Acórdão nº 0625/07 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Agosto de 2007

Data29 Agosto 2007
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A..., e mulher, vêm interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 11-5-2007, que, nos presentes autos de derrogação do sigilo bancário, negou provimento ao recurso por eles interposto da decisão do Director Geral dos Impostos a determinar o acesso directo às suas contas bancárias.

Os Recorrentes apresentaram alegações com as seguintes conclusões: 1. A decisão recorrida está deficiente/insuficientemente fundamentada na parte em que considerou improcedente o vício de falta de fundamentação da decisão administrativa.

  1. A argumentação quanto à verificação dos requisitos legais constantes do artigo 63.º-B da LGT é, em sede de avaliação da suficiência da fundamentação administrativa, totalmente imprestável por não se avaliar aí a validade formal do discurso verbalizado pela administração como suporte constituinte da decisão administrativa, o que, no plano material, se traduz na impertinência da referida remissão e, bem assim, na ausência de fundamentação para a conclusão alcançada pelo Tribunal.

  2. Nessa matéria, o Tribunal aplicou um critério normativo inconstitucional - qual seja, o resultante da aplicação conjugada dos artigos 146-A e 123.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPPT, quando interpretados conjugadamente no sentido de admitir, que a decisão judicial de aferição do cumprimento do dever de fundamentação administrativa (vício de forma por falta de fundamentação do acto administrativo-tributário), seja fundamentada por remissão para argumentos/fundamentos invocados em sede de análise de vício distinto (vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito) quando nessa parte não exista, expressa ou implicitamente, qualquer consideração sobre o vício de violação de lei por falta de fundamentação, por violação do direito a um processo justo e equitativo - artigo 6.º, n.º 1, da CEDH, e 20.º da CRP - e por violação do dever de fundamentação das decisões judiciais - art. 205.º, n.º 1, da CRP.

  3. No artigo 63.º-B, n.º 4 (actual, antigo n.º 3), da LGT, o legislador, fora do regime geral definido no artigo 77.º da LGT, exigiu que "as decisões da administração tributária (...) devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam", deixando assim cair (lex specialis derogat lex generalis) neste artigo 63.º-B, n.º 4, da LGT, como se vê, a possibilidade da fundamentação administrativa se bastar com uma sucinta explicação colhida numa "mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres..." 5. Resulta do confronto com os dois regimes (do art. 63.º-B, n.º 4 actual e o do 77.º, n.º 1 e 2), que a menção constante do art. 63.º-B - "expressa menção dos motivos concretos" - não acompanhada da possibilidade de ser realizada por "mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres...", só pode traduzir a exigência de se verem expressa e taxativamente referidos na decisão do Sr. Director-Geral os motivos concretos que justificam o acto, sem que esses motivos possam colher-se implicitamente da remissão para os demais elementos do procedimento.

  4. A fundamentação da decisão administrativa por remissão é, assim, ilegal.

  5. Sendo que, perfilhando-se entendimento diferente, é inconstitucional o artigo 63.º-B, n.º 3 (actual n.º 4), da LGT, por violação do princípio da legalidade fiscal, na medida em que se admita como válida uma fundamentação por remissão dado que esta é realizada sem apoio no tatbestand que define as exigências do cumprimento desse dever e que, por densificar matéria sujeita ao referido princípio, não pode ser objecto de uma interpretação/aplicação analógica.

  6. A remissão para todos os elementos constantes do processo, com excepção das notificações, redunda numa fundamentação passe partout que não informa devidamente o contribuinte dos concretos motivos que presidiram à decisão notificada.

  7. A fundamentação para onde se remeteu é também ela manifestamente ambígua, dado que, como resulta do teor da informação que esteve na base do pedido de derrogação do sigilo bancário, fez assentar as razões do decidido no disposto no artigo 63.º, n.º 2 (actual n.º 3), al. a) da LGT, sendo certo que os alegados fundamentos não autorizam por si só o levantamento do sigilo bancário ao abrigo do dispositivo legal acima mencionado.

    Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogada a douta sentença recorrida, com todas as legais consequências.

    O Senhor Director-Geral dos Impostos contra-alegou, defendendo a decisão recorrida.

    O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que «o recurso merece provimento e a sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão anulatório da decisão do Director-Geral dos Impostos», pelos seguintes fundamentos: 1. Embora com diferente argumentação a questão da falta de fundamentação da decisão do Director-Geral dos Impostos que determinou o acesso directo da administração fiscal às contas bancárias foi enunciada na petição inicial (arts. 45.º e sgs) O sigilo bancário visa, simultaneamente, a tutela de interesses públicos e privados: - o interesse público no regular funcionamento da actividade bancária, indispensável instrumento da dinamização da actividade económica, o qual requer um clima generalizado de confiança nas instituições que a exercem - o interesse privado dos clientes das instituições bancárias na reserva dos seus negócios e relações com a banca O direito ao sigilo bancário constitui um corolário do direito à reserva e intimidade da vida privada e familiar, com consagração constitucional (art.26º nº1 CRP) ou, no mínimo integra-se na privacidade, «entendida como uma esfera mais alargada que aquela, em que se inserem dados patrimoniais e económicos, objecto de protecção constitucional menos intensa» (art.26º nº1 CRP) (cf. para melhor desenvolvimento acórdão Tribunal Constitucional 31.05.1995 Colectânea 31º Volume 1995 pp.37l e sgs; acórdãos STA - secção de Contencioso Tributário 13.10.2004 processo nº 950/04, 19.04.2006 processo nº 274/06) 2. Estando em causa valores jurídicos particularmente relevantes, com tutela constitucional, é compreensível maior rigor na fundamentação das decisões que traduzem derrogação do dever de sigilo bancário, exigindo-se «expressa menção dos motivos concretos que as justificam» (actual art 63º-B n.º 4 LGT) Esta exigência é incompatível com a possibilidade de uma fundamentação por remissão para o teor de pareceres, informações ou propostas antecedentes do acto decisório, justificadas pela massificação e automação próprias do procedimento tributário por excelência (liquidação de impostos) que tornam impraticável uma fundamentação extensa.

    Neste contexto a norma constante do actual art.63º-B nº4 LGT assume-se como especial em relação à regra geral de fundamentação dos procedimentos comuns (art.77º nº1 LGT) 3. A fundamentação do acto administrativo cumpre uma dupla função endógena e exógena: - vinculação do decisor à revelação do itinerário intelectual percorrido e à manifestação e ponderação dos factores intervenientes ou determinantes da decisão (função endógena) - possibilidade de opção esclarecida do destinatário do acto entre a conformação e a impugnação graciosa ou contenciosa (função exógena) No caso sub judicio não cumpriu a função endógena a fundamentação da decisão do Director-Geral dos Impostos que procedeu a uma remissão amalgamada e indistinta para os fundamentos constantes de anteriores informações, «pareceres e despachos que sobre as mesmas recaíram» os quais nem sequer estão identificados (processo administrativo apenso fls. 1) Cumpre decidir em conferência.

    2 - Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto: I - Os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Coimbra iniciaram uma acção de fiscalização ao Recorrente, em resultado da qual foi elaborada a informação que consta de fls. 28 a fls. 88 do processo administrativo em apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos, dela constando, além do mais, o seguinte: «3 - Conclusões e Propostas 3.1 - Conclusões De acordo com o anteriormente relatado, demonstra-se de forma inequívoca a existência de factos concretos que consideramos gravemente indicadores da falta de veracidade do declarado.

    3.1.1 - Rendimentos da Categoria B de IRS Através da análise dos elementos contabilísticos da empresa foram detectadas as diversas situações anteriormente relatadas ao longo dos pontos 2.1.1 a 2.1.2.7 e que sucintamente poderemos resumir: - Movimentos financeiros sem credibilidade; - Inventários sem credibilidade; - Registo em duplicado e omissão de registo de custos; - Omissão de proveitos devidamente identificados, e; - Indícios de omissões de proveitos; Face ao exposto, consideramos que a contabilidade do sujeito passivo A..., NIF: ..., apresenta irregularidades na sua organização, contrariando o disposto no artº 115º do CIRC, por remissão artigos 28.º e 32.º do CIRS, já que não reflecte a exacta situação patrimonial bem como o resultado efectivamente obtido pela empresa, não permitindo assim a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável de harmonia com as disposições da Sec. II do Cap. III do CIRC.

    Desta forma, encontram-se reunidas as condições previstas para a determinação da matéria colectável por recurso a métodos indirectos, de acordo com o estipulado pelo art.º 52.º do CIRC e alínea d) do artigo 88.º da LGT.

    3.1.2 - Outros sinais exteriores incompatíveis com os rendimentos declarados Da análise do declarado pelo agregado familiar nos últimos anos e de acordo com o referido ao longo dos pontos 2.2 e 2.3 desta informação, conclui-se pela existência de factos concretos que são gravemente indicadores da falta de veracidade do declarado.

    3.2-Propostas Perante o...

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