Acórdão nº 313/06 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Maio de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução17 de Maio de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 313/2006

Processo n.º 565/05

  1. Secção

    Relatora: Conselheira Maria Helena Brito

    Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

    I

    1. A., Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal Administrativo, interpôs, em 9 de Março de 2000, junto do Tribunal Central Administrativo, recurso contencioso de anulação de um despacho do Secretário de Estado do Orçamento de 10 de Janeiro de 2000, pedindo que fosse ordenado “o processamento e liquidação, a favor do recorrente, dos vencimentos e abonos como juiz conselheiro, correspondentes ao biénio 1991/1992, em conformidade com o estabelecido ao tempo no Estatuto dos Magistrados Judiciais, designadamente no seu artigo 23º e no mapa anexo para onde esta norma remete (um e outro na redacção dada pela Lei 2/90), e […], bem assim, o pagamento das diferenças em relação ao que efectivamente lhe foi processado, liquidado e pago, acrescidas dos respectivos juros, bem como da correcção monetária de harmonia com a inflação” (fls. 2 e seguintes do processo apenso).

      Por acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 15 de Março de 2001, foi o recurso contencioso julgado procedente e, em consequência, anulado o acto recorrido, nos seguintes termos (fls. 110 e seguintes):

      “[…]

      Finalmente, e no que respeita ao mérito da pretensão formulada pelo ora recorrente ao Sr. SEO, afigura-se-nos ser patente a invocada inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, do n.º 2 do art° 1º, em conjugação com a norma do n.º 1 desse mesmo artigo, da Lei n.º 63/90, de 26/12, ao eliminarem, sem fundamento material suficiente, as diferenciações remuneratórias entre as diferentes categorias das magistraturas, não sendo possível descortinar quaisquer razões susceptíveis de alterar o entendimento que quer o Venerando STA, quer o Tribunal Constitucional, têm vindo a tomar sobre esta matéria (cfr. a vária jurisprudência citada nos autos).

      […].”.

    2. Em 20 de Setembro de 2001, A. requereu, junto do Tribunal Central Administrativo, a execução do referido acórdão do mesmo Tribunal, de 15 de Março de 2001, transitado em julgado em 29 de Março de 2001 (fls. 2 e seguinte).

      Por acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 28 de Fevereiro de 2002, julgou-se não verificada a existência de causa legítima de inexecução do acórdão exequendo, nos seguintes termos (fls. 23 e seguintes):

      “[…]

      Compulsados os autos verifica-se que a Administração não executou espontaneamente o supra referido Acórdão deste Tribunal e que apresentado o requerimento referido em B) não invocou causa legítima de inexecução nem executou o julgado no prazo de sessenta dias referido no artº 6°/1, do DL n.º 256-A/77, de 17/6 (cfr., também e a propósito da execução espontânea, o seu artº 5°/1).

      Estabelece-se no n.º 2 daquele artº 6° que: «Só constituem causa legítima de inexecução a impossibilidade e o grave prejuízo para o interesse público no cumprimento da sentença».

      E no seu n.º 5 que: «Quando a execução da sentença consistir no pagamento de quantia certa, não é invocável causa legítima de inexecução».

      Ora, verificando-se a previsão deste último preceito legal, como bem referem o Digno Ministério Público e o exequente, afigura-se-nos evidente a inexistência de causa que legitime a inexecução do supra referido Acórdão deste TCA.

      […].”.

    3. Subsequentemente, o Secretário de Estado do Orçamento veio informar “que já se encontra liquidada a quantia exequenda, conforme respectiva guia de pagamento que se junta”, requerendo a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (fls. 31).

      A este requerimento opôs-se A. (fls. 34 e seguinte), que ainda respondeu, nos termos do n.º 1 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, sobre os actos e operações em que a execução deveria consistir e o prazo necessário para a sua prática (fls. 41 e seguintes).

      Sobre estes actos e operações também se pronunciou o Secretário de Estado do Orçamento (fls. 65 e seguintes).

      O Ministério Público emitiu parecer no sentido de que “a única operação que falta para integral execução do julgado é o cálculo dos juros […]” (fls. 84).

      Por acórdão de 18 de Junho de 2003, o Tribunal Central Administrativo definiu os actos e as operações em que a execução do acórdão anulatório de 15 de Março de 2001 deveria consistir, bem como o prazo da sua realização, nos seguintes termos (fls. 90 e seguintes):

      “[…]

      A autoridade executada entendeu não serem devidas quaisquer diferenças de abonos relativos ao ano de 1991 e deixa a questão de saber se serão devidos juros moratórios sobre as quantias a que o exequente terá direito em execução do Acórdão de 15/3/2001, ao critério de justiça dos julgadores.

      A quantia efectivamente liquidada reporta-se à diferença de abonos do ano de 1992 e resultou do «cumprimento do disposto no n.º 3 do artº 1° da Lei 63/90, de 26 de Dezembro, nos termos da alínea f) do artº 78° da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril» (cfr. fls. 64).

      O mesmo entendimento conduziu a que relativamente ao ano de 1991 nada houvesse a liquidar, por o vencimento ilíquido auferido pelo exequente ter sido superior em mais de 3% ao vencimento dos desembargadores com mais de cinco anos de serviço.

      Entendemos que não pode ser assim, por não ter existido qualquer acto legislativo que tenha retroagido os efeitos da aplicação do disposto no artº 1° da Lei n.º 19/93, de 25/6 – que introduziu um n.º 3 ao artº 1° da Lei n.º 63/90, de 26/12 –, a 1 de Janeiro de 1991, sendo certo que por força do disposto no artº 1°/1, do DL n.º 339/93, de 30/9, tais efeitos foram reportados apenas a 1 de Janeiro de 1993, o que não abrange a situação exequente, pois que só estão em causa os abonos dos anos de 1991 e de 1992.

      É irrelevante que a AR tenha autorizado o Governo através do Ministro das Finanças, que terá a faculdade de delegar, a proceder à alegada regularização de responsabilidades do passado, mediante acto administrativo que tenha a virtualidade jurídica de fazer retroagir o disposto no artº 1° da Lei n.º 19/93, de 25/6, a 1 de Janeiro de 1991, pois que tal viola grosseiramente o disposto no artº 112º/6 da CRP, segundo o qual está vedado aos actos não legislativos o poder de modificar, com eficácia externa, as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais, como é manifestamente o caso.

      Acresce que ainda que assim não se entendesse e como bem refere o exequente, não há notícia nos autos que o Sr. MF ou executado tenham praticado o aludido acto administrativo a determinar a aplicação retroactiva do disposto no artº 1º daquela Lei n.º 19/93, com efeitos reportados a 1/1/91 – cfr. fls. 77 e 82 –, pelo que o referido entendimento carece de suporte jurídico.

      Assim sendo, a execução do Acórdão de 15/3/2001 terá que ser efectuada nos precisos termos do projecto de execução apresentado pelo exequente, a fls. 41 a 45, para cuja fundamentação se remete.

      Ou seja, o exequente tem direito a receber as seguintes quantias:

      I - A título de diferenças de abonos:

      Ano de 1991 – 77.000$00 (€ 384,07)

      Ano de 1992 – 1.587.600$00 (€ 7.918,92)

      Sobre tais quantias incidem as deduções legais para IRS, CGA e ADSE.

      II - São devidos juros de mora, nos termos gerais de direito, às sucessivas taxas legais, contados em relação a cada mensalidade ou subsídio, desde a data em que foi depositado o respectivo abono incompleto até ao momento em que vierem a ser efectivamente pagas essas diferenças (cfr. artºs 804°, 805°/2 e 806°, do CCivil).

      Para este efeito, ter-se-á em atenção as datas do crédito em conta bancária dos abonos, as quais se mostram referidas a fls. 45, n.º 16, bem como os sucessivos valores das taxas de juro aplicáveis, que se encontram discriminadas a fls. 43, n.º 8.

      III - Relativamente à quantia já liquidada referente à diferença de abonos do ano de 1992, supra referida em E), a mesma será, nos termos do artº 785° do CCivil, imputada primeiro por conta dos juros moratórios devidos, sendo apenas devido IRS à taxa de 15%, conforme referido pelo exequente a fls. 77.

      Não sendo devidos, a tal título, descontos para a CGA, para a ADSE, nem IRS à taxa liquidada de 31,5%, competirá à autoridade executada proceder à regularização da situação perante os referidos serviços.

      IV - Fixa-se o prazo de 15 dias para a concretização dos actos e operações de execução supra referidos.

      […].”.

    4. Deste acórdão interpôs o Secretário de Estado do Orçamento recurso jurisdicional para o Supremo Tribunal Administrativo (fls. 101).

      Nas alegações respectivas (fls. 122 e seguintes) concluiu, entre o mais, que “na data da prática do acto anulado, o despacho do Secretário de Estado do Orçamento de 10 de Janeiro de 2000, a Lei n.º 2/90, de 20/01 não se encontrava em vigor, pelo que não poderia ser aplicada pelo Tribunal a quo”, bem como que “a reconstituição da situação actual hipotética que existiria em 10/01/2000 da situação remuneratória do agravado só poderia ser disciplinada pelo disposto na Lei n.º 63/90, de 26/12, com a redacção dada pela Lei n.º 19/93, de 25/06, aplicável às remunerações de 1991 e 1992, por força da alínea f) do artigo 78º da Lei n.º 3-B/2000, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2000”.

      A. contra-alegou (fls. 138 e seguintes), tendo concluído do seguinte modo:

      “1ª. Se entendia que com o pagamento realizado em 22-02-2002 ficava executado o douto Acórdão de 15-03-2001, a ora agravante não se podia ter conformado com o douto Acórdão de 28-02-2002: tendo-o deixado transitar em julgado, ficou assente que nessa data de 28-02-2002 o douto Acórdão de 15-03-2001 ainda não se encontrava executado, como resulta do disposto no artigo 663°, n.º 1, do CPC.

  2. O artigo 78°, alínea f), da Lei n.º 3-B/2000 não contém uma disposição directa nem uma autorização legislativa ao Governo: limita-se a autorizar o Ministro das Finanças a praticar actos administrativos (porventura precedidos de regulamento administrativo, nunca emitido) para «regularizar» situações de responsabilidade civil do Estado já (ou ainda não) definidas em sentenças judiciais.

  3. Esses actos regulamentares e/ou...

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