Acórdão nº 11/07 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Janeiro de 2007

Data12 Janeiro 2007
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 11/2007

Processo nº 1136/2006.

Plenário.

Relator: Conselheiro Bravo Serra

I

1. Em 21 de Dezembro de 2006 um grupo de quarenta e oito Deputados à Assembleia da República em efectividade de funções pertencentes ao Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata veio deduzir perante este Tribunal, ao abrigo dos números 4 e 6 do artigo 278º da Constituição, pedido de fiscalização abstracta preventiva da constitucionalidade das seguintes normas constantes dos, também seguintes, preceitos do Decreto da Assembleia da República nº 94/X, diploma que, revestindo a forma de lei orgânica, aprovou a Lei das Finanças das Regiões Autónomas e revogou a Lei Orgânica nº 13/98, de 24 de Fevereiro, diploma esse aprovado em 30 de Novembro de 2006 e enviado para promulgação do Presidente da República em 15 de Dezembro de 2006: –

– “Artigo 3º, por, contrariando as disposições constitucionais e estatutárias a seguir mencionadas, violar, desde logo, o princípio constitucional da prevalência hierárquica dos Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas em face das restantes leis, mesmo as de valor reforçado, ínsito na conjugação dos artigos l61º, alínea b), 168º, n.º 6 alínea f), 226º, 280º, n.º 2 alínea c), e 281º, n.º 1 alínea d), da Constituição da República Portuguesa (CRP), em consequência do desrespeito pelo disposto nos artigos 97º, n.º 2, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (EPARAA) e 105º, n.º 2, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM), e ainda por violar o princípio contido no artigo 227º, n.º 1 alínea j) da CRP”;

– “Artigo 7º, n.º 5, e 37º, n.ºs 2 a 7, por, contrariando as disposições constitucionais e estatutárias a seguir mencionadas, violar, desde logo, o princípio constitucional da prevalência hierárquica dos Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas em face das restantes leis, mesmo as de valor reforçado, ínsito na conjugação dos artigos 161º, alínea b), 168º, n.º 6 alínea f), 226º, 280º, n.º 2 alínea c), e 281º, n.º 1 alínea d), da CRP, em consequência do desrespeito pelo disposto no artigo 118º, n.º 2, do EPARAM, e ainda por violar o princípio contido no artigo 227º, n.º 1 alínea j) da CRP”;

– “ Artigo 35º, por, contrariando as disposições constitucionais e estatutárias a seguir mencionadas, violar, desde logo, o princípio constitucional da prevalência hierárquica dos Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas em face das restantes leis, mesmo as de valor reforçado, ínsito na conjugação dos artigos 161º, alínea b), 168º, n.º 6 alínea f), 226º, 280º, n.º 2 alínea c), e 281º, n.º 1 alínea d), da CRP, em consequência do desrespeito pelo disposto no artigo 117º do EPARAM, e ainda por violar o princípio contido no artigo 227º, n.º1 alínea j) da CRP”;

– “Artigos 19º, n.º1, 37º, n.ºs 2 a 7, 38º, n.ºs 2 e 3, e 66º, por violação do princípio do Estado de Direito democrático e do princípio da confiança nele ínsito, contidos nos artigos 2º e 9º da CRP, e do regime autonómico regional previsto no artigo 6º, nº 1, da CRP”;

– “Artigo 36º, por violação do princípio da solidariedade nacional previsto nos artigos 225º, n.º 2, 227º, n.º1 alínea j), e 229º, n.º 1, da CRP”;

– “Artigos 2º ‘in fine’ e 57º, por violação da reserva de Estatuto prevista no artigo 227º, n.º1 alínea h), da CRP”;

– “Artigo 62º, n.º1, por violação da competência legislativa exclusiva das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas prevista nos artigos 232º, n.º1, e 227º, n.º1 alínea i), da CRP.”

Em síntese, os requerentes estribam o seu pedido nas seguintes considerações: –

– os estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas têm, constitucionalmente, como se extrai da alínea c) do nº 1 do artigo 280º e da alínea d) do nº 1 do artigo 281º, um e outro da Lei Fundamental (ao atribuírem ao Tribunal Constitucional competência para apreciar decisões dos tribunais que recusem aplicação de normas constantes de diplomas emanados de órgão de soberania com fundamento em ilegalidade por violação de estatuto de uma Região Autónoma e para declarar, com força obrigatória geral, a ilegalidade dessas normas ou de normas emanadas de órgãos regionais, com base naquela violação), superioridade relativamente às restantes leis, ainda que estas revistam a forma de leis de valor reforçado, pelo que tais estatutos, no plano da hierarquia das leis, se sobrepõem às demais – à excepção das leis de revisão constitucional –, posicionando-se, assim, entre estas e a Constituição;

– deste modo, a contraditoriedade de uma lei ordinária e um estatuto de Região Autónoma constitui “uma ilegalidade e mesmo uma inconstitucionalidade, pelo menos quando se trate de norma estatutária com directa habilitação constitucional”, pois que isso representa uma violação do “princípio constitucional da prevalência hierárquica dos Estatutos em face das restantes leis”, razão pela qual deverá o Tribunal Constitucional conhecer do vertente pedido;

– em face do que se prescreve no nº 2 do artº 97º, no nº 2 do artº 105º, no artº 117º e no nº 2 do artº 118º, todos do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM), são estas disposições de considerar como violadas pelos seguintes artigos do Decreto nº 94/X: –

– 3º, ao não consagrar algum “princípio destinado a garantir aos órgãos de governo próprio da Região os meios necessários à prossecução das suas atribuições, bem como a disponibilidade dos instrumentos adequados à promoção do desenvolvimento económico e social e do bem-estar e da qualidade de vida das suas populações”;

– 7º, nº 5, e 37º, números 2 a 7, ao minimizarem “a obrigação de o Estado suportar os custos das desigualdades derivadas da insularidade” e ao remeterem “para a fórmula de cálculo das transferências orçamentais”, já que isso implica ”uma diminuição das verbas a transferir por via do Orçamento do Estado” e “a redução significativa das receitas de IVA, bem como do Fundo de Coesão”;

– 35º, no ponto em que dele se extrai que a permissão de o Estado garantir pessoalmente os empréstimos a emitir pelas Regiões Autónomas, se converte em proibição;

– a par da violação das indicadas normas do EPARAM verifica-se também violação das alíneas i) e j) do nº 1 do artigo 227º da Constituição, visto que da leitura do nº 3 do artigo 229º desta, desligada do demais nela consagrado, não pode resultar que a matéria atinente às relações financeiras entre a República e as Regiões Autónomas está excluída da matéria estatutária, antes resultando da articulação daqueles preceitos que é acolhido constitucionalmente o princípio de harmonia com o qual os estatutos das Regiões Autónomas definem a matéria respeitante à autonomia financeira regional e, ao fazê-lo, à definição aí consagrada têm de se subordinar as restantes leis, aqui se incluindo as leis de finanças das Regiões Autónomas;

– e isso porque, tendo em atenção que a autonomia financeira das Regiões constitui uma das mais importantes vertentes da sua autonomia, integrando mesmo o núcleo fundamental do seu acervo material, a matéria a ela respeitante não poderia ser amputada ou subalternizada nos estatutos, antes se impondo necessariamente que aí seja conferido o respectivo tratamento, só ficando a cargo da lei de finanças das Regiões Autónomas a concretização dos princípios e normas definidoras da dita autonomia e no que concerne às relações financeiras entre o Estado e as Regiões, lei esta que haverá de respeitar as normas estatutárias;

– tendo em conta que, quando a Constituição prevê directamente a regulação de certas matérias nos estatutos das Regiões Autónomas, as normas destes que concretizem aquela previsão constitucional hão-de ser tidas, do ponto de vista constitucional, como materialmente estatutárias, terá de entender-se que da conjugação do nº 3 do artigo 229º com a alínea j) do nº 1 do artigo 227º, ambos da Constituição, se extrai que foi intento do legislador constituinte subordinar a lei de finanças das Regiões Autónomas às normas estatutárias que regem a definição da matéria relativa à disposição das receitas fiscais cobradas ou geradas naquelas Regiões, bem como a uma participação nas receitas tributárias do Estado e à distribuição de outras receitas que lhes sejam atribuídas;

– nesta parametrização, porque o nº 2 do artº 118º do EPARAM se conforma com a Constituição, concretizando o que nesta se prescreve na alínea i) do nº 1 do seu artigo 227º, os normativos das outras leis que contrariem aquele nº 2 igualmente violam esta última disposição;

– os artigos 19º, nº 1, 37º, números 2 a 7, 38º, números 2 e 3, e 66º do Decreto nº 94/X, ao restringirem de forma significativa para a Região Autónoma da Madeira as receitas de IVA (com uma diferença, para 2007, comparativamente com 2006, de € 3.790.000, e mesmo tendo em conta a compensação prevista), as transferências orçamentais (com uma diferença, para 2007, comparativamente com 2006, de € 34.000.000) e do Fundo de Coesão (com uma diferença, em 2007, em relação a 2006, de cerca de 50%), e ao imporem a entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2007, vêm criar graves entorses ao regular funcionamento democrático dos órgãos de governo próprio daquela Região, violando, por essa forma, os princípios do Estado de direito democrático, da confiança e do regime autonómico insular, previstos nos artigos 2º, 9º e 6º, nº 1, da Constituição, pois que, tendo os actuais titulares dos órgãos de governo próprio da Região Autónoma da Madeira sido eleitos em Outubro de 2004 e com mandato até 2008, estando vinculados aos seus programas de Governo, elaborados em face do quadro jurídico então vigente, perspectivando as previsões financeiras resultantes desse quadro, a mudança das regras deste constante, a meio do mandato, não pode deixar de ser visualizada como ofensa dos assinalados princípios, retirando a um governo regional legitimado pelo voto popular os meios financeiros para fazer cumprir o seu programa;

decorrendo dos artigos 225º, nº 1, 227º, nº 1...

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