Acórdão nº 0098533 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Fevereiro de 2001

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2001
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: No presente processo comum com intervenção de tribunal singular proveniente do Tribunal da comarca de Ponta do Sol, o arguido (A) foi condenado pela autoria de um crime de abuso de confiança fiscal, p.p. nos art.ºs 24°, nºs 1 e 5, e 30º, nº 1, do RJIFNA, na pena de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos.

Como no respectivo julgamento o M. P .o e o arguido não prescindiram da documentação das declarações nos termos do artº 364°, nº 1, do CPP, a prova produzida em audiência foi integralmente registada em suporte magnetofónico.

Três dias depois da leitura da sentença condenatória, o arguido requereu que lhe fosse facultada a acta de julgamento, incluindo a transcrição integral das declarações prestadas na audiência de julgamento. Todavia, a Mmª Juíza veio a proferir o seguinte despacho (transcrição): Req. de fIs. 199 Faculte a copia requerida. atestando a sua conformidade com o original, da acta de audiência de discussão e julgamento, e da sentença nos autos proferida.

Consigne nos autos a sua entrega. à ilustre mandatária.

DN Requer o arguido a transcrição integral da prova pela Secretaria, da qual pretende que seja entregue certidão da transcrição. para preparação e interposição de recurso, atempado, sob pena de existir justo impedimento, nos termos dos artºs 100º, nº 1, 101°, nº 1, 363°, 364°, 411°, nº 1, 412°, nºs 3 e 4 e 107°, todos do CPP.

Não se nos afigura existir qualquer fundamento legal para o pedido formulado.

O auto referido no nº I do artº 101°, do C PC, pode ser feito com o recurso aos meios aí referidos, entre os quais a gravação em fita magnética. E o nº2 do artº 101° do CPP não se refere às gravações magnetofónicas ou audiovisuais, mas apenas e tão só quando forem usados meios estenográficos ou estenotípicos ou outros diferentes da escrita comum, pelo que não há que fazer, como é óbvio transcrição alguma. De resto, o nº 2, do artº 10°, do CPP a elas não se refere.

Pretendendo o arguido, recorrer da matéria de facto, terá este que especificar os pontos que considere incorrectamente julgados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida e as provas a renovar, sendo que nestes dois últimos casos b) e c) do artº 412°, do CPP. E, nesse caso, mostrando-se a prova gravada, terá o recorrente que fazer referência aos suportes técnicos onde está registada a prova, que motiva a sua discordância com a matéria de facto provada. havendo só nessa parte a transcrição. a qual incumbe ao recorrente, sob pena de rejeição de recurso, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda, por nesta matéria ser de aplicação o disposto no artº 690°-A do C PC "ex-vi" artº 4° do CPP.

Pretendendo o arguido ter acesso à prova gravada, terá que apresentar nesta secretaria, as cassetes necessárias para a duplicação das mesmas. a fim de depois dar cumprimento às disposições atrás indicadas.

Pelo que se expôs, vai indeferido nesta parte o requerido, o qual não suspende o prazo de recurso. que se mostra em curso. e não constitui justo impedimento à interposição do recurso pelo arguido, como sustenta.

Condena-se o arguido em taxa de justiça do incidente, que se fixa em 1/2 UC, rios termos do art.o 84° do CCJ Notifique.

Foi da sentença condenatória - e também, implicitamente, do referido despacho - que o arguido recorreu para esta Relação e, da sua motivação, concluiu que (transcrição ): a) Em primeiro lugar.

da acta de audiência de julgamento não consta qualquer documentação das declarações prestadas oralmente, sendo certo que tal documentação se afigura no caso vertente obrigatória por não ter havido a declaração unânime a que alude o art.o 364° do CPP b) Na verdade e à luz das disposições 99º/1 e 2, 100°/1 e 2, 363°, 364° e 412°/4, todos do CPP, a documentação das declarações não equivale minimamente à simples identificação, como a que foi realizada, do suporte técnico em que as mesmas foram registadas, mas exige, pelo contrário, a sua transcrição pelo funcionário competente, e mediante verificação pela Mª Juíza de Direito que presidiu à audiência, 'antes da respectiva assinatura.

  1. A falta, no sentido acabado de apontar, da documentação em acta das declarações prestadas oralmente, constitui irregularidade nos termos do art.o 123° do CPP, a qual determina a invalidade do acta; d) Verifica-se, em segundo lugar, que os factos dados como não provados sob os pontos n.º 1a 5 da Sentença ora recorrida (fls. 185), deviam, pelo contrário, ter sido dados como provados, por duas ordens de razões; e) Num primeiro nível, e especificamente quanto à parte desses factos acima identificada nas alíneas a) a d) do ponto 22., em face dos documentos juntos à Contestação como docs. 2 e 8, bem como de toda a prova prestada oralmente, na medida em que tais factos foram afirmados pelo Arguido nas suas declarações, bem como pela testemunha(T) não tendo sido contrariados por qualquer uma das outras testemunhas, ou quaisquer documentos; f) Num segundo nível, agora quanto a tais factos no seu todo, verifica-se que deveriam ter sido dados como provados, atendendo ao princípio do in dúbio pro réu, na medida em que o próprio Tribunal a quo não afirma qualquer convicção quanto à sua falsidade, mas tão só quanto ao seu carácter duvidoso (cfr. supra ponto 23.); g) Verifica-se, em terceiro lugar , e em face da matéria de facto dada como provada, bem como daquela que o deveria ter sido à luz do que se acabou de expor, que o não pagamento das prestações de IVA pelo Arguido se ficou à impossibilidade involuntária da sua parte de cumprimento de todos os respectivos compromissos, tendo aquele sido preterido em prol do pagamento a trabalhadores, segurança social e fornecedores; h) Sendo o dever de pagamento a estes últimos de valor pelo menos idêntico ao do pagamento do IVA, resulta estar verificada a causa de exclusão da ilicitude consagrada no art. 36° do CP; i) Verifica-se, em quarto e último lugar , que o crime de abuso de confiança fiscal, pressupõe, constituindo elementos do respectivo tipo penal, que: haja um efectivo e verdadeiro devedor do imposto, distinto do agente do crime, que o não é; aquele primeiro haja entregue a este último a prestação tributária por si devida, para que este, por sua vez, a entregue aos Cofres do Estado; e este último não proceda a tal entrega aos Cofres do Estado; j) Todavia, no que toca à realidade do imposto que é o IVA, ao seu regime legal, é notório, à face da Lei e por tudo o que acima ficou dito, que não é o consumidor final o efectivo e verdadeiro devedor da prestação tributária a titulo de IVA, mas sim o respectivo prestador de serviços (lato sensu); l) Pelo que desde logo, não se verifica no caso vertente, para além da inexistência de qualquer depósito de confiança que mereça tutela penal, um dos elementos do tipo penal em questão; m) No caso de assim se não entender, considerando que a conduta do Arguido se enquadra no artigo 24° do DL 20-A/90, tal disposição legal estará então ferida de inconstitucionalidade (artigos 8°/I e 27°/I e 2, ambos da Constituição da República Portuguesa), por corresponder, no fundo e independentemente da terminologia utilizada, a uma verdadeira "prisão por dividas", no sentido de que criminaliza, com pena de prisão, o não pagamento de uma simples divida ao Estado, como tal vedada pelos...

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