Acórdão nº 9150537 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Fevereiro de 1991
Magistrado Responsável | LOPES FURTADO |
Data da Resolução | 13 de Fevereiro de 1991 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Damião .............. instaurou a presente acção contra a Sociedade de .........., Lda. Alega que, em 1 de Abril de 1987, celebrou com a ré o contrato-promessa formalizado no escrito de folhas 14 a 17, pelo qual prometeu comprar, e aquela prometeu vender-lhe, pelo preço de 11000000$00, uma fracção autónoma na cave de um prédio em regime de propriedade horizontal. A título de sinal e princípio de pagamento, entregou o autor a quantia de 2500000$00. Como a ré bem sabia, aquele destinava a dita fracção à instalação de uma pequena indústria de calçado. Por isso se obrigou a ré a obter, até à data em que devia ser lavrada a escritura da venda, a autorização na Câmara Municipal para laboração da referida indústria. E obteve a autorização, que no entanto continha restrições que, na prática, impediam a instalação de uma indústria do tipo pretendido, mesmo pequena. Acresce que a Câmara detectou irregularidades que a levaram a revogar o despacho que concedia a autorização, recusando-se o autor a outorgar a escritura. Houve, assim, incumprimento do contrato pela ré, o que confere ao autor o direito de haver o sinal em dobro. Mas, quando assim se não entenda, sempre terá de afirmar-se a anulabilidade do negócio com base em erro sobre os motivos determinantes da vontade do autor porque este, se soubesse que lhe iriam ser colocadas restrições à montagem da referida indústria, ou que a autorização não seria concedida, não teria querido celebrar o contrato. Pede, a título principal, que a ré seja condenada a pagar-lhe 5000000$000, quantia equivalente ao dobro do sinal. Para a hipótese de não proceder esse pedido, pretende que se declare a nulidade do contrato, com base no erro e com a consequente entrega do montante de 2500000$00, acrescido de juros à taxa legal desde a citação. Na contestação afirma a ré que fez todas as diligências para ser obtida a autorização, e que houve um despacho a concedê-la, pelo que a acção tem de improceder. Na resposta de folhas 40 diz o autor que, afinal, a ré nunca obteve a autorização. Seguiu a acção os trâmites normais até à sentença, que a julgou improcedente por considerar que, não tendo a ré obtido a referida autorização, até à data em que a escritura devia ser celebrada, colocou-se numa situação de mora, que não se converteu em incumprimento definitivo, sendo certo que só em face deste se pode exigir a restituição do sinal em dobro, entendendo-se prejudicada a questão do erro. Apelou o autor, que nas suas alegações concluiu estar provada uma situação de mora que implica a restituição do sinal em dobro, pelo que foi violado o artigo 442 do Código Civil. A apelada sustenta a confirmação. Corridos os vistos, cumpre decidir. Vejamos, antes de mais, os factos que devem considerar-se provados e que são os seguintes: a) O autor celebrou com a ré, em 1 de Abril de 1987, um contrato-promessa de compra e venda nos termos que constam do documento de folhas 14 a 17, que se considera reproduzido mas com a rectificação do lapso de escrita que abaixo se indica, na alínea c); b) Por esse contrato o autor prometeu comprar, e a ré prometeu vender-lhe, pelo preço de 11000000$00, a fracção autónoma designada pela letra A, correspondente a um armazém na cave com área de 340 metros quadrados, com entrada pelos números 72 e 84 de um arruamento sem denominação oficial, de um prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua das ..... nºs ..., ... e ... e naquele arruamento sem denominação oficial nºs 72, 78 e 84, no lugar de .....da freguesia de Vilar de Andorinho e concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 00193 e ainda omisso na matriz, mas com participação apresentada nas Finanças em 27/05/86 para efeitos de inscrição matricial; c) Consignou-se no contrato que a escritura de venda "terá de ser realizada até ao final do mês de Maio de 1986", mas a referência a esse ano deve-se a mero lapso de escrita porque as partes queriam reportar-se ao ano de 1987; d) Ficou também clausulado que o promitente comprador devia avisar a sociedade promitente vendedora, com pelo menos oito dias de antecedência, do dia, hora e cartório em que a escritura seria celebrada; e) A título de sinal e princípio de pagamento, o autor entregou à ré a quantia de 2500000$00, constando do contrato que os restantes 8500000$00 seriam entregues no acto da escritura; f) O autor destinava a aludida fracção à instalação de uma pequena indústria de calçado, bem sabendo a ré que ele celebrou o contrato-promessa com esse exclusivo objectivo; g) Por isso se consignou no contrato que a promitente vendedora se obrigava a obter, até à data da escritura, a autorização da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia para instalação daquela indústria na fracção em causa; h) Aquela Câmara Municipal endereçou ao autor o ofício de folhas 20, que se considera reproduzido; i) A mesma autarquia emitiu as certidões de folhas 19, 28 a 34, 35 e 36, que se consideram reproduzidas; j) Ainda a Câmara Municipal enviou os ofícios de folhas 44 e 48, e com este a fotocópia de folhas 49, considerando-se também reproduzido o teor desses documentos; l) Naquela certidão de folhas 19 refere-se não se ver incoveniente no funcionamento de uma pequena indústria de sapataria na fracção em causa "desde que a mesma não provoque de qualquer forma prejuízos ou incómodos aos vizinhos, nem afecte o seu sossego, o que pressupõe a não montagem de máquinas ruidosas"; m) Uma indústria de calçado, mesmo pequena, implica normalmente a produção de ruídos e de cheiros a colas e a outros produtos químicos; n) Na reunião ordinária da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia de 15 de Junho de 1987, a que se refere a certidão de folhas 36, o respectivo presidente disse que "face às dúvidas na autenticidade das assinaturas e ainda o facto de o requerente se intitular proprietário da fracção, quando ainda o não é, informa a Câmara que irá revogar os despachos de deferimento de passagem de certidões, consequentes dos requerimentos apresentados em nome de Damião ........., registados sob os nºs 3420 e 4111 de, respectivamente, 09/04/87 e 08/05/87"; o) Em 15 de Junho de 1987 o autor recusou outorgar a escritura de compra e venda para concretização do contrato prometido; p) Se o autor soubesse que não iria ser concedida autorização para montagem da indústria de calçado, não teria querido celebrar o contrato-promessa; q) Todos os condóminos do prédio em que se integra a dita fracção deram o seu acordo à...
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