Acórdão nº 232/07 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução28 de Março de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 232/2007

Processo n.º 1015/06

  1. Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    AUTONUM 1.O representante do Ministério Público junto do Tribunal do Trabalho de Setúbal interpôs, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, recurso para este Tribunal da decisão proferida em 6 de Novembro de 2006 pelo Tribunal do Trabalho de Setúbal, nos autos de processo especial por acidente de trabalho em que figura como sinistrado A., que recusou, com fundamento em inconstitucionalidade material, a aplicação da norma constante do artigo 2.º, n.º 1, alínea e), do Código das Custas Judiciais, “na medida em que, consagrando embora uma isenção de custas relativamente aos sinistrados em processos de acidente de trabalho quando representados pelo Ministério Público, a não consagra relativamente aos que sejam patrocinados por advogado”, por a entender violadora do “princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º, n.º 1, da Constituição”. Pode ler-se nessa decisão:

    Consagra o art.º 2.º, n.º 1, al. e), do CCJ, na redacção que lhe foi conferida pelo DL n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, uma situação de isenção de custas para os sinistrados em acidente de trabalho, quando representados ou patrocinados pelo Ministério Público.

    Solução esta consideravelmente diversa da anterior, porquanto a versão do CCJ aprovada pelo DL n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, concedia, no respectivo art.º 2.º, n.º 1, al. l), tal isenção a todos os sinistrados em acidente de trabalho, fossem eles patrocinados, ou não, pelo Ministério Público.

    O preâmbulo do DL n.º 324/2003, afirma a intenção de redução das situações de isenção de custas, consagrando «o princípio geral de que, salvo ponderosas excepções, todos os sujeitos processuais estão sujeitos ao pagamento de custas, independentemente da sua natureza ou qualificação jurídicas e desde que possuam capacidade económica e financeira para tal, sendo as excepções a esta regra equacionadas, sem qualquer prejuízo para os interessados, em sede de apoio judiciário.»

    Sendo esta a justificação para a redução das situações de isenção de custas – sendo que o próprio Estado e demais entidades públicas também se viram privados de tal benesse – dificilmente se compreende a diferenciação consagrada no novo art.º 2.º, n.º 1, al. e), do CCJ.

    Certo que se pode alegar uma diferente (inferior) capacidade económica dos sinistrados patrocinados pelo MP, aliada à função social da isenção concedida.

    No entanto, não se pode presumir, sem mais, a inferior capacidade económica dos representados ou patrocinados pelo MP, tanto mais que o próprio preâmbulo afirma que o local adequado de tratamento dessa questão reside no regime do apoio judiciário. Com efeito, poderemos ter sinistrados com boa ou razoável capacidade económica, beneficiando de isenção de custas, simplesmente porque se aperceberam que serão patrocinados, gratuitamente, pelo MP, enquanto que teremos sinistrados com menor capacidade económica que, optando pela constituição de um advogado da sua confiança, se verão confrontados com a obrigação de pagamento de custas.

    Por outro lado, a presunção de uma (eventual) situação de maior carência económica por parte dos sinistrados, subjacente à isenção consagrada quando representados pelo Ministério Público, não se compatibiliza com a solução para as demais acções laborais (não infortunísticas) em que o trabalhador, não obstante esse patrocínio, não goza de idêntica isenção.

    Esta circunstância leva-nos a concluir que, na verdade, não será essa presumida incapacidade económica a razão justificativa da isenção consagrada no preceito em questão.

    A ratio do preceito apenas poderá assentar na natureza dos interesses em discussão nos processos emergentes de acidente de trabalho, de natureza não apenas privada, mas também pública (atente-se que se está perante direitos de natureza indisponível e processos de natureza obrigatória) e na função social dessa isenção, natureza e função essas que se verificam, de igual modo, quer nos sinistrados patrocinados pelo Ministério Público, quer nos patrocinados por mandatário judicial.

    Note-se que o processo especial emergente de acidente de trabalho visa, também, o restabelecimento do estado de saúde do sinistrado, a sua recuperação para a vida activa e a reparação da perda da sua capacidade de trabalho (e, consequentemente, da sua capacidade económica).

    Ou seja, e considerando a ratio da referida isenção, não vemos, na verdade, que a mesma constitua diferente e válida justificação do diferente tratamento legal concedido pelo art.º 2.º, n.º 1, al. e), do CCJ. Não se nega que o Estado tem o direito de exigir o pagamento de custas judiciais, restringindo substancialmente as situações de isenção, e relegando todas as situações de insuficiência económica para o regime do apoio judiciário. No entanto, ao conceder isenções de custas, deverá sempre fazê-lo em situação de igualdade, de modo que, pessoas na mesma situação jurídica, recebam o mesmo tratamento.

    Acresce que, atento o interesse, não apenas privado ou particular do sinistrado em acidente de trabalho, mas também o de natureza ou ordem pública que lhe subjaz e de onde decorre, designadamente, a indisponibilidade dos respectivos direitos e a obrigatoriedade de acção, mal se compreenderia (nem se compatibilizaria) que, por falta de cumprimento da legislação sobre custas, designadamente no que se reporta à omissão de pagamento de taxas de justiça inicial e subsequente, pudesse ver-se inviabilizado o andamento ou prosseguimento de acção, declarativa ou executiva (cfr., quanto a esta, designadamente, o disposto no art.º 90.º, n.º 4, do CPTrabalho), emergente de acidente de trabalho.

    O princípio da igualdade constitucionalmente consagrado não impede um diferente tratamento perante situações diferentes; no entanto, impede tal diferença relativamente a situações idênticas ou que assentam em análogos pressupostos.

    Afigura-se-nos, pois, que a norma constante do art.º 2.º, n.º 1, al. e), do CCJ, na sua redacção actual, na medida em que, consagrando embora uma isenção de custas relativamente aos sinistrados em processos de acidente de trabalho quando representados pelo Ministério Público, a não consagra relativamente aos que sejam patrocinados por advogado, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º, n.º 1, da Constituição.

    Deste modo, recusando o segmento daquela norma, que concede a isenção de custas apenas aos sinistrados «representados ou patrocinados pelo Ministério Público», concedo a isenção de custas peticionada pelo sinistrado, com dispensa da respectiva taxa de justiça.»

    Lê-se no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade:

    O Ministério Público vem, nos autos acima identificados, ao abrigo do disposto no art.º 75.º-A da Lei n.º 28/82, de 15/11, interpor recurso do despacho proferido em 6/11/2006, constante de fls. 13 a 15 dos autos, para o Tribunal Constitucional.

    Aquela decisão é recorrível por efeito da aplicação do art.º 70.º, alínea a), da citada Lei n.º 28/82, de 15/11 – pois recusa a aplicação de norma legal com fundamento em inconstitucionalidade.

    A norma cuja aplicação se recusa é a do art.º 2.º, n.º 1, alínea e), do Código das Custas Judiciais, na redacção introduzida pelo DL n.º 324/2003, de 27/12.

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