á Lei e ao Direito, de per si, deveriam ter dado azo e serem consideradas em ordem a que sempre beneficiasse de atenuação especial da pena,

  33. Pelo que foi violado o art...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT