Acórdão nº 86/07 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 86/2007

Processo n.º 26/2004 2ª Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto (Conselheira Maria Fernanda Palma)

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório AUTONUM 1.Pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 2003, foi negado a A., convivente em união de facto com a vítima mortal de um acidente de viação causado por culpa do lesante, o direito a uma compensação dos danos não patrimoniais sofridos por morte da vítima, que reclamava à seguradora Companhia de Seguros B:, SA, com fundamento no artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil (diploma ao qual pertencem todas as disposições citadas doravante sem indicação especial). Pode ler-se nesse aresto do Supremo Tribunal de Justiça:

    1. Na acção de responsabilidade civil por acidente de viação que A., por si e em representação do filho menor, C., moveu a Companhia de Seguros B., SA, para ressarcimento do danos patrimoniais e não patrimoniais derivados da morte da, respectivamente, companheira e mãe dos autores, as instâncias concluíram pela exclusividade da culpa do condutor do veículo do segurado da ré, e, em conformidade, foi esta condenada a pagar as seguintes indemnizações:

    em 1ª instância

    ao autor A.

    € 14.418,75, a título de despesas de funeral e de despesa, já realizada, com a contratação de uma empregada para tomar conta do filho;

    o que se liquidar em execução de sentença de despesas feitas para tratar de formalidades decorrentes do óbito e a fazer para pagar a empregada que toma conta do filho;

    ao autor C.

    € 35.000, a título de perda dos alimentos prestados pela mãe;

    € 35.000, pela perda do direito à vida da mãe;

    € 20.000, pelos danos não patrimoniais próprios.

    Em recurso, que lhe foi levado por ambas as partes, a Relação de Coimbra deu parcial procedência às apelações, e, deste modo, alterou o decidido, da seguinte maneira:

    a indemnização pela perda do direito à vida subiu para € 40.000;

    os juros sobre as quantias indemnizatórias atribuídas ao autor B vencem-se a partir da sentença (as relativas ao dano de frustração de alimentos e danos morais próprios) e a partir do acórdão, a respeitante ao dano de perda da vida.

    As partes ainda se não conformaram, e pedem revista, assim fundamentada:

    os autores

    os juros moratórios sobre as quantias devidas ao autor C. devem contar-se desde a citação, porque os valores atribuídos devem considerar-se reportados à data da petição;

    a união de facto, que era a que ligava o autor A. à sinistrada, deve equiparar-se ao casamento, para efeitos do art.º 496.º, 2, do CC, sob pena de inconstitucionalidade;

    a ré

    não há fundamento legal para atribuir ao autor C. indemnização por frustração de alimentos, para além dos encargos com a contratação de uma empregada;

    não o há, também, para indemnizar o autor A. pelas quantias despendidas com deslocações efectuadas para tratar das formalidades decorrentes do óbito, porque não cobertas pelo art.º 495.º, 2, do CC[1];

    também o não haveria para remeter o apuramento de tais despesas para liquidação em execução de sentença, visto que não foi alegada justificação da impossibilidade de liquidação à data da petição inicial;

    o montante indemnizatório da supressão da vida está exagerado com relação ao que o Supremo Tribunal de Justiça costuma atribuir em casos paralelos.

    2. São os seguintes os factos provados:

    · no dia 09/12/93, cerca das 11H45, na E.N. n.º 1, ao Km 105, D. conduzia o veículo pesado de mercadorias semi-reboque, de matrículas LQ----- e L-----, no sentido Lisboa - Porto;

    · pela mesma estrada, e no mesmo sentido de trânsito, seguia E., que conduzia o veículo ligeiro misto de matrícula XA---;

    · E. era acompanhada por F.;

    · na mesma estrada, e no sentido de trânsito oposto circulava G., que conduzia um veículo pesado de mercadorias de matrícula SB----;

    · E. encontrava-se parada, pois pretendia virar à esquerda, atento o seu sentido de marcha, e entrar no parque de estacionamento de um restaurante ali existente;

    · E. estava parada junto ao eixo da faixa de rodagem, dentro da sua mão de trânsito, com o sinal de mudança de direcção à esquerda ligado;

    · ao aproximar-se do veículo conduzido por E., D. embateu com o veículo por si conduzido no veículo conduzido por E.;

    · o embate deu-se entre a parte da frente do lado esquerdo do veículo conduzido por D. e a retaguarda do lado direito do veículo conduzido por E.;

    · devido ao embate, o veículo conduzido por E. foi projectado para a faixa de rodagem de sentido contrário;

    · o veículo conduzido por G. embateu com a parte da frente na parte frontal do veículo conduzido por E.;

    · após os embates, o veículo conduzido por E. ficou imobilizado na fixa de rodagem contrária àquela em que seguia;

    · após o embate, o veículo conduzido por D. ficou tombado na sua faixa de rodagem;

    · o local do embate é uma recta com boa visibilidade;

    · a faixa de rodagem, no local do embate, tem 7,30 metros de largura;

    · D. exercia a condução no interesse, por conta e sob a responsabilidade da H.;

    · em consequência do embate, F. sofreu lesões corporais que foram causa directa e necessária da sua morte;

    · F. sofreu lesões graves a nível do tórax, com fractura completa dos 4.º, 5.º e 6.º arcos costais direitos e esquerdos pelo terço anterior, volumoso hemotórax bilateral e hemoperitoneu, devido a rotura esfacelada do lobo direito do fígado;

    · foi o autor quem suportou todas as despesas relacionadas com o funeral, compra e revestimento do jazigo, tendo despendido a quantia de 350.000$00;

    · o autor A. teve gastos com deslocações para tratar das formalidades post-mortem;

    · o autor A. vivia, há mais de cinco anos, em união de facto com F., mantendo uma ligação muito estreita, surgindo à vista de toda a gente como se de marido e mulher se tratassem;

    · o casal tinha recentemente montado um armazém para venda de pesticidas, rações, adubos e cimento, localizado junto da sua residência;

    · a comercialização destes produtos, tendo em conta a região em que está inserida, é uma actividade potencialmente lucrativa;

    · dado que A. era motorista, era F. quem dirigia o negócio;

    · F. auferiria proventos da exploração desse negócio, tendo sido declarado pelo autor à administração fiscal, no ano de 1997, um resultado apurado positivo, relativo a esse negócio, no montante de 257.386$00;

    · esses proventos seriam integrados no orçamento familiar que F. formava com os autores;

    · com a morte de F., o autor A. sofreu grande angústia, profunda tristeza e enorme desgosto;

    · a lida da casa e o apoio e guarda do filho eram da responsabilidade de F.;

    · dado o falecimento de F. o autor A. teve que contratar uma empregada doméstica/ama, situação que ainda se mantém;

    · desde então, o autor A. pagou à empregada doméstica 2.540.700$00;

    · o autor C. apercebeu-se de tudo quanto se passou, tanto mais que sentiu a falta daquela que diariamente o acompanhava, que lhe prodigalizava carinho e amor;

    · várias noites passou sem dormir, chorando pela mãe;

    · ainda hoje pergunta onde se encontra a sua mãe, começando finalmente a perceber que jamais poderá contar com o seu apoio, carinho e palavra amiga;

    · o autor C. atravessou crises de tristeza e, por vezes, de choro;

    · eram ambos os pais do C. que angariavam fundos para a sua subsistência;

    · C. nasceu em 24/06/89, sendo filho de A. e de F.;

    · a responsabilidade por danos causados a terceiros emergentes de acidente de viação relativa ao veículo pesado de mercadorias de matrícula LQ---- havia sido transferida para a ré Companhia de Seguros B., SA, até ao limite de 100.000.000$00, nos termos da apólice n.º 6266240;

    · por força da referida apólice e por conta destes embates, a ré Companhia de Seguros B., SA, procedeu ao pagamento da quantia de 34.549.950$00.

    3. A começar pelo recurso da ré seguradora, diremos que tanto é aceitável a indemnização, do autor A., pelo dano emergente, presente e futuro, de cobertura dos encargos com a contratação de uma empregada doméstica, como a indemnização do autor C. pela perda da dose de alimentos que previsivelmente a mãe lhe prestaria até à maioridade, pelo menos. Este último tem cobertura especial nos art.ºs 495.º, 3, e 1874.º, 1 e 2, do CC; o primeiro, nas regras gerais prescritas nos artºs 483.º, 1, 562.º, 563.º e 564.º, 1 e 2, do CC.

    O cálculo do dano de perda de alimentos (futuro, e dependente dos ganhos produzidos pelo prestador dos alimentos) só pode ser feito à base da equidade, tal como prescreve o artº 566.º, 3, do CC, reportado, nesta hipótese, ao disposto ao 564.º, 1 e 2.

    E assim se fez.

    O cálculo teve como factores relevantes a tenra idade do autor e a recente e potencialmente lucrativa actividade comercial da sinistrada, sua mãe, devedora dos alimentos frustrados.

    Foi um cálculo prudente e cauteloso, quedando-se numa importância perfeitamente defensável, face ao número de anos de alimentos que o menor tinha pela frente, às potencialidades do negócio e à natural capacidade produtiva de uma jovem mulher.

    As “quantias despendidas pelo autor A. com deslocações efectuadas para tratar das formalidades decorrentes do óbito de F.” inserem-se nas “todas as demais” (despesas, é claro), que o n.º 1, do art.º 495.º do CC declara indemnizáveis.

    Não se concebe que o legislador quisesse deixar sem reparação tais despesas, nem se percebe como é possível sustentar o contrário.

    Não há, por outro lado, razão para criticar a decisão de lhes remeter o apuramento para liquidação em execução de sentença, visto que, tendo o pedido genérico sido admitido, e não tendo a liquidação sido operada na pendência da causa, não restava outra solução que não fosse a de cumprir, como foi feito, o n.º 2 do art.º 661.º, CPC.

    A indemnização pela perda do direito à vida foi correctamente fixada.

    Inscreve-se, perfeitamente, nos padrões de cálculo mais recentes deste Supremo Tribunal (vejam-se, só a título de exemplo, os acórdãos: de 27.02.03, na revista 4553/02, 2.ª secção; de 25.06.02, na revista 4038/01, da 6.ª secção; de 28.05.02, na...

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