Acórdão nº 656/2007-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Maio de 2007
Magistrado Responsável | FÁTIMA GALANTE |
Data da Resolução | 17 de Maio de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I - RELATÓRIO "S, Limitada" intentou a presente acção, na forma de processo ordinário, contra "B, S.A.", pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 430.153,42, a título de indemnização, por violação de contrato de depósito celebrado - mau e indevido pagamento de cheques e ordens de pagamento -, para tanto alegando factos que, em seu critério, conduzem à procedência do pedido.
O Réu arguiu a ilegitimidade da A., mais alegando que a demandante estava vinculada ao dever de guarda e boa utilização dos cheques e que o seu "estado de descalabro" foi resultado da actuação exclusiva da própria, dos sócios e dos gerentes e não do pagamento de cerca de € 35.000,00 de cheques, em que os saques não foram verificados. Concluiu pela improcedência do pedido.
Seguiu-se a elaboração do despacho saneador, onde foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade da Autora, e a selecção da matéria de facto relevante.
Ao julgamento se procedeu, com a observância do formalismo legal, após o que se respondeu à base instrutória, sem reparos.
Foi, então, proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, por provada, assim condenando o Réu a pagar à A. a quantia de € 15.780,00, acrescida de juros legais, contados desde a citação até integral pagamento.
Inconformada, vem a A. apelar da sentença, tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões: 1. Na sentença recorrida, conclui-se que a ora Recorrente, Autora, e Recorrido, Réu Banco, celebraram um contrato de depósito bancário, o Contrato de Abertura de Conta, denominado de Conta Contrato.
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Conclui-se que o Recorrido, Réu Banco, procedeu ao pagamento de cheques, com saques irregulares.
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Conclui-se que sobre ele, Recorrido, Réu Banco, incumbia o dever verificar a regularidade do saque, sendo que tal dever é imposto por razões de ordem pública não podendo, por isso, ser afastada, por cláusulas de guarda ou boa utilização dos cheques.
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Conclui-se que o Recorrido, Réu Banco, não logrou provar que os aludidos pagamentos se deram por causa imputável à ora Recorrente, Autora, e depositante.
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Constando do contrato de sociedade, artigo quarto do contrato de sociedade, que a gerência da sociedade ora Recorrente, Autora, fica a cargo de dois gerentes, sendo obrigatória a assinatura de ambos para obrigar a sociedade, está-se a prever uma gerência plural e conjunta, para cujos actos de representação, e outros, é necessária a assinatura de ambos os gerentes, em conformidade com o disposto nos artigos 252 e 261, n. 2, ambos do C.S.C.
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Se o pacto social ou contrato de sociedade, como é o caso da ora Recorrente, Autora, estabelece que é necessária a intervenção de dois gerentes para obrigar a sociedade, esta, sociedade, não fica vinculada se só um deles intervém.
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O negócio concluído apenas com a assinatura de um dos gerentes é ineficaz em relação à sociedade por falta de poderes de representação se ela o não ratificar, tal como dispõe o artigo 268, do Código Civil.
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O Recorrido, Réu Banco, à revelia do contratado no respectivo Contrato de Depósito (artigos 1185 e ss. do Código Civil, e artigo 769 e 770 do mesmo diploma), começou a pagar cheques, independentemente do respectivo portador, apenas com a assinatura do J, Pessoa Singular.
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Contrariou assim as ordens contratuais e as características da forma de obrigar da Pessoa Colectiva, ora Recorrente, Autora, que exigia a assinatura dos dois Gerentes, violando o referido Contrato de Depósito e as demais normas bancárias.
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Incorreu em responsabilidade contratual por violação grosseira do preceituado no contrato estabelecido entre a Pessoa Colectiva ora Recorrente, Autora, e a Instituição bancária ora Recorrido, Réu Banco, advindo dessa responsabilidade o dever de indemnizar a Pessoa Colectiva, ora Recorrente, Autora, e lesada (artigo 483 e ss. e artigos 562 e ss., todos do C.C.).
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O Recorrido, Réu Banco, efectuou um mau e indevido pagamento de cheques, com saques irregulares, independentemente do respectivo portador.
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Mesmo que assim se não entenda, o que não se espera e crê, e sem prescindir, "Os gerentes devem praticar os actos que forem necessários ou convenientes para a realização do objecto social, com respeito pelas deliberações dos sócios.", dispõe assim o artigo 259 do C.S.C.
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Tratando-se de uma gerência plural e conjunta, a pratica de qualquer acto de gestão, administração e representação, actos esses necessários para prossecução do objecto social ou da actividade comercial da ora Recorrente, Autora, deve ser decidida e efectuada em conjunto pelos dois gerentes.
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Se tais negócios jurídicos requerem sempre e obrigatoriamente, afim de vincularem a Pessoa Colectiva, ora Recorrente, Autora, a assinatura e/ ou intervenção dos dois gerentes em conjunto, mas havendo apenas a intervenção de um só gerente, como sucede nos presentes autos, tais negócios não podem vinculam a ora Recorrente, Autora, sendo ineficazes em relação a esta sociedade por falta de poderes de representação no caso de ela o não ratificar (artigo 268, do C.C.).
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Mais uma vez se conclui que qualquer ordem de pagamento efectuado a fornecedores / credores da ora Recorrente, Autora, tendo por base tais negócios jurídicos, não a vinculam, sendo-lhe ineficazes.
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Para além disso, resulta da lei que a indemnização legal que decorre da presente demanda, compreende, para além de outros, o valor do que se perdeu (danos emergentes), bem como os ganhos deixados de obter (lucros cessantes).
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O Banqueiro responde sempre pelo pagamento indevido, ou seja, à margem dos termos convencionados, e negligente, de cheques, no qual haja violação categórica das disposições contratuais estabelecidas, incorrendo a Instituição bancária em responsabilidade contratual, perante os depositantes, na forma estabelecida nos artigos 798º e 799° do Código Civil, como acontece no presente caso.
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Se Recorrido, Banco Réu, tivesse devolvido aquele primeiro cheque, emitido apenas com a assinatura de um dos gerentes, quando eram exigidas duas assinaturas conforme contrato de depósito, com a informação de saque irregular, ou algum dos que se lhe seguiram, a sociedade ora Recorrente, Autora, teria tido conhecimento da má gestão e conduta desleal de um dos seus gerentes, já que seria necessário a ratificação de tal acto (cfr. artigo 268, do C.C.).
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A actuação do Recorrido, Réu Banco, tal como descrita nesta peça processual, contribuiu para o comportamento daquele gerente, um dos dois nomeados para aquele cargo, e, consequentemente, contribuiu para o descalabro total e completo da situação económica, financeira e fiscal da ora Recorrente, Autora.
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Comprova-se pelos documentos juntos aos autos durante audiência de julgamento, que o ano de 2002 foi o início da expansão da actividade comercial da Recorrente, Autora, tendo a mesma evidenciado resultados líquidos e um volume de vendas favoráveis à sua consolidação no mercado nacional, o que iria suceder-se no ano seguinte, 2003, não fosse a actuação ilegal e ilícita de um dos seus gerentes e o comportamento do Recorrido, Réu Banco que compactuou com aquela actuação durante aquele ano, 2003.
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Foram juntas provas documentais que atestaram a situação calamitosa da ora Recorrente, Autora, no final do ano de 2003 e início do ano de 2004... e mesmo só atentando no valor total dos cheques com saque irregular em causa nestes autos, só por si, tal valor, conduziria, com certeza, qualquer sociedade à uma situação económica, financeira e fiscal calamitosa.
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Tal situação contribuiu para a dissolução e liquidação da ora Recorrente, Autora em Fevereiro de 2004, já que a mesma não reunia as devidas e necessárias condições para manter ou continuar a actividade comercial a que se tinha proposto.
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Existindo má actuação por parte do Recorrido, Réu Banco, deve o mesmo ser responsabilizado por tal, pelo que, nos termos do disposto nos artigos 483, 486, 487, 562, 563, 565 e 564, todos do Código Civil, deve o mesmo ser condenado a pagar à Recorrente, Autora, a título de lucros cessantes, a quantia de 1.010.309,68 €, conforme peticionado.
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Sem prescindir, sempre se dirá que o Juiz "a quo", poderia socorrer-se do disposto rio n.º 2 do artigo 564 e n.° 3 do artigo 566, ambos do Código Civil, para determinar a indemnização a fixar no presente caso concreto.
Contra-alegou o Réu, que, no essencial, concluiu: 1. Estruturou a recorrente, a acção em termos de acção de indemnização por factos ilícitos susceptíveis de provocarem danos emergentes e lucros cessantes, da responsabilidade civil do B, assente na culpa.
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Embora estando provado que o Banco recorrido efectuou o pagamento de cheques e permitiu ordens de pagamento constantes do artigo 37º da. p.i., apenas no total de € 35.443,95, com a assinatura do gerente executivo, J, quando eram exigíveis a assinaturas de dois gerentes (Facto B dos Factos Assentes e artigo I° da B.I.).
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Também ficou provado que "cerca de metade do valor desses cheques foram pagos a credores da A" (Art° 6 da B. I.).
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Eram pois, pagamentos devidos que não acarretaram nem poderiam acarretar prejuízo a indemnizar à recorrida, porquanto eram dividas perante terceiros, eram exigíveis e, portanto, insusceptíveis de lhe provocar a cessação de qualquer lucro ou a. emergência de qualquer dano, bem pelo contrário.
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Se com a obrigação de indemnizar pretende-se reconstituir a situação anterior à lesão ou seja repor as coisas no estado em que estariam não fora a lesão ocorrida e se está aqui comprovado que em relação a cerca de metade do valor pago sem a assinatura de dois gerentes...
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