Acórdão nº 23/07 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Fernanda Palma
Data da Resolução17 de Janeiro de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 23/2007

Processo nº 935/2006

  1. Secção

    Relator: Conselheira Maria Fernanda Palma

    Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

    I

    Relatório

    1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que figuram como reclamantes A. e Outro e como reclamada B., foi julgada procedente uma acção de despejo por obras não autorizadas.

    Os réus interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, apresentando alegações que concluíram do seguinte modo:

  2. De todo em todo não foi alegada, qualquer eliminação de uma porta e colocação de um arco, nem é facto instrumental, sendo antes essencial por ter servido e até ditado a procedência da acção juntamente com a restante ou primeira parte da resposta ao quesito 10º.

  3. Só que apesar de igualmente não ter sido alegado esse outro facto de que os RR. procederam à demolição parcial de uma parede ser essencial também ele não completa nem concretiza qualquer outro, designadamente o conteúdo do aludido quesito 10º pois este constitui a mera alegação vaga e genérica de que os «RR. procederam à demolição de paredes no interior do locado».

  4. Do facto do R. marido ter assumido a autoria da demolição e eliminação da conclusão anterior não é lícito concluir daí e sem mais que a ele e a ambos tenha sido facultado o exercício do contraditório.

  5. E tanto pior, porquanto se silencia ou esquece a R. mulher que assim e sem mais também é e se vê discriminada relativamente ao marido e sancionada com o despejo a partir de um facto sobre o qual não foi ouvida nem chamada para nada ou coisa alguma quando ela é tanto inquilina quanto ele.

  6. E tudo isso ou que vem descrito desde 1 não resultou da instrução e discussão da causa tendo assim surgido e aparecido nos autos ao arrepio do principio do contraditório particularmente previsto no artigo 264° bem como com carácter geral no artigo 3º ambos do C.P.C.

  7. E não tendo o A. manifestado a vontade de se aproveitar de algum dos factos em apreço ou da resposta ao quesito 10° isso também corresponde a dizer que a causa de pedir foi indevidamente alterada, ofendido o princípio da estabilidade da instância e a ocupação de questões não suscitadas pelas partes e a tomada em consideração na douta sentença de factos não alegados e ao arrepio dos dois artigos da conclusão anterior e ainda 273°, 268°, 659°, 660º e 664° também do C.P.C.

  8. Consequentemente a factualidade da aludida resposta ao quesito 10º surge a fundamentar a douta sentença e a determinar a sua procedência inteiramente ao arrepio das disposições legais da conclusão anterior e como assim deve ser anulada e eliminada tendo-a por não escrita e não tida em conta na douta sentença e se não na sua totalidade, então e no mínimo, a dita segunda parte da resposta ao quesito n° 10º na medida que refere a eliminação da porta e colocação do arco e sempre ou em qualquer dos casos absolvendo totalmente os RR..

  9. Por igual ou maioria de razão ou como é bom de ver, o que se escreve desde a 1ª Conclusão sobre a resposta ao quesito n° 10 da BI (que aqui se dá por reproduzido) tem inteiro cabimento quanto àquela outra parte supra transcrita e sublinhada a fls. 5 da douta sentença reportada à materialização da eliminação parcial da parede e porta.

  10. Havendo de realçar que sobre essa outra «novidade ou surpresa processual» nem se pode dizer que foi indicada ao Tribunal pelo R. marido nem que este tenha assumido a sua autoria, porque na realidade não o foram de todo em todo nem tal consta de alguma outra folha dos autos exceptuando a referida sentença.

  11. E como não foram previamente ouvidos sobre essa factualidade também aí não lhes foi assegurado o direito de contraditar ou defesa nem lhes foi proporcionada a oportunidade para se poderem justificar, ficando assim impedidos de exercer esse direito fundamental e essencial em qualquer País do mundo civilizado. (art° 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem).

  12. Semelhante interpretação e aplicação privou por completo o interessado de apresentar a sua defesa, nega-lhes o direito de escolher residência, discrimina a R. na medida em que a esquece ou não importa para nada a não ser...para ser despejada. (26° n° 1; 36° n° 3; 44°; 18° n° 2; 65° n° 1; 204° e 205° da Constituição da República Portuguesa).

  13. E considerando que o conteúdo genérico do direito fundamental do acesso aos Tribunais leva implícita a proibição da indefessa ou a não permissão da mesma há-de ter-se por seguro que a norma da alin. d) do n° 1 do artigo 64° do RAU quando interpretada e aplicada, como foi na douta sentença em apreço, ou por forma a ordenar o despejo sem a prévia audição naquela parte e medida padece de inconstitucionalidade por ofensa daquele outro princípio e que também é constitucional.

  14. E o que tudo significa que a douta sentença em causa violou, para além daquela alin. d) n° 1 do artigo 64° do RAU, n° 3 do 3°, do C.P.C. e ainda os princípios constitucionais do acesso ao direito, do contraditório e da conformação do processo segundo os direitos fundamentais desaplicando o n° 1 do artigo 20° da Constituição da República Portuguesa.

  15. E de igual modo também essa outra parte deve ser anulada e eliminada tendo-se por não escrita e consequentemente não tida em conta na douta sentença e absolvendo os RR. do pedido.

  16. Também não se pode dar como provado o quesito 11º mesmo na forma restrita em que foi ou seja de «provado apenas que as obras referidas em 10 foram realizadas sem a autorização verbal ou por escrito dos senhorios».

  17. Independentemente de saber a quem compete a prova do mesmo, se ao senhorio se aos RR., a verdade é que a estes e, como atrás abundantemente se diz e demonstra nas conclusões anteriores, não foi dada oportunidade de o fazer uma vez que ela foi surpreendida com o aparecimento nos autos da demolição parcial da parede e os dois RR. com a eliminação da porta e colocação de um arco no seu lugar.

  18. Deste modo os RR. nunca poderiam ter feito a prova de que as obras referidas em I e II foram realizadas com autorização verbal ou por escrito do senhorio se e por quanto às primeiras ela foi apanhada de surpresa e relativamente quanto às segundas ambos só ouviram falar delas na Sentença e tanto mais que resultaram não propriamente da instrução e discussão da causa mas antes da inspecção judicial levada a cabo depois de ouvidas todas as testemunhas e assim sendo aos RR. não pode ser exigido o impossível e daí dever dar-se como não provado o quesito 11º.

  19. De toda a maneira a acção deve ser julgada improcedente por a eventual factualidade, que se venha a dar como provada não integra a alteração substancial do locado prevista na alínea d) do n° 1 do artigo 64° do RAU uma vez que tais obras não se traduzem em modificação considerável definitiva, podendo tudo ser reposto no estado anterior sem demoras e danos da primitiva estrutura do locado e por uma quantia irrisória.

  20. Ao entender e decidir de modo diverso, a douta sentença recorrida violou entre outras as disposições legais citadas nestas conclusões.

    Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso.

    O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu, em 6 de Julho de 2001, o seguinte acórdão:

    1. C., que veio a falecer no dia 10-3-2005, deixando como sucessora habilitada B., propôs no dia 29-4-2002 acção de despejo contra A. e D. pedindo que se decrete a resolução do contrato de arrendamento respeitante ao prédio urbano com a área de 156 m2, dos quais 109 m2 são de logradouro, situado na Travessa do …, freguesia de Santa Maior, concelho do Funchal, de que os RR são arrendatários, ordenando-se o despejo com entrega imediata do mesmo ao A., totalmente livre e desocupado.

    2. O A. alegou que os RR procederam a obras, sem autorização, que integram o fundamento resolutivo constante do artigo 64º/1, alínea d) do R.A.U., a saber:

      – Construção de uma dependência, que ocupa 16 m2 do quintal cuja área de 109 m2 ficou reduzida a 93 m2, utiizada como cozinha e quarto de jantar (artigos 12º a 14º da petição).

      – Dependência que está unida à casa arrendada dando acesso ao seu interior através de uma porta (artigos 15º e 16º da petição.

      – Em Fevereiro de 2002 os RR fecharam a blocos de cimento uma porta exterior existente no lado norte do locado, transformando-a em janela. (artigo 18º da petição).

      – Nas divisões interiores foram demolidas paredes, modificando a disposição interna das divisões do locado (artigos 21º e 31º in fine).

    3. Na contestação, os RR alegam que a dependência foi construída pelos anteriores arrendatários em 1979, conhecidas e autorizadas pelo A que vive “paredes meias” com a casa dos autos.

    4. A dependência ocupa apenas 12 m2 do quintal e tem 2 m de altura.

    5. Existia do lado norte porta com tapassol velho e estragado, que não impedia a entrada da chuva e, por isso, em Fev. 2002 os RR taparam 86 cm da parte de baixo da porta, com blocos de cimento, deixando a água de entrar para dentro de casa.

    6. A acção foi julgada procedente.

    7. Na decisão não se considerou que a construção do anexo constituísse fundamento resolutivo porque a sua construção foi efectuada por anterior arrendatário do locado.

    8. Das obras efectuadas a considerar, para efeito resolutivo, fica (a) o fecho da porta com blocos de cimento e (b) a eliminação parcial de parede e eliminação da porta com colocação no seu lugar de um arco.

    9. Quanto às primeiras, a decisão considerou que a realização das obras foi determinada por estado de necessidade já que a porta do tapassol, anteriormente existente no local, estava podre e deixava entrar água, não alterando a estrutura externa do prédio.

    10. Quanto às segundas, entendeu a decisão que “estão relacionadas com a disposição interna das divisões do locado e traduzem-se numa modificação permanente do número e configuração da sua planta interior”.

    11. Prossegue a decisão referindo que no caso concreto “a eliminação parcial da parede e da porta aí existente materializou-se na diminuição de uma das divisões do prédio, já que dois...

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