Acórdão nº 0068112 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Abril de 1998
Magistrado Responsável | SANTOS BERNARDINO |
Data da Resolução | 23 de Abril de 1998 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1. (A) e mulher (B) e (C) e mulher (D) intentaram, no Tribunal Judicial da comarca do Cadaval, contra (E) e mulher (F) e (G) e marido (H), acção com processo sumário na qual, invocando a qualidade jurídica de comproprietários de 1/5 indiviso (cada casal) de um pátio com a área de 290 m2, sito no lugar de (Y), freguesia de Lamas, concelho do Cadaval, que confronta do sul com os réus, pedem que: - Os primeiros réus sejam condenados a demolir as edificações que abusivamente construíram no dito pátio, desocupando todo o terreno ocupado, com a área de 15 m2 (6m x 2,5m); ou - no caso de improceder tal pedido - condenados a fechar as cinco janelas, uma porta e uma varanda do seu prédio, que deitam directamente para o pátio dos autores, e ainda a escoar a água do seu beirado norte para outro terreno que não o mencionado pátio; e - os segundos réus condenados a fechar a porta, janela e vão abertos na parede norte - que se acha implantada na linha de extrema - da sua casa de habitação, e a destruir e retirar do pátio aludido a casinha de tijolo, vasos de flores e pedras que ali abusivamente colocaram. Contestaram, em peças separadas, os dois grupos de réus. Os primeiros réus invocaram, antes de mais, a ilegitimidade dos autores. Quanto à matéria da causa sustentaram que adquiriram, por compra, em 21/7/89, a sua casa de habitação, a qual possuía, desde há mais de 25 anos, uma porta e duas janelas viradas para o pátio referido pelos autores, correndo desde sempre para o dito pátio o seu beirado do lado norte. Em 1991 mandaram proceder à alteração da velha casa, mas de modo a ser escrupulosamente respeitada a sua área coberta. As duas janelas laterais actualmente existentes no rés-do-chão mais não são do que a substituição das anteriores; e a do meio é a anterior porta que ali existia, que foi mudada para o topo nordeste. Abriram, é certo, duas janelas no 1. andar, mas fizeram-no respeitando os pareceres técnicos e para garantir a necessária salubridade da sua casa, aproveitando a servidão de vistas adquirida através das janelas e da porta que deitavam para o pátio. No que concerne à porta e varanda referidas pelos autores, elas não deitam directamente para o pátio; e o beirado norte do seu prédio está a correr para o dito pátio tal como para lá sempre correu o beirado da casa antiga que aquele veio substituir. Em consonância com a deduzida defesa, os réus concluíram por pedir a sua absolvição da instância, na procedência da arguida ilegitimidade dos autores; ou, a improceder tal excepção, a sua absolvição do pedido, por improcedência da acção. Por seu turno, os segundos réus começaram igualmente por excepcionar a ilegitimidade dos autores. Em sede de impugnação alegaram que a sua casa de habitação está construída há mais de 30 anos, com portas e janelas a deitar para o pátio comum. Nela vivem há mais de 15 anos, sempre utilizando o referido pátio, de boa fé, de forma pacífica e com o conhecimento dos autores. Esta casa, que pertenceu aos pais da ré, destinava-se antes a curral de animais, e a respectiva porta e janela, então e agora existentes, davam para o pátio comum de serventia. Há mais de 20 anos, e ainda em vida dos pais da ré, foi melhorada e transformada em habitação, embora sem o mínimo de condições, mantendo, porém, as referidas porta e janela. Os pais da ré sempre se serviram pela dita porta - e nem nunca existiu outra - o mesmo se passando com os réus; e a janela sempre deu para o pátio. O telhado, quer do antigo curral quer da actual habitação, sempre gotejou para o pátio. Além disso, os réus adquiriram, por compra, um palheiro, construído há mais de 30 anos, com uma porta que sempre deu para o pátio em questão, ficando comproprietários de 1/5 indiviso deste pátio. Finalizando o seu articulado, pedem estes réus a sua absolvição da instância ou do pedido - nos moldes já referidos para os seus co-réus - e a condenação dos autores como litigantes de má fé. Os autores responderam às excepções deduzidas pelos réus, defendendo a sua improcedência. No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade dos autores. Elaborados a especificação e o questionário seguiu o processo a sua normal tramitação. Os réus (E) e mulher interpuseram recurso de agravo do saneador - recurso que foi admitido para subir diferidamente, com o recurso da decisão final. Já depois de indicadas as provas, os primeiros réus vieram apresentar articulado superveniente, no qual alegam que, posteriormente à propositura da acção, adquiriram a (C) e mulher, por escritura pública de compra e venda de 28/11/96, o prédio identificado na alíneas D) da especificação e 1/5 indiviso do pátio já muitas vezes referido; para concluírem que, sendo actualmente comproprietários do dito pátio, devem ser desatendidas as pretensões que, quanto a eles, os autores formulam. Os autores responderam a este novo articulado. A final veio a ter lugar a audiência de discussão e julgamento e a ser proferida sentença na qual a Mma. Juíza julgou a acção parcialmente procedente, absolvendo os primeiros réus dos pedidos contra eles formulados, e condenando os segundos réus a destruir e retirar do pátio a casinha de tijolo para guardar as bilhas de gás, absolvendo-os dos demais pedidos contra eles formulados. Os autores interpuseram, da sentença, o pertinente recurso de apelação. E nas alegações que oportunamente apresentaram formulam as seguintes conclusões: 1. - Os autores não concordam com a sentença recorrida na parte em que declara que estão a cometer abuso de direito; 2. - A sentença recorrida considera que os autores têm direito a mandar tapar as janelas e portas dos prédios dos réus, como peticionaram, por estas estarem abertas na linha de extrema entre este prédio e um pátio de que os autores são comproprietário, mas seguidamente nega-lhe o exercício desse direito por entender que seria abusivo; 3. - Sustenta o abuso de direito apenas no facto de a acção ter sido instaurada três anos após as obras dos primeiros réus e quinze anos após as obras dos segundos réus, afirmando que existe aqui uma modalidade especial de "venire contra factum proprium", a "verwirkung"; 4. - Segundo Baptista Machado, citado pela sentença recorrida, é preciso, para se verificar esta modalidade de abuso de direito, além do decurso do tempo, uma particular conduta do titular do direito que levará a contraparte a criar a convicção fundada que ele não virá a ser exercido e, em consequência dessa confiança, a orientar a sua vida, tomar medidas e investimentos, que seriam agora prejudicadas com o exercício tardio do direito; 5. - Todavia, nenhuma destas circunstâncias se verificou no caso vertente: não foram sequer alegadas, nem muito menos provadas. Não se negando a possibilidade do conhecimento oficioso do abuso de direito, nega-se porém, que o Tribunal possa estribá-lo em factos e circunstâncias inexistentes, por não alegados e não provados nos autos; 6. - Além disso, toda a doutrina e jurisprudência é unânime em considerar que só existe abuso de direito quando o exercício desse direito constitui uma manifesta, clamorosa e chocante ofensa ao sentimento de justiça socialmente consagrado - o que não seria, obviamente, o caso; 7. - Não se provaram, nem alegaram, prejuízos dos réus com as pretendidas tapagens, até porque eles não existem, visto os seus prédios terem saídas e janelas para o outro lado, confinante com a via pública, como provam as certidões prediais juntas aos autos; 8. - Não existe, pois, abuso de direito e portanto a acção devia ter sido julgada totalmente procedente. Assim não julgando, o Tribunal "a quo" aplicou indevidamente o artigo 334 do Código Civil e não aplicou, como devia, o disposto nos artigos 1360 n. 1 e 1365 n. 1 do mesmo Código; 9. - A considerar-se existir abuso de direito em virtude de já existirem, há muitos...
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