Acórdão nº 0041344 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Março de 2001

Magistrado ResponsávelMANSO RAÍNHO
Data da Resolução28 de Março de 2001
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam em conferência na Secção Criminal da Relação do Porto: Arlindo ....., identificado nos autos, apresentou participação ao MºPº junto do Tribunal de ....., dizendo ser membro da Assembleia de F....., cargo para o qual foi eleito nas eleições autárquicas de 1997, e comparte de baldios da freguesia, sendo certo que a Assembleia de Compartes delegou a administração dos baldios na Junta de freguesia.

Em virtude do exercício do seu cargo de membro da Assembleia de Freguesia por ter assistido também a reuniões da Assembleia de Compartes, constatou alguns factos, que, pela sua gravidade, entendeu não deixar de participar, quais sejam: A Junta de Freguesia estava, no exercício de administração de baldios que lhe fora delegado pela Assembleia, autorizada a efectuar o corte e a venda de 700 pinheiros e 4 eucaliptos de baldios da zona de F..... .

Sem qualquer autorização da Assembleia de Compartes, e sem qualquer concurso público a Junta de Freguesia, acabou, nessa zona, por proceder ao corte de 905 pinheiros e 680 eucaliptos, para além do que estava mandatada.

Quer isto dizer que a Junta de Freguesia, sem qualquer autorização, quer da Assembleia de Compartes, quer da Assembleia de Freguesia, procedeu ao corte de mais 205 pinheiros e 676 eucaliptos, para além do que estava mandatada.

E procedeu à sua venda por negociação particular com o madeireiro Manuel ....., sem consultar outros madeireiros que pudessem oferecer melhores preços.

Chamada a Junta de Freguesia à atenção para estes factos, a mesma confirmou a sua veracidade numa reunião da Assembleia de Compartes, aí tendo afirmado o seu Presidente que recebeu, pela quantidade cortada a mais, a quantia de 130.000$00.

Ora, esta quantia é absolutamente irrisória se atentarmos em que foram cortados a mais 881 pés de madeira (205 pinheiros e 676 eucaliptos) e que dada a quantidade teríamos um valor de 148$00 por cada pé.

Mesmo tendo em conta o preço mais baixo possível, em média, que não seria inferior a 1.000$00 por pé, teremos que tal venda, mesmo com valor já excessivamente baixo não deveria ser inferior a 880.000$00.

Desta forma a Freguesia, os compartes e o património ficaram lesados numa quantia não inferior a 650.000$00.

Com base nesta participação, deu-se início a inquérito.

Ao ser inquirido, o participante, para além de confirmar a denúncia, referiu que as contas respeitantes à gerência dos baldios da Freguesia e no que diz respeito ao ano de 1996 e ao total da receita apresentavam um diferença para menos de 100.000$00, ou seja, esta deveria totalizar 1.387.000$00 e não os indicados 1.287.000$00, diferença essa que continuava a existir no resumo constante da fotocópia de fls. 13; pelo que no respectivo saldo verificar-se-ia uma diferença para menos de montante igual ao supra indicado.

E no que se refere ao relatório de contas de gerência dos baldios e ao ano de 1997 - fls. 15 dos autos - se verifica uma diferença de igual montante, ou seja, de 100.000$00.

Já quanto à despesa e ao ano de 1997 a diferença ainda era maior, ou seja, em vez da indicada de 1.992.651 $00, deveria constar a de 1.492.651 $00.

Do mesmo modo, pôs em causa a despesa indicada nas obras dos Caminhos das M..... e das E....., anotando que na primeira reunião (ordinária) efectuada, para aprovação das contas da Junta de Freguesia (em 98. 04. 26) foi indicado o montante de 2.151.501$00 e 1.454.836$00, respectivamente; já na segunda reunião (em 98. 06. 30) esses valores baixaram, respectivamente, para 1.000.000$00 e 954.000$00, pelo que as diferenças são visíveis e perfeitamente perceptíveis.

O inquérito seguiu também para apreciação destes factos.

Findo o inquérito, foi proferida decisão de arquivamento, por se entender não se configurar a existência de qualquer crime.

O participante, fazendo-se constituir assistente, veio então requerer a abertura da instrução.

Finda esta, a Mmª juiz da Comarca de ...... proferiu decisão de não pronúncia, por entender não haver indícios da prática de qualquer crime.

É do assim decidido que vem interposto pelo assistente o presente recurso que, motivado, apresenta as seguintes conclusões: I- Num plano de prevenção geral e especial a douta decisão recorrida é censurável.

II- Por um lado parece desconhecer a prática comum dos madeireiros de cortar sempre arvores a mais para que, perante o facto consumado, o dono delas se veja obrigado a vender.

III- Por outro lado permite concluir que a auto flagalação e a auto-consideração de idiotice por parte dos titulares de cargos políticos pode servir para garantir a impunidade... embora obviamente não possa servir em eleições: aí são todos capazes e competentes.

IV- É que os titulares de cargos políticos podem ser punidos mesmo a titulo de negligência (mesmo inconsciente).

V- O arguido Manuel ....., madeireiro, abateu uma grande quantidade de árvores a mais em relação ao negociado. Bem sabia disso pois as negociadas estavam marcadas.

VI- Para além disso, um madeireiro não pode desconhecer que a madeira queimada não pode ser vendida, senão com a supervisão da Direcção Geral da Florestas. Não pode por isso afirmar estar convencido de poder fazê-lo. Não e isto um claro indício? VII- Acresce ainda que outro importante indício é o de que na sua defesa pós-instrução, o arguido abandona a tese defendida no inquérito, de que umas árvores, tombaram as outras. Como podem 200 tombar 600? - E se fosse assim porque se apropriou das caídas, que bem sabia não lhe pertencerem? VIII- Se conjugarmos este facto com os depoimentos das testemunhas dos arguidos (os quais apesar de Presidente da Assembleia de Compartes e do Conselho Directivo "nada sabiam" acerca das árvores cortadas a mais), facilmente podemos concluir pela existência de um verdadeiro "complot" IX- Um importante indício, relativamente ao arguido A....., foi descurado na decisão recorrida. É que se encontra junta aos autos uma acta da Assembleia de Compartes que transcreve a decisão de que o valor a pagar pelo madeireiro não deve ser inferior a 500 contos.

Apesar disso, este arguido, presente nessa reunião aceitou e conformou-se com apenas 130 contos...

Isto, ao contrário do que se afirma na douta decisão recorrida, não é apenas um mau negócio, X- É mais do que suficiente o depoimento da testemunha M..... sobre a quantidade de abatidas a mais. A menos que se tenha voltado ao princípio de "Testisunus, Testis nullus" (e é bom que se note que estamos apenas no campo indiciário).

XI- Mas não é só este depoimento que deve ser tido em conta pois os depoimentos das testemunhas José..... e J..... fornecem factos indícios, sobretudo conjugados com o anterior. Basta ler os depoimentos e apreender a razão de ciência.

XII- Outro indício relativamente ao arguido A..... resulta de que ele só se apercebeu da situação se acredita, mas mesmo a ser verdade, então não pode deixar de ser punível depois das "vozes públicas" . Pode um Presidente ser assim tão negligente? - Não (negligência grosseira).

XIII- Em suma., não faltam indícios, quer resultantes da prova testemunhal (mesmo dos arguidos) quer consequentes das esfarrapadas justificações dos arguidos.

XIV- Quanto às contas os indícios são enormes. Basta ler o relatório pericial (sobretudo as "recomendações") nele contidas para constatar fortes indícios. Se a autora do relatório conclui por irregularidades isso é irrelevante. É aos Tribunais que cabe tirar conclusões! XV- A decisão recorrida, ao considerar não haver indícios fez errada interpretação e violou o disposto no artº 308º do CPP, pelo que os arguidos devem se pronunciados.

Os arguidos responderam ao recurso, concluindo pela respectiva improcedência.

De igual forma fez o digno Procurador-Adjunto.

Nesta Relação o Exmo Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da rejeição do recurso, por entender ser o mesmo extemporâneo.

A fls. 146 os arguidos interpuseram recurso contra o despacho de fls. 12, que admitiu o participante a intervir como assistente, bem como contra o despacho que declarou aberta a instrução e designou data para a inquirição de testemunhas.

O recurso foi admitido para subir com o recurso que viesse a ser interposto da decisão instrutória final.

Os recorrentes formulam atinentemente as seguintes conclusões: 1. A decisão ora recorrida ao admitir a constituição do requerente como assistente sem ter apresentado qualquer fundamento quer de facto quer de direito, apesar da tempestiva oposição dos arguidos, violou o disposto no artº 97º, nº 4 do CPP .

  1. A inobservância de tal norma vicia a douta decisão, conduzindo à sua nulidade, que como tal deverá ser declarada.

  2. A decisão ora recorrida admitiu a constituição de assistente, considerando que não havia oposição dos arguidos, quando efectivamente teve lugar tal oposição tempestivamente.

  3. A decisão ora recorrida foi proferia...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT