Acórdão nº 336/97 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Vitor Gomes
Data da Resolução30 de Maio de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 336/2007

Processo n.º 962/06

  1. Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acordam na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I- Relatório

1. O Ministério Público interpôs recurso, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, da decisão proferida pelo Tribunal do Trabalho de Setúbal, nos autos de processo especial por acidente de trabalho em que figura como sinistrado A., que recusou aplicação, com fundamento em violação do princípio da igualdade, à norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 324/03, de 27 de Dezembro, na medida em que dela resulta que, nas causas emergentes do acidente de trabalho, o sinistrado que não seja representado ou patrocinado pelo Ministério Público não goza de isenção de custas.

A decisão recorrida é, na parte que importa, do seguinte teor:

“(…)

Repensando, porém, a questão, oferece-nos dizer o seguinte:

A presunção de uma (eventual) situação de maior carência económica por parte dos sinistrados subjacente à isenção consagrada quando representados pelo Ministério Público mal se compreenderia e compatibilizaria com a solução legalmente vigente nas demais acções laborais (que não infortunísticas) em que o trabalhador, não obstante esse patrocínio, não goza de idêntica isenção.

Ora, tal leva-nos a concluir que, na verdade, não será essa presumida incapacidade económica a razão justificativa da isenção consagrada no preceito em questão. E, daí que a sua ratio apenas poderá assentar na natureza dos interesses em discussão nos processos emergentes de acidente de trabalho, aliás não apenas privados, mas também públicos (atente-se que se está perante direitos de natureza indisponível e processos de natureza obrigatória) e na função social dessa isenção, natureza e função essas que tanto se verificam, e de igual modo, nos sinistrados patrocinados pelo Ministério Público, como nos patrocinados por mandatário judicial.

E, nesta perspectiva, impressiona a argumentação aduzida no recurso, com a qual se concorda, quando se refere que o acidente de trabalho, e suas consequências, é sentido por igual forma por qualquer acidentado, independentemente do patrocínio.

Por outro lado, e também independentemente de quem assegura o patrocínio, certo é que, em ambas as situações, com o processo especial emergente de acidente de trabalho visa-se o restabelecimento do estado de saúde do sinistrado, a sua recuperação para a vida activa e a reparação da perda da sua capacidade de trabalho (e, consequentemente, da sua capacidade económica).

Ou seja, e considerando a ratio da referida isenção, não vemos, na verdade, que a mesma constitua diferente e válida justificação do diferente tratamento legal.

Por outro lado, atento o interesse, não apenas privado ou particular do sinistrado em acidente de trabalho, mas também o de natureza ou ordem pública que lhe subjaz e de onde decorre, designadamente, a indisponibilidade dos respectivos direitos e a obrigatoriedade de acção, mal se compreenderia (nem se compatibilizaria) que, por falta de cumprimento da legislação sobre custas, designadamente no que se reporta à omissão de pagamento de taxas de justiça inicial e subsequente, pudesse ver-se inviabilizado o andamento ou prosseguimento de acção, declarativa ou executiva (cfr. quanto a esta, designadamente, o disposto no art.º 90º nº 4 do CPT, emergente de acidente de trabalho.

O princípio da igualdade constitucionalmente consagrado não impede um diferente tratamento perante situações diferentes: no entanto, impede tal diferença relativamente a situações idênticas ou que assentam em análogos pressupostos.

Afigura-se-nos, pois, que a norma constante do art° 2º nº 1 al. e) do CCJ, na redacção introduzida pelo DL 324/03, de 27.12., na medida em que, consagrando embora uma isenção de custas relativamente aos sinistrados em processos de acidente de trabalho quando representados pelo Ministério Público, a não consagra relativamente aos que sejam patrocinados por advogado é inconstitucional por violação do principio da igualdade consagrado no artº 13º nº 1 da CRP.

Poder-se-ia, eventualmente, dizer que a norma constante do preceito em questão, na sua previsão de atribuição dessa isenção aos sinistrados representados pelo Ministério Público, não seria, em si, inconstitucional, pois que inconstitucional seria a não consagração de idêntico direito aos sinistrados não representados por aquele. E, a assim se entender, estaríamos perante uma inconstitucionalidade, não já por acção, mas por omissão, com as consequências, tão-só, previstas no artº 283º da CRP. E se, porventura, assim se entendesse, consideramos igualmente que não se poderia fazer apelo à pretendida consequência da repristinação das normas por ela revogadas, pois que, como decorre do artº 282º nº 1 da CRP, tal apenas ocorre com a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.

Afigura-se-nos, no entanto e salvo melhor opinião, poder defender-se, com apelo ao juízo de constitucionalidade que se impõe relativamente a sinistrados em processos de acidente de trabalho sejam eles representados pelo Ministério Público ou advogado, que a norma sob apreciação, na medida em que a restringe aos representados por aquele (Ministério Público) é, nessa medida, inconstitucional e devendo, em consequência e como requerido, ser desaplicado (artº 204º da CRP) o segmento da mesma que condiciona essa isenção ao referido patrocínio, solução esta que perfilhamos.

Mas, e ainda que, porventura, assim se não considerasse, sempre se poderia, salvo melhor opinião, também entender serem inconstitucionais os preceitos do Código das Custas Judiciais na interpretação segundo a qual impõem aos sinistrados em processo especial emergente de acidente de trabalho, quando representados por mandatário judicial, o pagamento de custas quando, relativamente aos patrocinados pelo Ministério Público, os isentam desse pagamento, por violação do citado princípio da igualdade.

Deste modo, e em face do exposto, entendemos ser de reparar o despacho recorrido, substituindo por outro que, nos termos do mencionado juízo de inconstitucionalidade, considera o sinistrado/Autor isento de custas, o que se decide.”

2. O Ministério Público apresentou alegações em que sustenta poderem formular-se duas questões de constitucionalidade em torno do regime legal desaplicado pela decisão recorrida. A primeira consiste em saber se a eliminação da isenção subjectiva incondicionada, que na versão anterior do Código das Custas Judiciais era concedida ao trabalhador nos processos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional, viola alguma norma ou princípio constitucional. A segunda é a de saber se viola o princípio da igualdade a disparidade de tratamento que a lei estabelece conforme o trabalhador seja ou não representado ou patrocinado pelo Ministério Público.

Quanto à segunda questão, o Ministério Público desenvolve argumentação no sentido de que esta isenção de custas é explicável pela intenção de evitar que as pessoas a que o Estado deve particular assistência e protecção possam acabar por ser oneradas em função do resultado da acção, eventualmente ligado à própria (in)eficácia da actuação processual do Ministério Público. Assim, o regime que dispensa o trabalhador/sinistrado do pagamento de custas quando seja o Ministério Público a representá-lo – actuação que visa realizar, não apenas o interesse subjectivo do trabalhador sinistrado, mas o próprio interesse, objectivo e público, na tutela e assistência adequada às vítimas de acidentes laborais – e já não quando o trabalhador prescinde dessa representação oficiosa estabeleceria uma distinção racionalmente fundada, não violando o princípio da igualdade.

Mas, quanto à primeira questão, sustenta que a eliminação da...

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