Acórdão nº 13/06 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Janeiro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução06 de Janeiro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 13/06

Processo n.º 388/05

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da decisão proferida pelo relator, no Tribunal Constitucional, que julgou não tomar conhecimento do recurso de fiscalização de constitucionalidade interposto pelo reclamante do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Dezembro de 2004, completado pelo acórdão do mesmo Supremo, de 15 de Março de 2005, acórdão aquele que negou provimento ao recurso de agravo que interpusera de acórdão da Relação de Lisboa, o qual, por seu lado, negara, também, provimento ao recurso de agravo interposto de decisão da 1ª instância, que julgou improcedentes os embargos deduzidos contra sentença que decretara a sua falência.

2 – No recurso interposto para o Tribunal Constitucional, o ora reclamante pretende a apreciação da constitucionalidade “das normas do art.º 3º e n.º 2 do art.º 27º, conjugadas com a norma do art.º 129º, todas do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril, na interpretação com que foram aplicadas no acórdão recorrido”, em que “foi entendimento do Supremo Tribunal de Justiça que a qualidade do devedor, enquanto pessoa singular, não releva à estatuição da declaração de falência, sendo-lhe aplicável o regime e a tramitação aplicáveis à pessoa colectiva” e na interpretação segundo a qual, “incumbia ao devedor, na oposição mediante embargos, fazer prova em concreto do valor do activo que alegou naquele articulado, entendendo-se dispensável a necessidade do juiz a quo realizar ou ordenar oficiosamente a realização de todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição dos litígio quanto aos factos alegados”.

3 – A decisão sumária, reclamada, tem o seguinte teor:

«1 – A. recorre, para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Dezembro de 2004, completado pelo acórdão de 15 de Março de 2005, que lhe indeferiu o pedido de reforma daquele acórdão, acórdão esse que negou provimento ao recurso de agravo que interpusera de acórdão da Relação de Lisboa, o qual, por seu lado, negara, também, provimento ao recurso de agravo interposto de decisão da 1ª instância, que julgou improcedentes os embargos deduzidos contra sentença que decretara a sua falência, pretendendo a apreciação da constitucionalidade “das normas do art. 3º e n.º 2 do art. 27º, conjugadas com a norma do art. 129º, todas do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril, na interpretação com que foram aplicadas no acórdão recorrido” em que “foi entendimento do Supremo Tribunal de Justiça que a qualidade do devedor, enquanto pessoa singular, não releva à estatuição da declaração de falência, sendo-lhe aplicável o regime e a tramitação aplicáveis à pessoa colectiva” e na interpretação segundo a qual, “incumbia ao devedor, na oposição mediante embargos, fazer prova em concreto do valor do activo que alegou naquele articulado, entendendo-se dispensável a necessidade do juiz a quo realizar ou ordenar oficiosamente a realização de todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição dos litígios quanto aos factos alegados”.

2 – Porque se configura uma situação processual subsumível à hipótese que se encontra recortada no n.º 1 do art. 78º-A da LTC passa a decidir-se imediatamente.

3 – Estabelecem os art.ºs 280º, n.º 1, alínea b), da CRP e 70º, n.º 1, alínea b), da LTC que cabe recurso, para o Tribunal Constitucional, de decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.

Segundo a jurisprudência constante e uniforme deste Tribunal, constituem pressupostos específicos do recurso interposto ao abrigo destes preceitos que a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie tenha constituído a ratio decidendi da decisão, ou o fundamento normativo do seu próprio conteúdo, nisso se traduzindo a aplicação em concreto da norma, e que a questão de inconstitucionalidade tenha sido suscitada, em tempo e por modo funcionalmente adequado, para que o tribunal recorrido pudesse conhecer dela.

A exigência daquele requisito encontra a sua razão de ser na própria natureza da função jurisdicional (aqui constitucional), dado que lhe cumpre apenas conhecer e decidir de controvérsias concretas e não de situações apenas académicas: se a norma cuja validade constitucional se questiona não serviu de fundamento à decisão, nunca a pronúncia sobre a sua eventual inconstitucionalidade poderia ter quaisquer reflexos jurídicos sobre a decisão, permanecendo-lhe estranha.

Cabe, por outro lado, acentuar, que o objecto desse recurso constitucional só pode ser constituído por normas jurídicas que tenham constituído ratio decidendi da decisão (cf., por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/96, publicado no DR II Série, de 15 de Maio de 1996, e J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 1998, p. 821). O recurso de constitucionalidade, tal como foi gizado pelo legislador constitucional – com natureza instrumental e relativamente a normas jurídicas - tem em vista o controlo da conformidade com a Constituição (as normas e princípios constitucionais) das normas jurídicas que tenham sido convocadas como suporte normativo da concreta decisão proferida.

Sendo assim, estão arredados do objecto do recurso os outros actos admitidos na ordem jurídica, embora estes façam aplicação directa das normas e princípios constitucionais, como acontece com as decisões judiciais (sentenças e despachos), os actos administrativos e os actos políticos.

Deste modo, não pode, no recurso de constitucionalidade, sindicar-se a correcção jurídica da sentença, no que concerne à aplicação que a mesma faça, directamente, das normas de direito infraconstitucional e das normas e princípios constitucionais. A violação directa das normas e princípios constitucionais pela decisão judicial, atenta a circunstância de não vigorar, entre nós, o meio constitucional do recurso de amparo, apenas pode ser conhecida no plano dos recursos de instância previstos na respectiva ordem de tribunais.

Já relativamente ao ónus de suscitação, a questão tem que ver com o sistema de fiscalização concreta de constitucionalidade das normas que a nossa Lei Fundamental adoptou, de controlo difuso por via do recurso (cf. Cardoso da Costa, “A jurisdição constitucional em Portugal”, in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, I, 1984, pp. 210 e ss.).

Torna-se, pois, necessário que a questão de inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo. A suscitação, durante o processo, tem sido entendida, de forma reiterada pelo Tribunal, como sendo a efectuada em momento funcionalmente adequado, ou seja, em que o tribunal recorrido pudesse dela conhecer por não estar esgotado o seu poder jurisdicional (cf., entre outros, os acórdãos, n.º 496/99, publicado no Diário da República II Série, de 17 de Julho de 1996, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º vol., p. 663; n.º 374/00, publicado no Diário da República II Série, de 13 de Julho de 2000, Boletim do Ministério da Justiça – BMJ – 499º, p. 77, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 47º vol., p. 713; n.º 674/99, publicado no Diário da República II Série, de 25 de Fevereiro de 2000, BMJ 492º, p. 62, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 45º vol., p. 559; n.º 155/00, publicado no Diário da República II Série, de 9 de Outubro de 2000).

Mas, por outro lado, o ónus de suscitação da constitucionalidade, durante o processo, tem ainda uma outra vertente. É que a questão de constitucionalidade da norma cuja apreciação se requer ao Tribunal Constitucional por via do recurso tem de ser colocada ao tribunal recorrido em termos de este saber que tem de apreciar e decidir essa concreta questão de constitucionalidade, o que implica, que a questão seja colocada ao tribunal recorrido, em termos perceptíveis (cf., acórdão n.º 178/95, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., p. 1118). A este respeito, escreveu-se no acórdão n.º 560/94 (publicado no Diário da República II Série, de 10 de Janeiro de 1995) que «a exigência de um cabal cumprimento do ónus de suscitação atempada - e processualmente adequada - da questão de constitucionalidade não é [...] “uma mera questão de forma secundária”.

É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame da questão (e não a um primeiro julgamento de tal questão».

Deste modo, a questão de constitucionalidade tem de ser colocada ao tribunal recorrido, em termos de este saber que tem essa concreta questão de constitucionalidade para resolver. Donde resulta que o questionante tenha de colocar, em termos perceptíveis, qual a concreta questão de normatividade jurídica cuja validade constitucional controverte.

Nesta linha, importa reconhecer que não basta, pois, que se indique a norma que se tem por inconstitucional, antes é necessário que se problematize a questão de validade constitucional da norma (dimensão normativa) mediante a alegação de um juízo de antítese entre a norma/dimensão normativa/critérios normativos aplicados e o(s) parâmetro(s) constitucional(ais) tidos por pertinentes, indicando-se, pelo menos, as normas ou princípios constitucionais que a norma sindicanda viola ou afronta, de...

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