Acórdão nº 1636/2003-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 29 de Abril de 2003

Magistrado ResponsávelPIMENTEL MARCOS
Data da Resolução29 de Abril de 2003
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa.

Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida em 04.03.2002 no Tribunal Judicial da Comarca da Moita e que condenou a ré no pedido.

J. FERNANDES instaurou acção declarativa de condenação, com processo sumário contra AUTO-MECÂNICA DO SUL, de C. e F, Ldª, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 1.400.000$00, equivalente ao dobro do sinal prestado, ou se assim não se entendesse, a devolver-lhe a quantia de 700.000$00 actualizada segundo os critérios do artº. 551º. CC.

Para tanto alega que a ré prometeu vender-lhe um veículo automóvel pelo preço de 2.000.000$00, e que, como sinal e princípio de pagamento, ele lhe entregou 700.000$00, sob uma dupla forma: um cheque de 50.000$00 e um veículo que o autor possuía nessa altura.

Mais alega ter ficado acordado que, no dia 15.9.1996, o autor entregaria à ré os restantes 1.200.000$00 e esta lhe entregaria o respectivo veículo.

Diz ainda o autor que na data acordada a ré se recusou a entregar-lhe o veículo, e apesar de ter insistido com ela pela entrega do mesmo ou quando muito pela devolução do sinal, o que é certo é que até à data a ré não lhe entregou o veículo objecto do contrato nem lhe devolveu o sinal.

**A ré foi regularmente citada, e deduziu o incidente de chamamento à autoria de A. CARRILHO.

Para tanto alegou que: o chamado era vendedor-comissionista da ré e prestou-lhe serviços da sua profissão; foi o chamado quem vendeu ao autor o veículo referido na petição inicial; foi ele quem recebeu o veículo do autor como componente do preço; o chamado agiu por sua conta e com condições muito suas, e em total inobservância das normas comerciais praticadas pela ré, uma vez que recebeu o veículo do autor pelo valor de 650.000$00, mas de imediato o vendeu por 400.000$00 a um terceiro, fez seus esses 400.000$00 e ainda prometeu ao autor, como bónus, vários extras a colocar no veículo, e, em consequência lesou a ré em algumas centenas de contos e nunca mais apareceu para prestar contas. Por isso, entende a ré que se tiver de indemnizar o autor terá direito de regresso contra o chamado.

O autor opôs-se a este chamamento. Todavia, por despacho de fls. 28 foi ordenada a citação do chamado nos termos e para os efeitos dos artºs. 327º, nº 1 e 328º, nº 2 do CPC.

O chamado foi citado e apresentou articulado próprio, dizendo em síntese: que prestou serviços à ré na qualidade de vendedor-comissionista, auferindo 20.000$00 por cada veículo vendido, e que foi nessa qualidade que indicou ao autor o veículo em causa, prestando as respectivas informações; que, no entanto, foi a ré quem o vendeu, pois era ela a sua proprietária; que é ela quem fixa o preço de venda, estipula o prazo de entrega e o limite dos descontos a fazer; que foi a gerência da ré quem assinou o contrato celebrado com o autor, uma vez que o vendedor não tem poderes para tal; que o vendedor age sob a direcção e ordens da ré; que reconhece que o dinheiro que o autor entregou como sinal está na sua posse, mas apenas porque a ré se recusa a recebê-lo.

A ré contestou, dizendo, em síntese: que dá por reproduzida a matéria de facto alegada no requerimento de chamamento à autoria; que nada prometeu vender ao autor, nem dele recebeu qualquer quantia; que o negócio referido na petição "foi todo ele conduzido pelo ora chamado... nas condições que ele próprio definiu", mas sempre à revelia da ré, e contra a sua prática comercial, pelo que não lhe pode ser imputada qualquer culpa pelo incumprimento do contrato; E termina dizendo que a acção deve ser julgada improcedente.

**O processo seguiu os seus trâmites normais, tendo sido proferido o despacho saneador, e elaboradas a especificação e o questionário, sem qualquer reclamação.

Realizou-se a audiência de julgamento, tendo sido respondido aos quesitos conforme despacho de fls. 167, sem qualquer reclamação.

Seguidamente foi proferida a competente sentença, tendo a ré sido condenada no pedido, ou seja, a pagar ao autor a quantia de 1.400.000$00 (agora 6.983,17 euros). Dela recorreu a autora, formulando as seguintes conclusões: 1. O chamado António Carrilho procedeu à venda do veículo em questão, contrariamente às instruções que detinha.

  1. Fez seu o sinal recebido, sem que até hoje o tenha devolvido 3. Vendeu o veículo de retoma, sem que para isso tivesse efectuado qualquer comunicação à recorrente.

  2. Esta não tomou, pois, conhecimento do negócio realizado.

  3. Quando teve conhecimento dos referidos factos, de imediato avisou o recorrido de que o contrato não poderia produzir efeitos, já que em momento algum a Recorrente participara nele.

  4. A relação estabelecida entre a recorrente e o chamado António Carrilho não consubstancia uma relação de comissão, donde resulta a inaplicação do art. 500º do C.C..

  5. Efectivamente, o chamado é um vendedor - comissionista, actividade que se traduz numa mera prestação de serviços.

  6. O António Carrilho não é, pois, um comissários pela que não pode a Recorrente ser responsabilizada como comitente.

  7. Actuou com total autonomia, sem efectuar qualquer comunicação à recorrente, e na mais completa má fé! 10. Como se pode inferir dos factos não provados, a contrario sensu, o chamado não agiu sob as ordens e direcção da recorrente e nem sequer, de acordo com as instruções desta. 11. Recebeu e fez seu o sinal prestado, pelo que se há lugar a devolução do mesmo, será o chamado o responsável e não a recorrente.

    O Apelado pede a confirmação da sentença.

    **Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

    Da 1ª instância vêm provados os seguintes factos: 1. O autor e um vendedor da ré, A. Carrilho, acordaram o fornecimento de um veículo automóvel de marca " MAZDA 121 Pack" de 5 portas, de cor verde nobre, com data de entrega em 15.9.1996, mediante a quantia de 2.000.000$00, entregando aquele 700.000$00 de sinal e beneficiando de 100.000$00 de desconto.

  8. O A. Carrilho recebeu para retoma o veículo FIAT UNO de matrícula --90-27 pertencente ao autor o qual foi avaliado em 650.000$00, e um cheque no valor de 50.000$00.

  9. O documento relativo ao acordo referido em 1 foi assinado por pessoa em representação da gerência.

  10. Em 15.9.1996 a ré não entregou ao autor a viatura referida em 1.

  11. Nem devolveu a quantia entregue a título de sinal (valor do cheque e do veículo entregue para retoma).

  12. O chamado A. Carrilho não entregou à ré qualquer quantia recebida do autor.

  13. Por despacho proferido em 20.11.1998 foi arquivado o inquérito contra A. Carrilho pelo crime de abuso de confiança, conforme documento de fls. 101 e 102, por não ter sido deduzida queixa pelo ofendido.

  14. O chamado A. Carrilho realizou o acordo referido em 1 contra instruções expressas pela ré. E acordou no desconto de 100.000$00 aludido ma alínea A da especificação sem autorização da ré.

  15. E valorizou o veículo de retoma por 650.000$00, ou seja, em valor superior ao valor comercial que o veículo tinha.

  16. O chamado vendeu o mesmo veículo a C. Pinto, na sucursal da TOYOTA, em Cabanas, Palmela, por valor não concretamente apurado, mas não superior a 400.000$00.

    11. O chamado não estava autorizado pela ré a fornecer os extras prometidos como bónus (rádio, tapetes, alleron, faróis de nevoeiro, e pintura dos retrovisores laterais na cor da carroçaria).

    Factos não provados 1. O chamado agiu sob as ordens e direcção da ré.

  17. E de acordo com as instruções desta.

    O DIREITO Questões a decidir:

    1. Qual a relação jurídica existente entre o chamado e a ré/apelante; B) Se existe o dever de indemnizar por parte da ré.

    IO autor fundamenta a sua pretensão na existência de um contrato-promessa que teria celebrado com a ré e pelo qual esta teria prometido vender-lhe um determinado veículo automóvel.

    Daí que, perante o incumprimento pela ré desse contrato, venha o autor pedir que aquela seja condenada a devolver-lhe o sinal em dobro, ou, caso assim não se entenda, em singelo, mas actualizado nos termos do artigo 551º do C.C.

    A ré defendeu-se dizendo que não entregou o veículo ao autor porque o contrato foi celebrado por um vendedor-comissionista ao arrepio das suas instruções e da sua prática comercial. E diz ainda que logo que se apercebeu desse facto alertou o autor no sentido de que tal contrato não poderia produzir os seus efeitos. Finalmente alega que não foi a ré quem recebeu o sinal pago pelo autor, mas sim o "comissionista", pelo que nunca poderia ser condenada a "devolver" uma coisa que não recebeu.

    Pode ler-se na douta sentença recorrida: «O Tribunal apurou que o autor celebrou o acordo para a compra do veículo MAZDA com "um vendedor da ré, A. Carrilho".

    É certo que foi alegado pela ré e pelo chamado que este último, o A. Carrilho era um "vendedor-comissionista" que trabalhava com a ré, e foi nessa qualidade que negociou com o autor. Simplesmente, essa relação entre a ré e o chamado não foi devidamente averiguada nestes autos. Tal facto - o contrato de comissão - nem foi incluído na especificação nem foi incluído no questionário. Apenas ficou assente, na alínea A da especificação, que o autor celebrou um contrato com "um vendedor da ré". É certo que esta expressão não é unívoca, pois ficamos sem saber se a pessoa em causa era empregado da ré ou, como se alega, era apenas "vendedor-comissionista". Mas, por outro lado, está provado que o documento relativo ao acordo feito entre o autor e o dito Carrilho foi assinado por pessoa em representação da gerência. Deste facto incontroverso podemos concluir pela vinculação da ré ao acordo celebrado.

    Com efeito, a primeira questão a decidir é saber quais as relações existentes entre a ré e o seu "vendedor". E isto porque uma coisa é certa: mostra-se provado (e aceite pelas partes) que foi celebrado o aludido contrato promessa de compra e venda e que o mesmo não foi cumprido pela ré, uma vez que não entregou o veículo ao autor, não obstante este ter entregue o aludido sinal ao dito "vendedor".

    Nesta conformidade, e tendo em atenção o preceituado no artigo 442º do C.C., haveria...

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