Acórdão nº 168/06 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução06 de Março de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º168/2006

Processo nº 20/2006.

  1. Secção.

Relator: Conselheiro Bravo Serra.

1. Em 30 de Janeiro de 2006 o relator proferiu a seguinte decisão: –

1. Pelo 3º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa (vindo depois os autos a ser tramitados pelo 2º Juízo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa) intentaram A., S.A., B.. S.A., C., S.A. e D., S.A., contra os Ministro das Finanças, Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Ministro do Trabalho e da Solidariedade e Secretário de Estado da Segurança Social, acção para reconhecimento de um crédito fiscal no montante de Esc. 3.398.652.874$00, que alegaram deterem, pedindo que esse reconhecimento fosse levado a efeito e que tinham as autoras a possibilidade de utilizarem o crédito reconhecendo no pagamento de impostos e outras dívidas de natureza fiscal, onde se incluíam as dívidas à Segurança Social.

Alegaram, em síntese: –

– que as autoras são sociedades pertencentes ao grupo empresarial E. e que, em 1996 e 1997, entregaram dois bens imóveis, cujo valor teria sido avaliado em Esc. 5.511.600.000$00, em dação de pagamento das suas dívidas fiscais;

– que, em Julho de 1997, foi celebrado um acordo, denominado Acordo Global entre o Estado e aquele grupo empresarial, destinado à resolução definitiva e global de todos os diferendos, incluindo dívidas discais e à Segurança Social, que opunham um e outro, tendo, nesse Acordo, aceite o Estado a dação acima referida, não se verificando em nenhum dos momentos de tramitação dos variados processos que culminaram no Acordo a indicação de qualquer crédito fiscal que teria resultado a favor das autoras;

- que, porém, com a entrada em vigor da Lei Geral Tributária, que teria ocorrido antes que estivessem esgotados todos os actos previstos no dito Acordo, e atento o prazo de prescrição das dívidas fiscais que passou nela a ser consagrado, teriam prescrito determinadas dívidas do grupo, pelo que a diferença entre o montante dessas dívidas, o efectivo montante das dívidas fiscais e à Segurança Social e o valor do bens entregues em dação de pagamento, se haveria de considerar como passando a constituir um aumento do crédito de imposto no quantitativo de Esc. 3.398.652.874$00, crédito esse que poderia ser usado em pagamentos futuros de impostos e outras prestações tributárias;

– que, desde a outorga da dação em pagamento que as autoras têm assumido novos débitos fiscais, que têm vindo a cumprir, pretendendo que o respectivo pagamento se efectue por intermédio de compensação com o referido crédito, mas, como este não foi reconhecido, tiveram necessidade de instaurar a acção.

Tendo, por sentença de 3 de Junho de 2004, sido a acção julgada improcedente, com a consequente absolvição dos demandados do pedido, da mesma recorreram as autoras para o Tribunal Central Administrativo Sul.

Na alegação adrede produzida, as autoras formularam as seguintes «conclusões», para o que ora releva: –

‘(…)

12. As insuficiências na análise da matéria de facto têm, neste caso, como consequência directa a deficiente análise da matéria de Direito, redundando a sentença ora recorrida numa efectiva denegação de justiça, defraudando e violando assim a garantia constitucional de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP).

(…)

30. A sentença recorrida, ao interpretar o n.º 9 do art. 284.º do CPT, no sentido de que o despacho que aceita a dação em pagamento com bens de valor superior ao das dívidas fiscais não constitui, ope legis, um crédito a favor do contribuinte, estando esta constituição dependente de uma declaração expressa nesse sentido que deverá constar do próprio despacho, faz uma errada interpretação da letra e do esp[í]rito do preceito, violando o princípio da proibição do enriquecimento sem causa do Estado (art. 437.º, n.º 1 do CC), e violando o princípio da legalidade tributária (art. 103.º, n.º 2 e art. 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP), o que importa uma interpretação da lei contrária à Constituição e uma violação ostensiva do direito fundamental da propriedade privada e da garantia de que ninguém pode ser expropriado sem pagamento de uma justa indemnização (artigo 62.º da Constituição).

(…)

43. Assim, o Meritíssimo Juiz, ao julgar como relevante, para efeitos de valor a considerar na dação em pagamento dos imóveis objecto da mesma, o valor fixado pela ANAM nos termos que resultam dos autos, e não o valor apurado nos termos do art. 284.º, n.º 3 do CPT, [ ] violou frontalmente o expressamente previsto no art.º 284.º, n.º 3 do CPT, bem como o princípio constitucional da legalidade tributária, os princípios da legalidade e da boa-fé a que está subordinada a Administração Pública (art. 266.º, n.º 2 e art. 268.º, n.º 1 e 3 da CRP), e ainda o princípio da proibição do perdão de dívidas tributárias ou concessão de moratórias (art. 36.º da LGT e art. 85.º do CPPT).

(…)

46. Assim, ao julgar que ‘a dação era efectuada em termos globais para a resolução de todos os litígios pendentes entre as partes’, e que a mesma ‘não ficava adstrita a uma exacta verificação da correspondência dos valores dos bens entregues com as dívidas pagas’, o Meritíssimo Juiz a quo violou expressamente o art. 284.º, n.º 9 do CPT, bem como o princípio constitucional da legalidade tributária, a garantia constitucional da propriedade privada e a proibição do enriquecimento sem causa do Estado que lhe está subjacente.

(…)

53. E, ao entender que o crédito constituído a favor do devedor pelo n.º 9 do artigo 284.º do CPT é por este livremente renunciável, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do disposto expressamente no n.º 10 do art. 284.º do CPT, viola o disposto no n.º 1 do art. 401.º conjugado com o art. 289.º n.º 1 do CC, e viola o princípio constitucional da legalidade tributária, da proporcionalidade e da igualdade, bem como o princípio da proibição do enriquecimento sem causa subjacente à protecção constitucional da propriedade privada.

(…)’

O Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão de 8 de Novembro de 2005, negou provimento ao recurso.

No que agora interessa, pode ler-se nesse aresto: –

‘(…)

– À partida cabe referir que o Acordo Global se apresenta como o cerne da questão, atento o desiderato com ele visado ou seja, o da «resolução definitiva e global, por via negocial, de todos os diferendos, incluindo dívidas e acções judiciais, avolumados ao longo de mais de 20 anos» entre as partes que nele outorgaram.

– Ou seja, o que se pretendeu foi acabar com todo o ‘contencioso’, no sentido lato do termo, entre as empresas do Grupo E. e o Estado, enquanto subscritores do referido Acordo Global, pelo que todas as restantes vias procedimentais referenciadas no probatório20 não podem deixar de ser analisadas na perspectiva daquele enquanto, nuclearmente, actos integrativos da eficácia do mesmo, sentido em que, aliás, se crê apontar, v. g., o ponto 10.1 do Acordo de Fecho, ao submeter o esclarecimento de qualquer dúvida na sua interpretação, ao estipulado no Acordo Global, sem embargo de se ter presente a natureza das dívidas para que foram dados em dação os imóveis em causa, à luz do que se estipulou na dita cláusula 3.5 e nas als. a) e b), da cláusula 3.1.

– E é dentro esta linha de entendimento que se considera aquele Acordo Global, no seu todo, – e por consequência no que concerne à cláusula de renúncia –, vincula e confere direitos à D., em situação de paridade com as restantes referidas empresas do Grupo, por força do aditamento operado em 00FEV03 ao despacho conjunto de 00JAN28, e onde, como aliás se dá conta em R). do probatório, foi determinada a inclusão na dação em pagamento das dívidas da D., enquadráveis [n]o espírito do Acordo Global.

– Assim e neste quadro, a referida cláusula mostra-se absolutamente prejudicial relativamente àquelas outras questões levantadas.

– Assim e desde logo, por referência às diligências de avaliação dos referidos bens –, particularmente no que concerne ao F., – tendo em vista a concretização da dação dos mesmos, mostrar-se-á irrelevante qualquer que seja o valor do(s) mesmo(s) a considerar como o devidamente apurado, por tal via e para tal efeito, se se vier a entender que as Recorrentes renunciaram validamente, nos termos consignados na dita cláusula 3.5, já que, então, ainda que para elas resultasse, por princípio, um crédito com o negócio jurídico em questão, – o que apenas se admite antecipada e academicamente, como hipótese de trabalho –, deixar(i)am de ter direito ao mesmo, qualquer que ele fosse.

– E o que se vem de dizer vale, igualmente, para a questão da alegada diminuição do montante das dívidas fiscais, por força do instituto da prescrição, [à], luz do [que] dispôs o art.º 5.º, do Dec-Lei n.º 398/98DEZ17, pois o que, ao que, aqui e agora, nos importa, o que tal, em última análise pode representar é uma diminuição do valor das dívidas a liquidar com a dação em causa, com[ ] inerente incremento do crédito, caso o valor destes fosse, já, superior ao daquelas; Mas se se vier a entender que as recorrentes renunciaram validamente a tal crédito, qualquer que ele pudesse ter sido, é manifesta a redundância da questão de saber qual o valor das dívidas prescritas porque tal não poderá conferir-lhe[s] o direito de que abdicaram.

– Importa, então, debruçarmo-nos sobre a validade ou invalidade da referida cláusula de renúncia.

– E a verdade é que, antecipando desde já o nosso entendimento e mau grado a teses sustentada pelas Recorrentes e, particularmente, as opiniões expressas por ilustres juristas, com quem seria estultícia pretender ombrear, se crê, no entanto, ser absolutamente conforme à lei, a renúncia em questão.

(…)

– De outra banda, não se interpreta, também, o normativo que se diz violado (art.º 284.º do CPT), no sentido de que o eventual pagamento de dívidas fiscais com bens de valor superior ao delas, gere, por força de lei, um crédito a favor do contribuinte que seja impostergável.

Tal preceito legal, disp(õe)unha, textualmente e ao...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT