Acórdão nº 175/06 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução08 de Março de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 175/2006[1]

Processo nº 414/05

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 78-Aº da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da Decisão Sumária proferida pelo relator que julgou não tomar conhecimento do recurso interposto para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 11 de Janeiro de 2005, completado pelo acórdão posterior que indeferiu o pedido da sua aclaração, acórdão aquele que negou a revista pedida no recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 18 de Março de 2004.

2 – A decisão sumária, ora reclamada, é do seguinte teor:

«1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 11 de Janeiro de 2005, completado pela decisão posterior que indeferiu o pedido da sua aclaração, acórdão aquele que negou a revista pedida no recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 18 de Março de 2004.

2 – O ora recorrente interpôs ao abrigo do disposto no art. 369º do Código Administrativo, acção declarativa, com processo ordinário, contra o Estado Português, pedindo a sua condenação a pagar ao Município de Abrantes, a título de indemnização por perdas e danos, a quantia de 10.800.000.000$00, acrescida dos juros que se vencerem, à taxa legal de 15% ao ano, desde a citação até integral pagamento ou, subsidiariamente, apenas para a hipótese de improcedência do pedido principal, a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia de 2.700.000.000$00, acrescida de juros calculados sobre esse montante, à taxa legal de 15% ao ano, desde 20 de Dezembro de 1993 até integral pagamento.

Como causa de pedir alegou, em síntese, que, por força da isenção da sisa devida pela constituição, por escritura de 24/11/1993, de um direito de superfície sobre dois prédios urbanos por banda da B., S.A., em favor da C, S.A., que foi concedida por despacho do Sudirector-Geral das Contribuições e Impostos, o Município de Abrantes deixou de receber a quantia de 2 700.000.000$00. Todavia, por força do disposto no art. 7º, n.º 7, da Lei das Finanças Locais, n.º 1/87, de 6 de Janeiro, as isenções e reduções de sisa “que venham a ser concedidas” e que não sejam determinadas ipso jure pela lei vigente, categoria na qual se inclui a concedida, dão lugar à compensação em favor do respectivo município.

Todavia, não obstante, a concessão dessa compensação tivesse sido objecto de discussão a quando da apreciação do Orçamento para o ano de 1994, o certo é que a mesma veio a ser omitida na Lei que o aprovou – a Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro.

Deste modo, “a rejeição da inscrição da verba correspondente no Orçamento Geral do Estado para 1994 teve como consequência a produção, por parte da Assembleia da República, de uma lei que, por omissão, violou frontalmente o direito do referido Município e infringiu o princípio constitucional da autonomia financeira das autarquias locais”, causando ao Município de Abrantes um prejuízo de 2. 700.000.000$00, a título de dano emergente, e um dano global no valor de 10 800.000.000$00, tendo em conta os investimentos que poderia fazer, em regime de comparticipação com o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e o Estado, com aquela quantia.

3 – A acção foi julgada improcedente e o Estado absolvido do pedido, por se haver considerado que a norma do art. 7º, n.º 7, da Lei nº 1/87 fora tacitamente revogada.

4 – Desta sentença, o Autor interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que negou provimento à apelação, com base, em resumo, nas seguintes considerações que aqui se deixam transcritas, por haverem sido assumidas, por inteiro, pelo acórdão recorrido, do STJ:

1. Da responsabilidade civil

Pretende o Apelante seja o Estado condenado no pagamento de uma indemnização em virtude de a Assembleia da República, na discussão na especialidade da proposta de Lei do Orçamento Geral do Estado para o ano de 1994, ter rejeitado duas propostas que visavam a introdução de um artigo no sentido de atribuir uma compensação ao Município de Abrantes relativa à isenção do imposto de sisa que seria devido pela constituição, a favor da sociedade C., S.A., de um direito de superfície sobre dois prédios urbanos situados naquele Município. Consequentemente, por omissão, tal verba não foi inscrita no Orçamento Geral para o ano de 1994, assim lesando a Autarquia.

Comecemos por analisar o instituto da responsabilidade civil.

Como refere Manuel Carneiro da Frada[2] a responsabilidade civil é um instituto jurídico que comunga da tarefa primordial do Direito que consiste na “ordenação e distribuição dos riscos e contingências que afectam a vida dos sujeitos e a sua coexistência social”.

Mas seja qual for o ponto vista sobre o qual se encare este instituto, para o Apelante ver ressarcido o alegado prejuízo do Município, sempre terão de se mostrar reunidos determinados pressupostos da responsabilidade civil, genericamente enunciados pelo art. 483, nº 1, CC, consistindo esta “na obrigação de reparar os danos sofridos por alguém. Trata-se de indemnizar os prejuízos de que esse alguém foi vítima”[3].

Adoptando-se a sistematização avançada por Antunes Varela[4], diga-se que, para existir a responsabilidade civil, necessária se torna a presença de um facto, da ilicitude, da imputação do facto ao lesante, a existência de danos e de um nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Excepcionalmente, e tal como resulta do regime constante dos arts. 499º a 510º, do Código Civil, pode alguém ser responsabilizado, independentemente de culpa: é o caso de responsabilidade objectiva, pelo risco, em determinadas circunstâncias, quando as necessidades sociais de segurança se sobrepõem às considerações de justiça alicerçadas sobre o plano das situações individuais.

A excepcionalidade dos tipos de casos de responsabilidade pelo risco, para além de prescindir da culpa do lesante, não exige, sequer, como pressuposto necessário, a ilicitude da conduta. A responsabilidade pode assentar aqui sobre um facto natural (um acontecimento), um facto de terceiro ou até um facto do próprio lesado.

2. O art. 22º da CRP

Estamos, no entanto, diante de uma situação de características particulares: em causa está a responsabilidade civil do Estado, por actos legislativos.

Dispõe o art. 22º da Constituição da República Portuguesa:

“O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízos para outrem.

Ele abrange, inter alia, a responsabilidade do Estado pelos danos causados aos cidadãos (art. 22º, CRP).

Consagra este dispositivo da nossa Constituição, um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias e, por consequência, é directamente aplicável e pode ser invocado pelos particulares para fazer valer uma pretensão de indemnização contra o Estado legislador: “Corolário do Estado de Direito Democrático, o princípio da responsabilidade do Estado, desenhado nas disposições constitucionais referidas, parece abranger todas as actividades do Estado causadoras de dano, sem excluir as exercidas pelos órgãos políticos, legislativos e jurisdicionais, pelo menos, quando os prejuízos resultem da violação de direitos liberdades e garantias constitucionalmente consagradas” [5].

O princípio da responsabilidade do Estado é um dos princípios estruturantes do Estado de Direito democrático, enquanto elemento do direito geral das pessoas à excepção dos danos causados por outrem.

Citando Vital Moreira e Gomes Canotilho[6], na sua “vertente de Estado de Direito, o princípio do Estado de Direito democrático, mais do que constitutivo de preceitos jurídicos, é sobretudo integrador de um amplo conjunto de regras e princípios dispersos pelo texto constitucional, que densificam a ideia da sujeição do poder a princípios e regras jurídicas”.

O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem[7].

Ou seja, o art. 22º da CRP estatui o princípio da responsabilidade patrimonial directa das entidades públicas por danos causados aos cidadãos. Embora confira dignidade constitucional ao princípio da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas, o art. 22º da Constituição não especifica se os actos que podem dar origem a essa responsabilidade do Estado são apenas os actos de administração ou também actos legislativos e actos judiciais. Assim, deixada à lei ordinária eventual concretização de diferentes tipos dessa responsabilidade e a fixação dos especiais pressupostos de cada um deles, tem-se, no entanto, aceite a aplicação directa e imediata desse preceito em relação a todos os actos supramencionados.

Impõe-se, pois, dilucidar a questão da responsabilidade civil do Estado por factos lícitos – danos resultantes da Função Legislativa.

No domínio da nossa Constituição de 1933, inexistia qualquer princípio idêntico ao consagrado no art. 22º da nossa Lei Fundamental actual.

Opinava, então, a generalidade dos autores, que de uma lei nunca poderia derivar um especial e particular prejuízo dado que tal situação estaria afastada pelo carácter geral da lei – sua essencial característica. Se a lei é por essência uma regra geral e impessoal, nunca pode ser causa de um prejuízo...

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