Acórdão nº 8205/2002-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Novembro de 2002

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução19 de Novembro de 2002
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Apelação 8205-02/7ª I - A intentou acção declarativa com processo sumário contra MASSA FALIDA DE B Ldª, e CREDORES DA MASSA FALIDA, pretendendo que lhe seja reconhecido o direito de propriedade sobre uma fracção de um prédio, adquirido por usucapião, e que seja ordenado o registo da aquisição e o cancelamento dos registos de penhoras e de hipotecas que sobre o mesmo pendem.

Alega para tanto que a B, Ldª, em 13-2-79, celebrou com C um contrato-promessa de compra e venda da referida fracção, tendo ficado acordado entre ambos que este passaria a ocupá-la como se fosse sua, tendo pago à promitente vendedora a totalidade do preço acordado.

O referido C cedeu ao A. a sua posição contratual, mas a escritura pública de compra e venda não chegou a realizar-se, por recusa do administrador da massa falida.

O A., por si e através do cedente da posição contratual no contrato-promessa de compra e venda, exerce sobre a fracção uma posse conducente à usucapião.

Contestou D, na sua qualidade de credora hipotecária, com garantia sobre a fracção em causa, pedindo a improcedência da acção.

Saneado e condensado o processo, efectuou-se o julgamento, após o que foi proferida sentença que considerou procedente o pedido de reconhecimento do direito de propriedade adquirido por usucapião.

Apelou D e concluiu que:

  1. O A. peticionou reconhecimento do direito de propriedade da referida fracção bem como cancelamento das hipotecas constituídas a favor de D que incidem sobre a mesma.

  2. Assim, diferentemente do que vem dito na sentença, deveria ter também conhecido expressamente do pedido formulado pelo A. quanto às hipotecas que oneram a fracção em causa, dada a matéria de facto dada como assente, já que inexiste qualquer prejudicialidade no seu conhecimento ainda que venha reconhecido ao A. o direito de propriedade por usucapião.

  3. Sendo a usucapião um modo originário de aquisição do direito de propriedade há que clarificar devidamente se, em consequência do seu eventual reconhecimento, se devem considerar ou não extintos quaisquer ónus que incidam sobre o imóvel em questão, e nomeadamente as hipoteca constituídas a favor da D.

    d)Tanto mais que a posse fundadora da usucapião que pretensamente vem reconhecida ao A emerge do contrato promessa de compra e venda celebrado em 13-3-79 e as hipotecas encontram-se registadas em 26-9-77 e 22-3-78.

    e)Referindo-se que a posse retroage à data do seu início, nos termos da al. c) do art. 1317º do CC, o que levaria a crer, portanto, que se mantêm as referidas hipotecas não se percebe que, depois, venha a concluir que não cabe no âmbito deste processo conhecer esta questão.

  4. Em suma, em face do expresso pedido formulado pelo A e face à contestação apresentada pela credora hipotecária, aqui recorrente, a douta sentença recorrida deveria ter-se pronunciado expressamente quanto à subsistência ou não das referidas hipotecas.

  5. Não o tendo feito a douta sentença recorrida violou o disposto na primeira parte do n° 2 do art. 660º do CPC, sendo nesta parte, nula nos termos da al. d) do nº 1 do art. 668º do mesmo diploma legal.

    h)Por outro lado, a posse invocada pelo A. vem fundada no contrato-promessa de compra e venda do referido bem celebrado entre a falida B e o anterior promitente comprador, o C, que cedeu a sua posição contratual ao A.

  6. A usucapião sendo uma forma de aquisição originária do direito de propriedade só pode ser invocada por alguém que não tenha qualquer outro titulo ou forma de aquisição da propriedade.

  7. promitente comprador ou executa o contrato promessa celebrado e obtém esse efeito, ou então exige a indemnização a que tem direito por incumprimento definitivo deste mesmo contrato.

  8. A tradição da coisa na sequência e em razão do contrato-promessa não confere a posse mas sim a mera detenção e, por isso, é insusceptível de fundar uma aquisição por usucapião, uma vez que o possuidor sabe que não possui titulo translativo eficaz, e nessa medida nunca podendo conduzir a aquisição de domínio.

  9. A posse para efeitos de aquisição do direito de propriedade por usucapião é a posse strictu sensu e não a posse precária ou detenção - é o que resulta do disposto no art.1290° do C.C. que expressamente refere que os detentores ou possuidores precários não podem adquirir para si, por usucapião o direito possuído, excepto achando-se invertido o titulo da posse.

  10. Não obstante ter obtido a entrega do bem antes do negócio translativo, o A. pode ter adquirido o corpus possessório, mas não assume o animus possidendi, ficando assim na situação de mero detentor.

  11. Assim sendo, a posse invocada nos autos é necessariamente uma posse precária que não é passível de fundar uma aquisição de domínio do bem.

  12. Além do mais, como já se referiu, tendo o A. reclamado no âmbito da falência da promitente vendedora o crédito respeitante à indemnização devida por incumprimento do contrato promessa de compra e venda e o reconhecimento do seu direito de retenção reconhecido por sentença transitada em julgado no âmbito do processo n° 626/99 que correu termos na Ia secção da 14ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, parece evidente que, tendo embora a detenção da coisa, deixou de ter o "animus rem sibi habendi" p) O A. não pode reclamar na falência um seu crédito emergente deste mesmo contrato promessa, invocando aí o direito de retenção que lhe foi reconhecido judicialmente e, depois, nesta sede, ver reconhecido um pretenso direito de propriedade sobre o mesmo bem com base na usucapião fundada nesse mesmo contrato-promessa.

  13. Ao decidir como decidiu a douta sentença recorrida violou o disposto nos arts. 1287º e 1290º, ambos do CC.

    Houve contra-alegações.

    II - Factos provados: 1.A falida B celebrou, no dia 13-2-79, com C, um contrato-promessa de compra e venda pelo qual declarou prometer vender-lhe, ou a quem este...

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