Acórdão nº 4381/2003-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 01 de Julho de 2003
Magistrado Responsável | PIMENTEL MARCOS |
Data da Resolução | 01 de Julho de 2003 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.
A propôs acção de despejo com processo sumário Contra B e C Alega para tanto, em síntese, que: por carta de 23.05.97 tomou conhecimento de que em 08.11.96 se realizou a fusão, por incorporação, da 1ª na 2ª R, mediante a transferência global do património da sociedade incorporada para a incorporante, tendo o respectivo registo na CRC sido feito em 08.11.96, e não em 02.04.97 como constava dessa mesma carta; a autora não reconheceu nem reconhece ou aceita a transmissão do direito ao arrendamento da 1ª para a 2ª ré; à autora não foi comunicado atempadamente a transferência desse arrendamento, pelo que tem direito a resolver o contrato nos termos da alínea f) do nº 1 do artigo 64º do RAU, por violação das alíneas f) e g) do artigo 1038º do CC.
*A ré C foi devidamente citada e contestou, dizendo, em síntese, que: a 1ª ré é parte ilegítima em virtude da transmissão do direito ao arrendamento resultante da fusão, pois a mesma ficou extinta e não tem interesse directo em contradizer; não existe obrigação de comunicar ao senhorio a transmissão do direito ao arrendamento em virtude da fusão.
*Relativamente à ré B a autora desistiu da instância, a qual foi julgada válida por despacho de fls. 89.
Procedeu-se a audiência de julgamento, tendo sido respondido aos dois artigos da base instrutória conforme consta de fls. 146.
Seguidamente foi proferida a competente sentença, com absolvição da ré no pedido, com o fundamento de que as RR não tinham obrigação de comunicar à autora a fusão das sociedades.
Nela foi referido nomeadamente: A obrigação da locatária (art. 1038° CC) é a de não proporcionar a outrem o gozo do andar por meio de cessão onerosa ou gratuita. No caso poderia duvidar-se da existência de alteridade: o outrem é ela mesma, unida à incorporante. A questão todavia não é debatida, invocando-se apenas a falta da comunicação da vicissitude da locatária.
O que sucedeu no caso foi a transferência das relações da incorporada para a incorporante na globalidade, não se confundindo com nenhuma das situações identifica das no artigo 1038°.
A obrigação prevista na alínea. g) só existe, como nela se diz, quando a cedência se faz por algum dos títulos referidos na alínea anterior, ou seja por cessão onerosa ou gratuita (...) a palavra cessão está empregada em sentido específico e não no sentido genérico de transn1issão do gozo da coisa, para a qual o código utiliza a palavra cedência. A transmissão prevista no artigo tem fonte voluntária, é a título singular (...) a incorporação (...) produz directamente a transmissão, a título universal, do património da incorporada ( ...) a fusão não se íntegra em nenhum dos títulos referidos nas alíneas 1) e g) do artigo 1038 Da sentença recorreu a autora, formulando as seguintes conclusões: A) obrigação de comunicação, estatuída no art. 1038° do Código Civil, existe em qualquer caso de transmissão da posição contratual do locatário, incluindo a transmissão por incorporação.
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Tendo-se verificado uma fusão por incorporação, a transmissão do direito ao arrendamento não carecia do consentimento da senhoria, mas aquela transmissão devia ter-lhe sido comunicada, dentro de 15 dias a partir da data em que se consumou. Assim já se entendeu neste Tribunal superior .
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Não tendo sido efectuada, atempadamente, a notificação da transmissão do direito de arrendamento, esta transmissão é ineficaz em relação à senhoria, que, como tal, pode resolver o contrato de arrendamento.
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Assim não se entendendo, estaríamos perante a permissão de uma intolerável violação ao direito de propriedade, " escancarando-se" as portas a situações verdadeiramente fraudulentas e abusivas.
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O Tribunal a quo violou por má interpretação e aplicação o disposto nos artigos 1038° al. g) do Código Civil, bem como a alínea f) n° 1 do art. 64° do R.A.U.
Em contra-alegações formulou a ré as seguintes conclusões: 1. A fusão, por incorporação, da B na C, com transferência total do património para esta não configura qualquer trespasse.
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Não há, assim, lugar a qualquer autorização do senhorio em tal situação, e não sendo exigência legal a comunicação da fusão da inquilina ao senhorio, as sociedades envolvidas na fusão não têm, nem tinham que fazer tal comunicação.
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Na figura da fusão, não se verifica qualquer cessão de posição contratual.
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A fusão não se integra em nenhum dos títulos referidos nas alíneas f) e g) do art.º 1038° do Código Civil, uma vez que a previsão destas alíneas apenas abrange a cessão onerosa ou gratuita da posição do arrendatário, sublocação ou comodato.
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A douta sentença recorrida fez correcta interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso vertente.
**Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.
Da 1ª instância vêm provados os seguintes factos:
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Em 8 de Novembro de 1996 foi registada a fusão por incorporação de B em C com transferência total do património para esta.
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Por escritura de 4 de Junho de 1973, o primeiro andar do prédio com o número 70 da Rua... em Lisboa, foi, com destino a escritório comercial, dado de arrendamento a M pelo prazo de seis meses, renovável por iguais períodos e com início a 1 de Abril de 1973.
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E como contrapartida pela utilização do andar foi combinada a quantia mensal de 9.000$00, à data da petição fixada em 31.941$00, e a entrega da mesma em casa da senhoria, ou em local que esta indicasse, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeitasse.
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B passou a ocupar a posição de M.
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C comunicou à autora, por carta datada de 23 de Maio de 1997, que no dia 2 de Abril de 1997 havia sido registada na conservatória do registo comercial a fusão por incorporação de B.
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Até à carta referida em e), a ré nunca deu conhecimento da fusão à autora.
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A autora tem registado a seu favor a aquisição do andar em causa.
O DIREITO.
IO que está essencialmente em causa é saber se existia a obrigação de comunicação da fusão das sociedades à autora (senhoria da 1ª ré) e a consequente transmissão do arrendamento para a sociedade incorporante.
Como ficou provado, essa comunicação foi feita pela apelada (sociedade incorporante) em 23.05.97: B comunicou à autora, por carta datada de 23 de Maio de 1997, que no dia 2 de Abril de 1997 havia sido registada na conservatória do registo comercial a fusão por incorporação de B na ré (alínea e) dos factos provados).
E até ao recebimento desta carta, nunca a ré ou a anterior arrendatária tinham dado conhecimento à autora da fusão das sociedades. Todavia, o seu registo já tinha sido efectuado em 08.11.96 na competente conservatória.
*Nos termos do artigo 1038º do CC são obrigações do locatário: ...
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não proporcionar a outrem o gozo total ou parcial da coisa por meio de cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou o locador o autorizar.
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comunicar ao locador, dentro do prazo de 15 dias, a cedência do gozo da coisa por algum dos referidos títulos, quando permitida ou autorizada.
Prevêem-se aqui duas obrigações do locatário: não proporcionar a outrem o gozo da coisa (excepto se a lei o permitir ou o locador o autorizar) e comunicar ao senhorio a sua cedência, quando permitida ou autorizada, no prazo de 15 dias.
Nos presentes autos não é posta em causa a legalidade da cedência do direito ao arrendamento para a sociedade incorporante, em virtude da fusão das duas sociedades, sem necessidade de autorização por parte da senhoria (na verdade, não é necessária a autorização do senhorio para a fusão da sociedade arrendatária com outra).
Portanto, está assente que não é necessário o consentimento do senhorio para a transmissão do direito ao arrendamento da sociedade incorporada para a sociedade incorporante (em caso de fusão de sociedades por incorporação, como é o caso).
Todavia, a autora entende que era obrigação da ré fazer tal comunicação no prazo de 15 dias .... E, por isso, instaurou a presente acção com fundamento na alínea f) do artigo 64º do RAU, o qual estabelece que o senhorio pode resolver o contrato se o arrendatário sublocar ou emprestar, total ou parcialmente, o prédio arrendado, ou ceder a sua posição contratual, nos casos em que estes actos são ilícitos, inválidos por falta de forma ou ineficazes em relação ao senhorio, salvo o disposto no artigo 1049º do Código Civil.
Portanto, a autora teria direito à resolução do contrato em virtude de a cedência ser ineficaz em relação a ela por não lhe ter sido dado conhecimento da fusão no prazo...
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