Acórdão nº 012/04 de Tribunal dos Conflitos, 03 de Novembro de 2004

Magistrado ResponsávelHENRIQUE GASPAR
Data da Resolução03 de Novembro de 2004
EmissorTribunal dos Conflitos

Acordam, em conferência, no Tribunal dos Conflitos: A... e marido, B..., intentaram em 11 de Junho de 1999, no Tribunal de Círculo de Santiago do Cacém (entretanto extinto, com a consequente remessa dos autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Santiago do Cacém), acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra ESTADO PORTUGUÊS, MUNICÍPIO DE SINES, INSTITUTO DE APOIO ÀS PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS E AO INVESTIMENTO (IAPMEI) e ... S.A., e os intervenientes principais passivos ..., Lda. e CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DE SANTIAGO DO CACÉM, C.R.L. pedindo que os RR. sejam condenados a: - reconhecer o desaparecimento da necessidade da expropriação do prédio dos AA., - reconhecer sobre o prédio em litígio a oneração resultante do exercício pelos AA do direito de reversão; - absterem-se de alienar, onerar ou transformar, directamente ou por interposta pessoa, quaisquer parcelas pertencentes ao prédio em causa; - restituir aos AA. o valor correspondente ao seu enriquecimento, a liquidar em execução de sentença; - indemnizar os AA. por todos os prejuízos, despesas e outros custos causados pela apropriação indevida do terreno em causa, em montante a liquidar em execução de sentença; - entregarem aos AA. completamente livre e desocupado o prédio em causa, ou se a restituição não for possível o seu valor actual em dinheiro.

Mais pediram o cancelamento de todos os registos relativos ao prédio em litígio posteriores ao registo da sua aquisição a favor dos avós da A. - ... e ....

Para tanto, alegaram, em síntese, que: Os avós da A. - ... e ... - eram proprietários do prédio rústico denominado "...", expropriado em 1974 - proc. nº 120/74 do Tribunal Judicial de Santiago do Cacém - a favor do Gabinete do Plano de Desenvolvimento, da Área de Sines (GAS); Em 17 de Junho de 1994, invocando os artºs 5º e 70º a 72º do Código das Expropriações, aprovado pelo DL 438/91, de 9 de Novembro, a avó e mãe da A, únicas herdeiras do falecido avô, requereram ao Senhor Ministro do Planeamento e Administração do Território, a reversão do prédio expropriado, não tendo sido notificadas de qualquer decisão sobre essa pretensão; O prédio expropriado encontra-se completamente abandonado e nunca foi utilizado para o fim que determinou a sua expropriação; Do mesmo foram desanexadas várias parcelas que foram alienadas a terceiros; Pelo prédio expropriado o referido o avô da A. - única herdeira em virtude do decesso da sua avó e da sua mãe - recebeu a quantia de Esc. 188.053$00, sendo que o mesmo valeria hoje largas centenas de milhares de contos, valor injustamente desviado para o património dos RR., atendendo à manifesta desnecessidade da expropriação em causa, já que não existiu qualquer utilidade pública causal da expropriação, pelo que esta não pode subsistir; Foi atempadamente exercido o direito de reversão que pode ser qualificado como um direito real de aquisição, sendo oponível erga omnes e onerando a propriedade do prédio em causa; Os lucros obtidos pelos RR. à custa dos AA. são absolutamente injustos, configurando uma situação de enriquecimento sem causa, a cuja restituição os AA têm direito; Os RR. sabiam perfeitamente e não podiam ignorar que o prédio em causa não foi afecto aos fins que determinaram a sua expropriação, sabendo que não podem estar na posse de terrenos que não lhes pertencem e que são dos AA.

Contestaram os RR. Município de Sines, IAPMEI e Estado Português invocando (para o que ora interessa) a incompetência do Tribunal em razão da matéria, argumentando, no essencial, que: - os AA. pretendem do Tribunal comum o reconhecimento do direito de reversão, pretensão que não lograram ver oportunamente deferida por parte do Sr. Ministro do Planeamento e Administração do Território, entidade competente para reconhecer e determinar a superveniente desnecessidade da expropriação em causa; - o indeferimento tácito do pedido de reversão constitui um acto administrativo a impugnar no tribunal administrativo, mediante recurso contencioso.

Responderam os AA. reafirmando a competência do tribunal comum, por terem configurado a causa como acção de reivindicação e indemnização, com fundamento na violação do direito de propriedade dos AA.

  1. Foi proferido despacho saneador (fls. 278 a 285), no qual foi declarada a incompetência do Tribunal Judicial da Comarca de Santiago do Cacém, em razão da matéria, com a consequente absolvição dos RR. da instância.

    Inconformados, os AA. recorreram para o Tribunal da Relação de Évora que, todavia, negou provimento ao agravo, considerando não serem "os tribunais judiciais materialmente competentes para conhecer dos pedidos enunciados pelos autores na presente acção, mas antes os tribunais da jurisdição administrativa" - cfr. fls. 385 a 392.

  2. Invocando o disposto no art.º 107, nº 2 do CPC, recorreram os AA. para este Tribunal dos Conflitos.

    Nas alegações oportunamente efectuadas, apresentaram as seguintes conclusões: - 1.º) A competência jurisdicional dos Tribunais Administrativos depende essencialmente da existência de um litígio que emerge directamente de relações jurídicas administrativas, reguladas por normas de direito materialmente administrativo, no âmbito de actuações de entidades que exerçam concretas competências de direito público, dotadas de jus imperii (art.ºs 212, nº 3, da CRP, 66 do CPC, e 4, nº 1, al. f), do ETAF); - 2.º) Na apreciação da questão da competência jurisdicional deverá atender-se, em primeira linha, ao pedido e à causa de pedir expressos na petição inicial; - 3.º) Através da presente acção os ora recorrentes pretendem ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre as parcelas de terreno actualmente ocupadas pelos recorridos, sem qualquer título, bem como a indemnização devida pelos prejuízos provocados pela ocupação ilícita dos seus terrenos (artºs 1305 e ss., do CC); - 4.º) Os terrenos dos ora recorrentes estavam sujeitos a um ónus real - prossecução dos fins atribuídos ao Gabinete do Plano de Desenvolvimento da Área de Sines, que determinaram a sua expropriação -, não estando em causa na presente acção a validade ou legalidade dos actos administrativos que determinaram aquela expropriação, que nem sequer foi contestada (art.ºs 266, da CRP, e 3, do CPA); - 5.º) No caso sub judice estão apenas em causa os factos imputáveis aos recorridos que integram a violação do referido ónus real - -não afectação dos terrenos em causa aos referidos fins, decorrido determinado espaço de tempo -, bem como as consequências jurídicas resultantes de tal evento (art.ºs 202 e ss., 212, n.º 3 da CRP, 4, nº 1, al. f) do ETAF); 6.º) Contrariamente ao decidido no douto acórdão recorrido, é manifesto que no presente processo não estão em causa manifestações de jus imperii legalmente previstas no nosso ordenamento jurídico, por forma a qualificar-se a actuação dos recorridos como "acto de gestão pública"; - 7.º) O douto acórdão recorrido enferma assim de manifestos erros de julgamento, pois os Tribunais Comuns são competentes em razão da matéria para conhecer de todos os pedidos formulados pelos ora recorrentes na P.I., ex vi, do disposto nos art.ºs 66 e 96, nº 1, do CPC, e do artº 501 do CC.

    Terminam pedindo a revogação do acórdão...

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