Acórdão nº 1298/2003-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 01 de Outubro de 2003

Data01 Outubro 2003
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam na Secção Social do Tribunal de Relação de Lisboa: (...) III. FUNDAMENTOS DE DIREITO 1.

A recorrente sustenta nas suas alegações que a decisão da autoridade administrativa, ao limitar-se a concordar com a proposta da Sra. Instrutora do processo, não contém os requisitos enumerados nas alíneas a) a d) do art. 58º do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo DL 433/82, de 23/10, com as alterações introduzidas pelos DL 356/89, de 17/10, e DL 244/95, de 14/09 [RGCO], pelo que tal decisão deve considerar-se nula, de harmonia com o preceituado nos arts. 379º, al. a) do n.º 1 do CPP, aplicável ex vi art. 41º, n.º 1 do RGCO.

Mas não lhe assiste qualquer razão.

Dispõe o n.º 1 do art. 58º do RGCO que a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: a) a identificação dos arguidos; b) a descrição dos factos imputados, com a indicação das provas obtidas; c) a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão e d) a coima e as sanções acessórias.

No caso em apreço, a decisão proferida pelo Sr. Delegado do IDICT da Delegação de Lisboa, na sua parte final, refere: "concordo com a proposta acima referida de fls. 32/36 dos autos, que aqui dou como integralmente reproduzida, passando a mesma a fazer parte integrante da presente decisão." A decisão da autoridade administrativa, ao remeter de forma, expressa e inequívoca para a proposta do Sra. Instrutora do processo, assumiu, como seu, o conteúdo da mesma proposta, que deu como reproduzida. Por isso, não pode deixar de se reconhecer que a decisão final da autoridade administrativa integra em si, também, o conteúdo da proposta do instrutor do processo, de onde constam todos os elementos referidos n.º 1 do art. 58º do RGCO, nomeadamente, os factos imputados à arguida e a indicação das provas, as normas jurídicas violadas e as que os punem como contra-ordenação, bem como a fundamentação da decisão.

Note-se que juntamente com a decisão foi a arguida notificada também do teor da respectiva proposta (cfr. fls. 26), de forma que esta ficou a saber, com exactidão, quais os factos que lhe eram imputados e respectivas provas, bem como as normas jurídicas que os punem e, ainda, as razões da aplicação da coima em concreto.

Como escrevem Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa (Contra-Ordenações - Anotações ao Regime Geral, Visilis Editores, 2001, 322), "os requisitos previstos no art. 58º para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional visam assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. Por isso as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos." Ora, o facto de a decisão do Sr. Delegado do IDICT ter em parte remetido para a proposta da instrutora do processo não retirou, no presente caso, clareza à decisão, nem deturpou ou truncou o seu conteúdo. E o direito de defesa da arguida não ficou minimamente afectado pelo facto de a autoridade administrativa ter decidido desta forma, como se verifica pelas alegações que produziu ao longo do processo nas quais revela, de forma clara e inequívoca, que compreendeu integralmente todos os factos que lhe foram imputados, a fundamentação da decisão, as normas violadas e as que punem a infracção cometida, bem como a medida da coima que lhe foi aplicada.

Na verdade, a proposta da Sra. Instrutora do processo está bem estruturada e fundamentada em termos de facto e em termos de direito, é clara e acessível para qualquer pessoa que a leia, razão pela qual se aceita e compreende, perfeitamente, que o Sr. Delegado do IDICT a tenha dado como reproduzida, assumindo-a como sua, o que equivale à sua transcrição integral.

Naturalmente que o Sr. Delegado podia transcrever a proposta na íntegra, mas parece-nos ser essa exigência desnecessária e demasiado burocrática, com prejuízo para a celeridade processual e sem qualquer vantagem adicional para a clareza ou para a defesa do arguido.

Além disso, há que ter em conta que o art. 25º, n.º 1 da Lei 116/99 [RGCOL] determina que "a instrução dos processos de contra-ordenações 4laborais será confiada a funcionários...". Se a instrução fica entregue a um funcionário que não tem competência para aplicar a coima, segue-se que, naturalmente, acabada a instrução, há-de tal funcionário elaborar um relatório, parecer, proposta ou qualquer documento onde vai propor, como resultado da sua actividade, a aplicação de uma coima ou o arquivamento do processo, podendo a decisão do Delegado consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos constantes dessa proposta, que constituirão nesse caso parte integrante do respectivo acto.

Finalmente, não se pode olvidar que a decisão do Delegado do IDICT é uma decisão de natureza administrativa e não uma sentença judicial, pelo que, em vez de se lhe aplicarem as normas dos arts. 374º e 379º do CPP que disciplinam a sentença judicial, se aplica, antes, a norma do art. 58º do DL 433/82 [RGCO].

Sustentar, como sustenta a recorrente, que devia o referido Delegado elaborar uma decisão com as características de sentença, designadamente com os fundamentos de facto e de direito, para além de representar uma violência e incongruência, já que ao contrário do que se passa nos tribunais com os juizes, aquele não presidiu à instrução, não assistiu à produção da prova, não houve imediação, e isso acabaria por levar a que os dirigentes dos serviços (os delegados ou...

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