Acórdão nº 48/06 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Janeiro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Maria João Antunes
Data da Resolução17 de Janeiro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 48/2006

Processo nº 637/04 1ª Secção Relatora: Conselheira Maria João Antunes

Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. Nos presentes autos, em que é recorrente a Herança aberta por óbito de A. e mulher B. e são recorridos C. e D., foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Abril de 2004.

    2. A recorrente intentou acção declarativa de reivindicação contra os recorridos, pedindo a entrega de uma fracção autónoma de prédio urbano, com fundamento na caducidade do contrato de arrendamento para habitação, face à morte da inquilina. Sustentou que sobre a ré C., filha da arrendatária, recaía a obrigação de entregar o locado e que o réu D., filho da empregada doméstica da arrendatária e com esta residente, se mantinha a ocupar o andar em causa desprovido de qualquer título, por não ter direito à transmissão do arrendamento.

      A acção foi julgada improcedente, por sentença de 9 de Outubro de 2002, que reconheceu a transmissão do direito ao arrendamento a favor do réu D., por viver em economia comum com a arrendatária. Inconformada, apelou a autora, sustentando, nomeadamente, que:

      “1 - A al. f) do nº 1 do art. 85º do RAU, interpretada em termos absolutos, não podia deixar de violar gravemente o direito de propriedade dos senhorios.

      2 - Na verdade, o Réu parece pretender que uma qualquer coabitação de uma pessoa estranha ao arrendatário com o mesmo, pelo período de dois anos, permite a transmissão, em caso de morte daquele, do contrato de arrendamento a este.

      3 - Isto, daria azo a que, por exemplo, uma qualquer anciã arrendatária de certa idade pudesse aliciar uma jovem a com ela conviver ou até com ela partilhar as refeições a troco da sua companhia, durante dois anos, ficando logo esta com o direito a vir a ser legal arrendatária pelo resto da sua vida, renegando os direitos dos senhorios proprietários, com uma compressão intolerável.

      4 - Ora a Constituição da República, na al. c) do nº 2 do art. 65º, determina ao Estado, no campo do à habilitação [direito à habitação] o seguinte:

      2. Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado:

      a) .........

      b) .........

      c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada;

      5 - E por sua vez, o nº 1 do art. 62º da mesma Lei Fundamental não pode deixar de ser violada pela al. f) do nº 1 do art. 85º do RAU, na interpretação externa que pretendem retirar da mesma os RR., estendendo o direito a puras coabitações.

      6 - Portanto, a referida norma da al. f) do nº 1 do art. 85º do RAU, na redacção que lhe foi dada pelo art. 6º da Lei nº 6/2001 de 11/05, não pode deixar de violar os comandos do art. 18º, nº 1 do art. 62º e a al. c) do nº 2 do art. 65º todos da Constituição da República (…).

      1. E, pela sentença sub judice julgou-se improcedente a acção e declarou-se o Réu D. com direito à transmissão, sem que se tenha provado a existência de convivência em economia comum.

      2. Nesta decisão, fez-se errada interpretação dos comandos constantes daquela al. f) do nº 1 do art. 85º do RAU, violando o nº 1 do art. 12º do Cód. Civil, uma vez que a lei aplicável não podia deixar de ser a vigente à data do arrendamento, por se estar perante uma relação contratual.

      3. Mesmo que assim não se entendesse, uma lei publicada em 11/05/2001, sem que nele se determine efeitos retroactivos, a qual veio acrescentar a al. f) do nº 1 do art. 85º do RAU, para haver direito à transmissão, exige não só a convivência em economia comum, mas também que ele tenha existido há mais de dois anos, mas estes factos não podem ser do passado.

      4. Ao julgar-se improcedente a acção e atribuir-se o direito ao Réu D. ao arrendamento, aplicando-se a al. f) do nº 1 do art. 85º do RAU, com efeitos retroactivos, uma vez que quando a E. faleceu a lei tinha sido publicada à poucos dias (11/05/2001), pelo que se fez errada interpretação dos comandos do nº 2 do art. 12º do Cód. Civil.

      5. Finalmente, mesmo que assim não seja, os comandos constantes daquela al. f) do nº 1 do art. 85º do RAU, pela redacção dada pelo artigo 6º da lei nº 6/2001, de 11/05, que permite que um contrato de arrendamento se possa transmitir até ao infinito, não deixa de ser inconstitucional.

      6. Assim, o art. 6º da Lei nº 6/2001 a al. f) do nº 1 do art. 85º do RAU, não podem deixar de ofender o direito de propriedade e, além do mais, os artigos 18º e 62º e a al. c) do nº 2 do art. 65º todos da Constituição da república”.

    3. O Tribunal da Relação de Coimbra decidiu julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença apelada. Interposto recurso de revista, alegou a recorrente, para o que agora releva, o seguinte:

      “III - A constitucionalidade da norma constante da al. f) do n.º1 do art. 85º do RAU

      Esta al. f) do nº 1 do art. 85º do RAU, interpretada em termos absolutos, não podia deixar de violar gravemente o direito de propriedade dos senhorios, previsto, além do mais, nos arts. 18º e 62º da Const. da Rep. e art. 17º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão; art. 17º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 1º do Protocolo, nº 1 Adicional à Convenção da Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, por força do art. 8º e 16º da Const. da Rep.

      Na verdade, o Recorrido parece pretender que uma qualquer coabitação de uma pessoa estranha ao arrendatário com o mesmo, pelo período de dois anos, permite a transmissão, em caso de morte daquele, do contrato de arrendamento a este, ou seja sem qualquer manifestação pessoal do proprietário.

      O que não deixava de levar a que, por exemplo, uma qualquer anciã arrendatária de certa idade pudesse aliciar uma jovem a com ela conviver ou até com ela partilhar as refeições a troco da sua companhia, durante dois anos, ficando logo esta com o direito a vir a ser legal arrendatária pelo resto da sua vida, renegando os direitos dos senhorios proprietários, com uma compressão intolerável.

      Pois não se pode esquecer que Constituição da República, na al. c) do nº 2 do art. 65º, determina ao Estado, no campo do à habilitação [direito à habitação] o seguinte:

      2. Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado:

      a) .........

      b) .........

      c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada;

      E por sua vez, o nº 1 daquele art. 62º da mesma Lei Fundamental não pode deixar de ser violada pela al. f) do nº 1do art. 85º do RAU, na interpretação externa que pretendem retirar da mesma o Recorrido, estendendo o direito a puras coabitações.

      Logo, a referida norma da al. f) do nº 1 do art. 85º do RAU, na redacção que lhe foi dada pelo art. 6º da Lei nº 6/2001 de 11/05, não pode deixar de violar os comandos do art. 18º, nº 1 do art. 62º e a al. c) do nº 2 do art. 65º todos da Constituição da República, assim como as normas referidas no primeiro parágrafo (…).

      1. E, pela sentença da 1ª Instancia julgou-se improcedente a acção e declarou-se o Réu D. com direito à transmissão, sem que se tenha provado a existência de uma verdadeira convivência em economia comum, e pelo Acórdão sub judice confirmou-se a mesma.

      2. Em tais decisões, fez-se errada interpretação dos comandos constantes daquela al. f) do nº 1 do art. 85º do RAU, violando o nº 1 do art. 12º do (Cód. Civil, uma vez que a lei aplicável não podia deixar de ser a vigente à data do arrendamento, por se estar perante uma relação jurídica contratual ou locatícia.

      3. Mesmo que assim não se entendesse, uma lei publicada em 11/05/2001, sem que nele se determine efeitos retroactivos, a qual veio acrescentar a al. f) do nº 1 do art. 85º do RAU, para haver direito à transmissão, exige não só uma verdadeira convivência em economia comum, mas também que ele tenha existido há mais de dois anos.

        o) Os factos que ofereçam respaldo a esta previsão, não podem ser do passado, ou seja os mesmos tinham de se consubstanciar na vigência da Lei nº 6/2001 de 11/05, sob pena de retroactividade desta norma.

      4. Ao julgar-se improcedente a acção e confirmou-se a mesma pelo Acórdão sub judice atribuindo-se o direito ao Recorrido D. ao arrendamento, por aplicação da al. f) do nº 1 do art. 85º do RAU, declaram-se efeitos retroactivos a esta, uma vez que quando a E. faleceu a lei tinha sido publicada à poucos dias (11/05/2001), pelo que se fez incorrecta interpretação dos comandos do nº 2 do art. 12º do Cód. Civil conjugados com aquela al. f).

      5. Finalmente, mesmo que assim não seja, os comandos constantes daquela al. f) do nº 1 do art. 85º do RAU, pela redacção dada pelo artigo 6º da Lei nº 6/2001, de 11/05, que permite que um contrato de arrendamento se possa transmitir até ao infinito, não deixa de ser inconstitucional.

      6. Assim, o art. 6º da Lei nº 6/2001 a al. f) do nº 1 do art. 85º do RAU, (não podem deixar de ofender o direito de propriedade e, além do mais, os artigos 18º e 62º e a al. c) do nº 2 do art, 65º todos da Constituição da República e art. 17º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão; art. 17º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 1º do Protocolo, nº 1...

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