Acórdão nº 143/07 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 143/07

Processo nº 711/06

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 16 de Março de 2006, que decidiu julgar improcedente a apelação interposta pelo ora recorrente da sentença proferida pela 3.ª Secção do 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém e procedente parcialmente a apelação interposta da mesma decisão de 1.ª instância por banda do A. B..

2 – O ora recorrente foi demandado, em acção declarativa com processo sumário, e pedida, aí, a sua condenação a reconhecer o direito de propriedade do A. sobre a fracção autónoma, identificada nos autos, bem como a entregar-lha livre e desocupada de pessoas e bens e a pagar-lhe uma indemnização correspondente a 200 € mensais desde 1 de Abril de 2001 até à efectiva entrega do prédio.

O ora recorrente contestou, alegando, além do irrelevante para a questão a decidir aqui, que o entendimento normativo nos termos do qual o arrendamento se não transmite da pessoa do cônjuge supérstite do primitivo arrendatário, para quem haja sido transmitido, para a pessoa do novo cônjuge com quem aquele venha posteriormente a tal transmissão a casar é inconstitucional.

Tal tese não foi, porém, acolhida pelo tribunal de 1.ª instância, que, após audiência de julgamento e face à materialidade de facto apurada, decretou a procedência da acção, salvo no que respeita à indemnização pedida.

Inconformado com esta decisão, o ora recorrente recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, suscitando, entre o mais, a questão da inconstitucionalidade do art.º 85.º do RAU, porquanto, no seu entender, o “colocando [esse preceito] o apelante em desvalor relativamente aos restantes herdeiros que ali figuram e que poderiam beneficiar de nova transmissão, quer mesmo quanto a quem viva em simples união de facto que mais protegido ficaria que ele próprio”, o mesmo “seria violador de preceitos constitucionais (…), ofuscando o direito à igualdade, a protecção da família e o direito à habitação”.

Por seu lado, recorreu, também, o A. para o referido tribunal de 2.ª instância, batendo-se pela revogação do julgado relativo à absolvição do pedido de indemnização.

O acórdão recorrido julgou improcedente a apelação do ora recorrente e parcialmente procedente a do A., condenando aquele, para além do que vinha já da decisão da 1.ª instância, a pagar ao referido senhorio o montante correspondente ao valor das rendas mensais desde Dezembro de 2001 até efectiva entrega do prédio.

Considerou tal acórdão, na parte que importa à questão agora em apreço, que, não existindo convenção escrita que previsse a transmissão do arrendamento nos termos do art.º 1059.º, n.º 1, do Código Civil (CC), o [tipo de] contrato de arrendamento em causa estava sujeito à regra da caducidade por morte estabelecida no art.º 1051.º, alínea d), do mesmo CC, aplicável por via do disposto no art.º 66.º, n.º 1, do Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro (RAU), por não estar abrangido pelas excepções contempladas no artigo 85.º, nºs 1 e 3 do mesmo RAU, e, quanto à alegada questão de constitucionalidade, que “não se descortina qualquer inconstitucionalidade (por violação do art.º 13.º e 65.º da CRP) do preceito em apreço na interpretação que dele fez a decisão recorrida, que aqui se acompanhou, apoiada pela doutrina, e jurisprudência uniformes”.

3 – É desta decisão que foi interposto o presente recurso de constitucionalidade, pretendendo o recorrente, como ficou explícito na resposta ao convite do relator efectuado no Tribunal Constitucional, que este aprecie a inconstitucionalidade da «norma extraída, por interpretação, do n.º 3 do art.º 85.º do Regime de Arrendamento Urbano, conjugadamente com o disposto nos nºs 1 e 2 do mesmo preceito, (…) segundo a qual “se o cônjuge do arrendatário pré-defunto, encabeçado na posição contratual de arrendatário por força do disposto no art.º 85.º, n.º 1, alínea a) do mesmo Regime de Arrendamento Urbano, voltar a casar, a posição contratual que adquiriu não se transmite, por sua morte, a este novo cônjuge”».

4 – Alegando, no Tribunal Constitucional, assim concluiu o recorrente o seu discurso argumentativo:

«1º - A norma extraída, por interpretação, do nº 3 do art. 85º do Regime do Arrendamento Urbano, conjugadamente com o disposto nos nºs 1 e 2 do mesmo preceito, na acepção segundo a qual: “se o cônjuge do arrendatário pré-defunto, encabeçado na posição contratual de arrendatário por força do disposto no art. 85º, nº1, alínea a) do mesmo Regime de Arrendamento Urbano, voltar a casar, a posição contratual que adquiriu não se transmite, por sua morte, a este novo cônjuge” viola a CRP, concretamente os princípios fundamentais da igualdade, da protecção da família e o direito à habitação;

  1. - Viola, tal norma, os arts. 13º e 65º da CRP;

  2. - Pelo que deverá a mesma ser declarada inconstitucional;

  3. - E reconhecendo-se essa inconstitucionalidade, devem os autos ser remetidos à instância, para que seja aplicado o direito nessa conformidade e ser reconhecido o direito do recorrente a nova transmissão do arrendamento, por via dos mencionados preceitos constitucionais e princípios fundamentais acima elencados».

5 – A parte contrária não contra-alegou.

B – Fundamentação

6.1 – O artigo 85.º do RAU, ao qual se reporta a norma constitucionalmente impugnada, dispõe do seguinte jeito:

Artigo 85.º

Transmissão por morte

1 – O arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário ou daquele a quem tiver sido cedida a sua posição contratual, se lhe sobreviver:

a) Cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto,

b) Descendente com menos de um ano de idade ou que com ele convivesse há mais de um ano;

c) Pessoa que com ele viva em união de facto há mais de dois anos, quando o arrendatário não seja casado ou esteja separado judicialmente de pessoas e bens;

d) Ascendente que com ele convivesse há mais de um ano;

e) Afim na linha recta, nas condições referidas nas alíneas b) e c);

f) Pessoas que com ele convivessem em economia comum há mais de dois anos.

2 Caso ao arrendatário não sobrevivam pessoas na situação prevista na alínea b) do n.º 1, ou estas não pretendam a transmissão, é equiparada ao cônjuge a pessoa que com ele convivesse em união de...

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