Acórdão nº 06895/03 de Tribunal Central Administrativo Sul, 08 de Novembro de 2007

Magistrado ResponsávelRui Pereira
Data da Resolução08 de Novembro de 2007
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 1º JUÍZO LIQUIDATÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO Jorge ...

, com os sinais dos autos, veio interpor Recurso Contencioso de Anulação da Deliberação nº 13/2003, da Comissão Nacional de Protecção de Dados [CNPD], na parte em que nesse documento e na sequência da situação exposta a tal entidade, se concluiu que não se pode "afirmar que se esteja perante um "tratamento" de dados a que seja aplicável a Lei nº 67/98".

O recorrente imputa ao acto recorrido o vício de violação de lei, por inobservância do disposto nos artigos 2º, 5º, 6º, 7º, 11º, 14º, 15º, 27º e 28º da Lei nº 67/98, de 26 de Outubro, 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 34º, nº 1 da CRP, e 6º-A, nº 2, alínea b), 9º, 56º e 107º do CPA.

A entidade recorrida respondeu, suscitando a questão prévia da incompetência do Tribunal para conhecer da matéria, por a mesma pertencer ao Tribunal de Pequena Instância Criminal e, caso assim não se entenda, o improvimento do recurso [cfr. fls. 47/51 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

O recorrente respondeu à matéria da questão prévia suscitada, defendendo a sua improcedência [cfr. fls. 62/69 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

Notificado para apresentar alegações, veio o recorrente fazê-lo, tendo concluído nos seguintes termos: "A) A entidade recorrida, embora dispondo de meios legais para o efeito - artigos 22º e 23º da Lei nº 67/98, de 26 de Outubro, e artigos 5º e 6º do respectivo Regulamento - e lhe ter sido solicitado, não apurou os elementos de facto mínimos indispensáveis, pelo que a decisão recorrida viola a lei por erro de facto nos seus pressupostos e por infracção dos artigos 6º-A, nº 2, alínea b), 9º e 56º do Código de Procedimento Administrativo; B) A decisão recorrida viola ainda a lei ao considerar apenas relevante o tratamento automatizado de dados. Ora, em obediência aliás ao disposto no nº 7 do artigo 35º da Constituição da República e nº 1 do artigo 4º da Lei nº 67/98, o tratamento de dados pessoais pode não ser automatizado sem, por isso, deixar de lhe ser aplicável a lei; C) O "tratamento de dados pessoais" ou "tratamento" abrange, na própria definição da lei - artigo 3º, nº 1, alínea b) da Lei nº 67/98 - que é exemplificativa, "qualquer operação ou conjunto de operações sobre dados pessoais". A exemplificação contida no normativo citado, refere expressamente a recolha e a conservação de dados como operações de tratamento, pelo que carece de base legal a tese da entidade recorrida em contrário, com a afirmação de não se tratar de um conjunto estruturado uma vez que qualquer arquivo pressupõe uma estrutura organizativa; D) O âmbito da aplicação da Lei nº 67/98 é expressamente definido no nº 1 do seu artigo 4º, nada tendo a ver com a determinação duma finalidade, a definição de meios de tratamento ou a existência de responsável por esse tratamento; E) Tendo presente que a Lei Fundamental pretende a protecção de direitos, liberdades e garantias individuais, a recolha e tratamento de dados efectuada não pode deixar de considerar-se ilegítima - cfr. alínea b) do nº 1 do artigo 5º da Lei nº 67/98 - uma vez que só seria legítimo o tratamento se verificada alguma das condições estabelecidas no artigo 6º da Lei nº 67/98; F) No respeitante a comunicações, o sigilo abrange a proibição de revelação a terceiros das relações entre remetentes e destinatários - alínea b) do nº 4 do artigo 13º do Decreto-Lei nº 188/81, de 2 de Julho -, sendo notório que uma listagem de números de telefone contactados, a frequência com que o foram e, até, a duração do contacto corresponde a dados pessoais incluídos na esfera da vida privada e, como tal, direitos pessoais protegidos - artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e artigo 34º, nº 1 da Constituição da República".

A entidade recorrida contra-alegou, concluindo no sentido do improvimento do recurso [cfr. fls. 84/86 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste TCA Sul emitiu douto parecer, no qual conclui nos seguintes termos: "Na minha perspectiva, o acto recorrido dificilmente mereceria censura, visto tudo indicar que a Deliberação nº 13/2003 da Comissão Nacional de Protecção de Dados [onde aquele se contem] foi devidamente precedida das diligências consideradas pertinentes e legais, no âmbito das matérias e actividades da competência daquela entidade [vd. fls. 18 e segs., e artigos 22º e 23º da Lei nº 67/98, de 26 de Outubro]. Não parece pois enfermar dos vícios imputados pelo recorrente.

Efectivamente, e desde logo, a situação em causa de forma alguma indicia a existência de um conjunto estruturado de dados que, em razão da Directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 24-10-95, mormente do "considerando" nº 15 deste diploma, permitisse a aplicação do artigo 4º, nº 1 da Lei nº 67/98 [Lei de Protecção de Dados Pessoais].

Assim, e para alem de se revelar irrealista e desprovida de efeitos práticos a aplicação da Lei nº 67/98 a arquivos de papel guardados a esmo [como é o caso das referidas listagens de números de telefone remetidas pela Vodafone e Telecel à Alta Autoridade para a Comunicação Social, sem que aliás este organismo público tal solicitasse], sucede outrossim permanecer por demonstrar que esses extractos informativos detalhados tivessem qualquer "tratamento" ou fossem objecto de diferente e reprovável finalidade, a não ser a de servirem como prova de pagamento das despesas.

De salientar de resto, que as referidas facturas detalhadas não eram sequer objecto de qualquer registo de entrada na AACS [não seguindo por essa razão para despacho à respectiva Direcção de Serviços], sendo apenas processadas para pagamento à operadora telefónica, e arquivadas após a emissão dos cheques.

Pelas razões indicadas, afigura-se-me que o acto da Administração, de 21-1-2003 respeitou o quadro de legalidade, devendo ser mantido na ordem jurídica".

Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para julgamento.

  1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Com interesse para a apreciação do mérito do presente recurso contencioso, consideram-se assentes os seguintes factos: i.

    O recorrente é membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social [AACS].

    ii.

    Por requerimento datado de 17 de Abril de 2002, o recorrente solicitou ao Presidente da AACS que lhe fossem facultadas as listagens relativas ao telefone móvel que lhe estava distribuído [cfr. fls. 25/26 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

    iii.

    Em resposta, o Presidente da AACS remeteu ao recorrente em 18 de Abril de 2002 os documentos cuja cópia constitui fls. 27/32 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

    iv.

    Não satisfeito com o teor da resposta, o recorrente, por requerimento datado de 24 de Abril de 2002, reiterou o pedido de lhe serem fornecidas as listagens das chamadas correspondentes ao telemóvel que lhe estava atribuído [cfr. fls. 33/35 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

    v.

    Em resposta a tal pedido, o Presidente da AACS remeteu ao recorrente em 8 de Maio de 2002 o documento cuja cópia constitui fls. 36 dos autos, onde declarava "que nunca houve, não há, nem haverá listagens das chamadas" [cfr. fls. 25/26 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

    vi.

    Em face do teor dessa resposta, o recorrente, por requerimento datado de 28 de Maio de 2002, requereu ao Presidente da Comissão Nacional de Protecção de Dados [CNPD] o seguinte: "[...] a) Confirme, pelos meios ao seu alcance, o fornecimento à AACS das listagens dos telefonemas efectuados a partir dos telefones móveis entregues para uso privado dos seus membros, designadamente do que se achava em poder do requerente; b) Indague quem solicitou à TELECEL-VODAFONE o envio de tais listagens à AACS; c) Certifique se a AACS está devidamente inscrita junto dessa Comissão como entidade com legitimidade para possuir e manipular dados pessoais cuja confidencialidade está assegurada por Lei; d) Averigue em que condições tais dados pessoais se acham acessíveis na AACS; e) Aplique, à situação descrita, as sanções que a Lei prevê.

    " [cfr. fls. 1/3 do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

    vii.

    Instaurado processo de averiguações na CNPD na sequência do requerimento a que se alude em vi., o respectivo instrutor solicitou a audição por escrito do Presidente da AACS, remetendo um questionário com o seguinte teor: "1. A AACS disponibiliza telemóveis aos seus membros? Suporta o custo das chamadas e estabeleceu regras para a utilização dos telemóveis? 2. Existe algum controlo de custos e quem o definiu. O órgão colegial ou o Presidente? 3. Que elementos são utilizados para efeitos de controlo de custos? O controlo incide sobre o valor global e mensal da factura ou é feita uma verificação detalhada sobre as chamadas realizadas [vg. se são chamadas particulares ou de serviço, se há verificação do número de telefone chamado]? 4. Quem faz o controlo? Os titulares têm conhecimento do controlo efectuado e das regras estabelecidas? 5. O controlo é feito na base das facturas enviadas [em suporte de papel] ou são utilizados suportes automatizados para esse fim? 6. A AACS recebe facturação detalhada dos telefones? As facturas detalhadas são guardadas, destruídas, entregues aos titulares dos telefones ou arquivadas para servir de suporte ao pagamento? 7. Algum vogal solicitou, alguma vez, que a AACS pedisse à Telecel o não envio da facturação detalhada ou a entrega...

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