Acórdão nº 2621/2003-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Junho de 2003

Magistrado ResponsávelSANTOS MARTINS
Data da Resolução24 de Junho de 2003
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I-Relatório A intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, emergente de acidente de viação, cuja petição foi apresentada em Juízo no dia 25 de Fevereiro de 1997, contra "B, Companhia de Seguros e Resseguros, S.A.", pedindo a condenação desta a pagar-lhe, a título de indemnização, por danos materiais e morais/não patrimoniais, o montante global de 37.160.350$00, a actualizar à data do pagamento e, "caso não viessem a provar-se alguns dos danos futuros invocados na petição", "deveria a correspondente indemnização ficar remetida para a data em que esses factos ocorrerem, até ao fim da vida da A.".

Fundamentando esse pedido, no essencial, alegou que: - No dia 22 de Fevereiro de 1994, pelas 20 horas, na Rua Lúcio de Azevedo, Lisboa, em frente ao nº 17, quando atravessava uma passagem para peões ali existente, foi atropelada pelo veículo automóvel ligeiro com a matrícula 33-88-AZ; - Em consequência desse acidente/embate, a A. sofreu diversas lesões e vários outros danos, que menciona, quer de ordem material, quer moral/não patrimonial.

- Tal acidente ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor da referida viatura, que não observou a regra de prioridade da passagem para peões; - A responsabilidade civil emergente de acidentes de viação, quanto àquela viatura, por contrato de seguro, encontrava-se transferida para a ré seguradora.

Para o efeito citada, a ré apresentou contestação (fls.22 a 26), impugnando, globalmente, os factos alegados pela A., respeitantes ao aludido acidente, bem como as consequências do mesmo para a A.

Concluindo, pediu a sua absolvição do pedido.

Na oportunidade, foi proferido o despacho saneador, seleccionada a matéria de facto considerada como assente e elaborada a base instrutória (neste caso, globalmente, por remissão para os factos alegados nos respectivos articulados), não tendo havido qualquer reclamação.

Procedeu-se a julgamento, findo o qual foram dadas as respostas à base instrutória.

Proferida a sentença (fls.187 e seg.s), como dela se mostra, foi a acção julgada parcialmente procedente e, em consequência, a ré condenada a pagar à A., a título de indemnização, por danos morais/não patrimoniais, a quantia de 19.203,75 euros, sendo aquela (ré) absolvida do demais peticionado. Inconformada com essa decisão, dela apelou a A. para esta Relação (fls. 199 a 202).

Apresentadas as alegações (fls.205 a 215), a apelante formulou as seguintes conclusões: 1. Não merece nenhum reparo, por parte da A. recorrente, a douta sentença apelada, na parte em que julga que o condutor do veículo 33-88-AZ, segurado pela R., foi o único culpado do atropelamento da A., no dia 22.02.94, ficando em consequência a R. obrigada a indemnizar a A. pelos danos causados pelo acidente; 2. A A. tinha 42 anos (doc. de fls. 51 e 184), é médica (artº 25º da B.I.), em 1995 (última declaração feita à data da propositura da acção), teve (juntamente com o marido) um rendimento de 23.077.715$00 (artº 30º da B.l.) e, em 2.000, 43.147.841$00 (doc. de fls. 155 a 168). Os rendimentos de ambos permitem à A. ter uma vida desafogada (artº 33º da B.l.); 3. Os danos certos causados à A. são os seguintes: - Sofreu traumatismo craniano, com perda de conhecimento, fractura da perna esquerda ao nível do joelho, escoriações e ferida (artºs 8º e 10º da B.I.); - Foi submetida a intervenção cirúrgica à perna, com anestesia geral, tendo-lhe sido colocado material de osteossíntese, prevendo-se a necessidade de nova operação para extracção desse material (artºs 11'e 49º da B.l.); - Sofreu dores fortes até ser operada e, após a operação, sofre dor, provocada pela marcha prolongada ou terreno inclinado e pela posição do joelho (artºs 35º a 37º da B.I.); - Ficou internada durante seis dias no hospital e, durante três meses, teve de andar com canadianas, com incapacidade para executar qualquer trabalho, mesmo em casa (artºs 13º a 17º da B.I.); - Ficou com incapacidade permanente parcial de 7% e sente incapacidade no desempenho da vertente cirúrgica da sua actividade profissional, que exige uma posição demorada em pé (artºs 21º e 50º da B.I.); - Ficou com uma cicatriz com os pontos de sutura marcados, com 15 cm, logo abaixo do joelho esquerdo, que não é possível eliminar e que é visível quando a A. usa saia; - Durante a recuperação da A., o marido viu-se obrigado a reduzir a sua actividade para dar assistência à A., sentindo-se esta causadora da preocupação e cuidados do marido (artºs 52º e 53º da B.l.).

4. Os danos futuros, mas previsíveis, são os seguintes: - A fractura da perna pode provocar degenerescência articular, que é uma doença progressiva, não tem cura e causa invalidez (artºs 38º e 43º); - Ficou com perspectivas de vir a sofrer de dores muito intensas (artº 42º da B.I.); 5. A douta sentença apelada assenta que os danos patrimoniais se reconduzem aos 160.350$00, referentes a tratamentos de fisioterapia, cujo quantitativo não se conseguiu provar, sendo o restante pedido da A. referente a danos não patrimoniais; 6. Ora, a A. não pode concordar com esta asserção, já que alega e prova diversos factos que consubstanciam danos patrimoniais, como sejam os referentes à invalidez, que traduz uma desvalorização de uso do corpo para o trabalho, mas também para a movimentação, para a diversão, para o descanso. Salvo o devido respeito, tudo isto é prejuízo patrimonial, que, não sendo quantificável rigorosamente, se calcula por estimativa que compense a A. dessa desvalorização; 7. Nos artºs 15º, 16º, 20º, 52º a 54º e 62º a 65º da p.i., a A. refere prejuízos relativos à incapacidade para o trabalho, tanto profissional como de casa e pede indemnização por essa invalidez. Salvo o devido respeito, estes pedidos envolvem uma componente patrimonial, embora, na p.i., não se diga expressamente que se considera prejuízo patrimonial, não parecendo que fosse necessário fazer essa referência expressa. Seja como for, há um dano e, nos termos dos artºs 483º, nº 1 e 562º do Cód. Civil, quem o provocou tem de indemnizar. A douta sentença apelada viola assim frontalmente estes normativos ao deixar de fora aspectos desse dano; 8. A douta sentença apelada desvaloriza o critério da situação económica do lesado para determinar a medida da indemnização, afirmando que não se pode admitir que os " sofrimentos físicos/as dores de um rico sejam cruamente compensadas diferentemente das de um pobre, pois que aceitá-lo teria implícito que as dores físicas de um rico, de um remediado e de um pobre seriam diversas"; 9. Ora, a A. pensa que, embora a dor física seja igual para todos os homens, a lei tem em consideração a diferença de situação patrimonial do lesado, porque uma indemnização de 116 contos anuais pode ser considerada insignificante para uma pessoa que tenha um rendimento mensal superior a 3.000 contos (caso da A.) e ser indemnização considerável para uma pessoa que tenha um rendimento mensal correspondente ao ordenado mínimo. Essa diferenciação não pode ser confundida com desigualdade de tratamento devido à condição social; 10. Há portanto aqui uma evidente violação, por parte da douta sentença apelada, nomeadamente, do artº 566º, nº 2 do Cód.Civil, que determina que a indemnização deve atender "à situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal"; 11. A douta sentença apelada também nega qualquer indemnização pelos danos futuros, por considerar que "eles têm de ser de verificação certa, ainda que o momento de verificação seja incerto" o que não será o caso dos danos futuros alegados pela A.; 12. Ora, conforme resulta do artº 564º do Cód. Civil e, entre outros, do acórdão do STJ, de 4.12.96 (BMJ 462- 396), os danos futuros são equiparáveis ao dano certo quando são previsíveis com segurança bastante e têm um grau mínimo de incerteza. E, no caso dos danos da A., o relatório do Instituto de Medicina Legal (fls. 116) afirma que as "sequelas referidas ao joelho esquerdo irão com grande probabilidade evoluir para um processo artrósico degenerativo "; 13. A douta sentença apelada também neste caso faz uma interpretação que, sempre salvo o devido respeito, consubstancia uma violação do artº 564º, nº 2 do Cód. Civil, ao não atribuir qualquer indemnização por esses danos futuros, violação que também existe para o caso de se julgar que não é possível desde já fixar o montante dos mesmos, pois, nesse caso, deveria ser remetida a sua fixação para o momento em que os mesmos fossem determináveis; 14. A A. pede na sua p.i. uma indemnização de 37.000 contos pelos prejuízos citados e a douta sentença apelada arbitra uma indemnização total de 3.850 contos (19.203,75 euros); 15. A indemnização de 3.850 contos atribuída pela douta sentença apelada não tem em conta nem a situação económica da...

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