Acórdão nº 379/07 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Julho de 2007

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução03 de Julho de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 379/2007

Processo nº 220/07

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. foi julgado no processo nº 4858/00.5JDLSB, da 1ª Secção, da 5ª Vara Criminal de Lisboa, pela pratica de um crime de associação criminosa, p.p. pelo artº 299º, nº 1, do C.P., de seis crimes de falsificação de documento, p.p. pelos artº 255º, a) e c) e 256º, nº 1, a) e c) e 3, ambos do C.P., e de três crimes de burla qualificada, um deles na forma tentada, p.p. pelos artº 217º, 218º, nº 2, a), 22º e 23º, do C.P..

No decurso da audiência de julgamento, na sessão de 3-5-2006, o arguido efectuou o seguinte requerimento, que consta de fls. 9155-9158:

“A fls. 237, a Polícia Judiciária solicitou ao 3.º Juízo Criminal de Loures sete cassetes e um CD, referentes a escutas realizadas ao n.º 962796188, alegadamente utilizado pelo arguido B., no âmbito do inquérito que sob o n.º 98/00.1GGLSB, aí corria os seus termos.

Por despacho lavrado a fls. 237-v.º, o Mmº Juiz do 3.º Juízo Criminal de Loures decidiu autorizar que tais cassetes e CD fossem disponibilizados para os presentes autos pelo período de 3 meses.

A fls. 244, o JIC destes autos autorizou que os referidos suportes magnéticos fossem solicitados ao tribunal de Loures.

Depois de juntos aos presentes autos, foi ordenada e realizada a transcrição das intercepções telefónicas efectuadas no âmbito referido inquérito n.º 98/00.1GGLSB, passando a constituir o Apenso D, conforme resulta de fls. 363.

Sucede que, por decisão proferida a fls. 5943, no referido proc. n.º 98/00.1GGLSB, as escutas constantes do citado Apenso D dos presentes autos, vieram a ser julgadas “nulas e de nenhum efeito como meio de prova”.

E, em consequência disso, foi ordenada a “destruição das transcrições das conversações registadas e a desmagnetízação de todos os suportes utilizados (CD’s e outros)”.

Tal decisão fundou-se na completa falta de “controlo por parte de magistrado judicial ao longo das operações de intercepção, audição e transcrição das conversações telefónicas …”, o que as feriu “de nulidade insanável, traduzindo, pois, uma abusiva intromissão na vida privada, através das telecomunicações...”.

Trata-se de decisão que, há muito, transitou em julgado e se consolidou na ordem jurídica. Ora, a utilização nos presentes autos, quer de cópia dos suportes magnéticos em que estão registadas as referidas escutas, quer das respectivas transcrições, contende, flagrantemente, com o ordenado pela instância judicial que autorizou as referidas intercepções telefónicas e que, a final, veio a considerá-las uma abusiva intromissão na vida privada, através das telecomunicações.

Constituindo também, por isso, método proibido de prova, como resulta do disposto nos art.ºs 126.º n.º 3 do CPP e 26.º n.º 1 e 34.º n.ºs 1 e 4, ambos da CRP.

Sendo inconstitucional, por violação destes últimos dois preceitos constitucionais, qualquer interpretação segundo a qual a utilização de intercepções telefónicas já anteriormente declaradas insanavelmente nulas, por decisão transitada em julgado, possa ser utilizada como meio de prova, ainda que no âmbito de outro processo onde vieram a ser transcritas. Atendendo ao exposto, requer-se que:

• se oficie ao proc. n.º 98/00.IGGLSB, actualmente a correr termos na 1ª Vara Mista de Sintra, solicitando-se cópia da decisão de fls. 5943, que declarou “nulas e de nenhum efeito como meio de prova” as escutas aí realizadas, incluindo as constantes das sete cassetes e um CD, referentes ao n.º 962796188, cedidas a título devolutivo aos presentes autos.

• as transcrições constantes do Apenso D sejam consideradas método proibido de prova, nos termos do art.º 126.º n.º 3 do CPP e 26.º n.º 1 e 34.º n.ºs 1 e 4, ambos da CRP, uma vez que as correspondentes escutas foram consideradas, no citado proc. n.º 98/00.1GGLSB, uma abusiva intromissão na vida privada dos arguidos, através das telecomunicações.

Acresce, ainda, que a fls. 2081 constam diversos fotogramas onde, alegadamente, estará retratado o ora requerente.

Sucede que, segundo dispõe o art.º 6.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, carece de “prévia autorização ou ordem do juiz, consoante os casos” o registo de voz e imagem, por qualquer meio, sem consentimento do visado”.

Ora, no caso em apreço, verifica-se que tal autorização não foi concedida, nem solicitada, pelo que se conclui que a obtenção de tais imagens não possui enquadramento legal, violando o direito à imagem do ora requerente, prevista no art.º 26.º n.º 1 da CRP.

Requer-se, por tal motivo, que tais fotogramas sejam considerados nulos e de nenhum efeito, para efeitos de prova”.

Em 8-6-2006, o arguido apresentou novo requerimento, antes de ter terminado a audiência de julgamento, que consta a fls. 9258-9259, com o seguinte teor:

“1. Após consulta, na secretaria judicial, dos suportes magnéticos onde se encontram registadas as comunicações telefónicas que deram origem às transcrições realizadas no Apenso D, verifica-se que aí se encontram registadas dezenas, talvez centenas, de conversas telefónicas sem qualquer interesse para os presentes autos.

  1. Trata-se de conversas, na sua grande maioria, em que são intervenientes amigos e familiares do arguido B., que nada têm a ver com os presentes autos.

  2. Em algumas dessas conversas nem sequer é interveniente o próprio arguido B. ou qualquer outro dos seus co-arguidos, designadamente, o ora requerente.

  3. O conteúdo das conversas mantidas vai desde o banal ao íntimo, incluindo conversas amorosas e referências sobre pormenores da vida privada e íntima dos intervenientes.

  4. A título de mero exemplo, indicam-se as sessões 8095-1196, 8095-1228, 8095-01240 e 8095-1249, mas muitas outras se podia indicar.

  5. Acresce, ainda, que também está registada nos referidos suportes magnéticos, pelo menos, uma comunicação mantida entre o arguido B. e um dos seus defensores e, outra, entre a mulher do arguido – D. Odete – e o mesmo defensor (cfr. sessões 8095-00954 e 8095-01278).

  6. O que, no primeiro caso, é expressamente proibido pelo art.º 187.º n.º 3 do CPP.

  7. Além de demonstrar que todas as referidas escutas foram realizadas sem qualquer controlo judicial, violando as mais elementares regras consignadas nos art.ºs 187.º e seguintes do citado diploma legal, a verificação do registo de tais escutas nos presentes autos afronta manifestamente o direito à reserva da intimidade da vida privada consagrada no art.º 26.º n.º 1 da CRP, bem como a inviolabilidade das comunicações telefónicas, prevista no artº 34º n.ºs 1...

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