Acórdão nº 2171/09.1PAVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Julho de 2011

Magistrado ResponsávelJOAQUIM GOMES
Data da Resolução06 de Julho de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso n.º 2171/09.1PAVNG.P1 Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunta: Paula Guerreiro Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO 1. No processo n.º 2171/09.1PAVNG do 1.º Juízo Criminal do Tribunal de V. N. Gaia e em que são: Recorrente: Ministério Público Recorrido/Arguido: B… foi proferida sentença em 2011/Jan./26, a fls. 78-87, que condenou o arguido pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade da previsão do art. 25.º, al. a) do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22/Jan., na pena de 14 (catorze) meses, cuja execução ficou suspensa por igual período.

  1. O Ministério Público interpôs recurso em 2011/Fev./15, a fls. 91-105, pedindo que o arguido seja antes condenado pela prática de um crime de consumo de estupefacientes a previsão do art. 40.º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22/Jan., apresentando, em suma, as seguintes conclusões.

    1. ) O arguido foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade dos art.°s 21°, n° 1 e 25°, ai. a) do DL n.º 15/93, mas discorda-se dessa decisão, entendendo que a conduta global apreciada corporiza dois crimes do art. 40.° do mesmo diploma, um da exclusiva responsabilidade do arguido e outro da responsabilidade de terceiro, com eventual cumplicidade do arguido [1]; 2.º) Com efeito, num direito penal da culpa concreta como o nosso, se dois amigos decidem, cada um por si, adquirir (cada um e com o seu próprio dinheiro) 6 grs de estupefaciente para consumo próprio de cada um, há dois projectos criminosos autónomos, paralelos e não um [2-3]; 3.º) Não podendo afirmar-se que aquele (aleatoriamente determinado) que concretizou as aquisições, “cedeu” num sentido jurídico relevante, uma vez que, desde a aquisição (com o dinheiro do destinatário), o estupefaciente pertencia ao mesmo destinatário [4]; 4.º) O que se traduz também uma dupla penalização daquele a que aleatoriamente á atribuível mais um quid, pois que entendendo-se que ia “ceder” se afasta o quadro do falado art. 40.°: responsabiliza-se por dois projectos criminosos paralelos e autónomos e, porque se faz isso, agrava-se a moldura de cada um deles [5]; 5.º) E como se referiu, no domínio da questão de facto cuja alteração se pediu, não houve aqui, nem era para haver cedência a terceiro, mas sim entrega a terceiro (produto para consumo próprio deste), daquilo que ele já havia pago ao vendedor [6]; 6.º) Temos aqui um lugar paralelo (paralelo porque embora o estupefaciente estivesse ainda junto no momento da intervenção, enquanto resultado da conduta não era o mesmo) ao domínio das acções paralelas, domínio mais comum nos comportamentos negligentes, mas também presente em condutas dolosas [7]; 7.º) Não se tem por relevância neste contexto a circunstância de um só dos amigos, o arguido, ter abordado o vendedor para a aquisição do estupefaciente para si e para o outro, em sua representação [8]; 8.º) Mas a não se entender assim, então ela poderia, quando muito, relevar em sede de comparticipação e levar à punição do arguido como cúmplice, pelo auxílio prestado ao C… na aquisição, por este, do estupefaciente para consumo próprio [9]; 9.º) Sempre, porém, com afastamento da qualificação jurídica efectuada: imputação de toda a responsabilidade criminal ao arguido pelo crime do art. 25.° do DL n.° 15/93 e não do art. 24.º do mesmo diploma, por ter havido o projecto de “cedência” que afinal não o era [10]; 10.º) E condenação pelo crime de aquisição de estupefaciente para consumo próprio (6,088 grs líquidos de cannabis — resina), quando muito como cúmplice de um outro referente aos outros 6,044 grs [11].

  2. Autuado nesta Relação em 2011/Abr./26, o ilustre PGA em 2011/Abr./29, a fls. 114-115, emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, devendo até ser rejeitado, por se revelar manifestamente improcedente, desde logo porque não consta da matéria de facto a quantidade média diária de haxixe que o arguido consome.

    Mais acrescentou, fazendo ainda alusão ao disposto no art. 40.º do Dec.-Lei n.º 15/93, conjugado com o limite máximo previsto no art. 2.º da Lei n.º 30/2000, de 29/Nov., que alude “a quantidade necessária para consumo médio individual durante o período de 10 dias” e seguindo-se a interpretação do Ac. do STJ de 8/2008, de 25/Jun., que: “Sendo a sentença nesse específico completamente omissa e dizendo-nos a experiência que o haxixe sendo fumado, facilmente acarreta um consumo diário na ordem das uma/duas gramas ou até mais, forçoso é concluir que a quantidade apreendida seria insuficiente para garantir o consumo por mais de 10 dias e, que, por isso, a incriminação pretendida pelo Recorrente é insustentável, por comprovada falta de matéria de facto para a decisão”.

  3. Cumpriu-se o disposto no art. 417.º, n.º 2 do C. P. Penal, tendo-se colhido os vistos legais, nada obstando que se conheça do mérito do recurso.

    *O objecto do recurso cinge-se exclusivamente em saber se a conduta do arguido integra ou não um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade.

    * * *II. FUNDAMENTAÇÃO 1. A sentença recorrida No mesmo foram dados como provados os seguintes factos: 1. No dia 24 de Novembro de 2009, pelas 5:30 horas, o arguido encontrava-se sentado no lugar do condutor do veículo …, de matrícula ..-EB-.., estacionado na Rua …, em …, na companhia da testemunha C….

  4. Ao passar em carro patrulha pelo local e por terem achado suspeito a sua presença, urna patrulha da PSP a eles se dirigiu, vindo a encontrar pousado em cima do tablier da viatura 12,088 gramas líquidos de canabis (resina).

  5. O estupefaciente havia sido adquirido pelo aqui arguido em partes iguais com dinheiro próprio e do C… e destinava-se, uma parte, ao seu próprio consumo e, o restante, ao do C… a quem o arguido cederia para esse efeito.

  6. O B… tinha conhecimento das características estupefacientes e psicotrópicas do produto apreendido e sabia que o seu consumo e cedência eram proibidos por lei.

  7. Agiu livre consciente e voluntariamente bem sabendo que a sua era legalmente punida.

  8. O arguido é solteiro, não tem filhos, tem 22 anos de idade, é estudante e não aufere qualquer rendimento, reside em casa do pai.

  9. Tem como habilitações literárias o 12° ano de escolaridade.

  10. Foi condenado no âmbito dos seguintes processos: I. Sumário n.º 450/06.9PWPRT do 2° Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, por sentença proferida em 3/7/06 e transitada em julgado em 18/7/06 pela prática, em 2/6/06, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3° do DL 2/98 de 3/1 na pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 4, pena essa já declarada extinta pelo cumprimento; II. Sumaríssimo n.º 31/06.7PTVNG do 1° Juízo Criminal de Vila Nova de Gaia, por sentença proferida em 27/10/06 e transitada em julgado em 27/10/06 pela prática, em 8/5/06, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3° do DL 2/98 de 3/1 na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 2,50, pena essa já declarada extinta pelo cumprimento; III. Sumário n.º 115/06.1PTVNG do 2° Juízo Criminal de Vila Nova de Caia, por sentença proferida em 8/11/06 e transitada em julgado em 23/11/06 pela prática, em 7/11/06, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3° do DL 2/98 de 3/1 na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 12 meses, pena essa já declarada extinta pelo cumprimento; IV. Sumário n.º 39/07.5PTVNG do 2° Juízo Criminal de Vila Nova de Caia, por sentença proferida em 17/4/07 e transitada em julgado em 2/5/07 pela prática, em 26/3/07, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3° do DL 2/98 de 3/1 na pena de cinco meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, pena essa já declarada extinta; V. Comum Singular n.º 707/06.9PTPRT do 1° Juízo Criminal do Porto, ia secção, por sentença proferida em 11/12/07 e transitada em julgado em 23/1/08 pela prática, em 22/6/06, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3° do DL98 de 3/1 na pena de quatro meses de prisão, substituída por 110 horas de trabalho comunitário, pena essa já declarada extinta pelo cumprimento.

  11. Confessou a prática dos factos e declarou-se arrependido.

    *2. Fundamentos do recurso a) O crime de tráfico de estupefacientes O direito penal, atento o ancoramento que o mesmo deve ter na...

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