Acórdão nº 299/07 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Maio de 2007
Magistrado Responsável | Cons. Maria João Antunes |
Data da Resolução | 15 de Maio de 2007 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO N.º 299/2007
Processo nº 986/06
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Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
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Relatório
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Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 10 de Outubro de 2006.
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O ora recorrido formulou, junto dos serviços de Segurança Social, pedido de concessão de protecção jurídica, na modalidade de apoio judiciário, pretendendo a dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, para contestar acção com o valor de 1.201.000 .
O requerente foi notificado de que, face aos documentos apresentados, não lhe poderia ser concedida a dispensa total dos encargos judiciais, mas apenas o pagamento faseado dessa despesa, sendo-lhe concedido o prazo de dez dias para se pronunciar e, nomeadamente, para clarificar se pretendia ou não a concessão do apoio judiciário nessa modalidade. O requerente respondeu reiterando o pedido anteriormente formulado.
Por decisão de 19 de Novembro de 2004, o pedido de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo foi indeferido.
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Esta decisão da Segurança Social foi impugnada judicialmente, vindo o Tribunal Judicial da Figueira da Foz a julgar improcedente o recurso, por decisão de 21 de Janeiro de 2005, que transitou em julgado. Foi elaborada conta de custas, apurando-se como valor a pagar pelo ora recorrido a quantia de 11.894,85 .
Notificado para pagamento das custas, o recorrido apresentou reclamação, indeferida por despacho de 11 de Outubro de 2005. Foi então interposto recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, decidido pelo acórdão agora recorrido.
Esta decisão apresenta a seguinte fundamentação:
7.1. O objecto do recurso é o de saber se as custas são contadas a partir do valor da acção para a qual é pedido o apoio judiciário, como ocorreu, ou a partir do valor que o juiz fixar «tendo em atenção a repercussão económica da acção para o responsável pelas custas ou, subsidiariamente, a situação económica deste», como defende o recorrente.
O artigo 6° do Código das Custas Judiciais (CCJ) prevê, para efeitos de custas, um critério especial para fixar o valor da causa: «nos casos a seguir enunciados considera-se como valor, para efeito de custas: ...». Um desses casos, é o da impugnação judicial de decisão sobre a concessão de apoio judiciário: «na impugnação judicial de decisão sobre a concessão de apoio judiciário, o da respectiva acção ou, subsidiariamente, o resultante da alínea a)» ( ); a alínea a) do mesmo artigo, refere-se ao valor das acções «sobre o estado das pessoas e nos processos sobre interesses imateriais» para os quais estabelece o valor «fixado pelo juiz, tendo em atenção a repercussão económica da acção para o responsável pelas custas ou, subsidiariamente, a situação económica deste», ou seja, o critério defendido pelo recorrente.
7.2. Face a esta redacção, pensamos que a questão não oferece dúvidas: é correcta a posição do despacho recorrido, ou seja, o valor a tomar em conta é o da respectiva acção.
Para que o valor tributário da acção fosse o fixado na alínea a) do artigo 6° do CCJ seria necessário que não pudesse ser o do critério principal, já que este é subsidiário, ou seja, só se aplica quando não for possível o primeiro. É isso que significa o vocábulo subsidiário.
E quando se aplica o subsidiário? Quando não existir uma acção que permita determinar o valor segundo o critério principal. O que acontece quando ainda não há nenhuma acção instaurada: um cidadão dirige-se ao Instituto de Segurança Social para pedir apoio judiciário para uma acção que vai ser intentada; o benefício é-lhe negado e ele impugna judicialmente a decisão administrativa; proferida a decisão judicial, qual o valor a ter em conta para elaborar a respectiva conta? O da acção não pode ser, porque ainda não existe e nem sequer se sabe por qual acção vai optar o advogado que, inclusivamente, pode ser a nomear. Então, entra em acção o critério subsidiário.
E tanto é assim que o CCJ anterior, quando o apoio judiciário ainda era processado judicialmente, a alínea o), do artigo 6°, estabelecia somente um único critério: «no apoio judiciário, o da respectiva acção». Não precisava de um critério subsidiário porque o pedido de apoio judiciário pedido judicial e não administrativo era sempre formulado numa acção, ou que se instaurava, sendo necessário dar-lhe um valor ( ), ou que já corria. Antes de formular o pedido, a parte poderia ter necessidade da nomeação de patrono, incidente esse que estava isento de custas ( ).
7.3.1. O facto «do procedimento de protecção judiciária na modalidade de apoio judiciário» ser «autónomo em relação à causa que respeita, não tendo qualquer repercussão no andamento desta» ( ) resulta do disposto no artigo 24° da Lei n° 34/2004, de 29 de Julho, e em nada altera o que foi decidido. Aliás, é por essa razão que as custas foram contadas considerando tratar-se de uma acção, precisamente, autónoma; autonomia, em termos de processamento, inclusivamente porque o órgão do Estado competente para a decisão é um órgão da Administração Pública em vez de um judicial. Mas, já a impugnação da decisão administrativa se processa no tribunal e o Código respectivo manda tomar em conta o valor da acção para a qual se pretende o apoio judiciário. E o recorrente foi condenado em custas pela forma como são condenadas todas as partes: «custas do recurso pelo recorrente» ( ); nada a seu favor pode o recorrente tirar daqui.
7.3.2. Por outro lado, também não tem que ser chamado à colação a norma do artigo 84° do CCJ ( ), uma vez que diz respeito às custas criminais.
7.4. Não obstante a correcção formal do processado, o resultado a que se chega fere de uma forma intolerável o sentido de justiça e de proporcionalidade. É chocante, podendo mesmo dizer-se que levaria a um resultado cínico e caricato que nenhuma pessoa de bem compreenderia, por muitos argumentos jurídicos que houvesse ou que haja.
7.4.1. Para a análise do que se passou em concreto neste processo, é necessário ter presentes três circunstâncias, muito embora, pela sua natureza, não as comentemos:
a) a transferência para a administração de um incidente que, nos tribunais, nunca provocou problemas nem dificuldades nem delongas;
b) a ideia geralmente difundida de que a nova disciplina do apoio judiciário em nada contribui para um acesso saudável dos cidadãos à justiça, pelos seus critérios. Do ponto de vista objectivo, podemos dizer que este caso e todos os casos semelhantes dificultam mesmo tal acesso.
c) de uma forma geral, os cidadãos não podem dirigir-se só por...
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