Acórdão nº 022/06 de Tribunal dos Conflitos, 12 de Julho de 2007
Magistrado Responsável | GIL ROQUE |
Data da Resolução | 12 de Julho de 2007 |
Emissor | Tribunal dos Conflitos |
Acordam no Tribunal de Conflitos: I.
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A…, propôs contra, B…, notária, BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. e BANCO DE PORTUGAL, procedimento cautelar comum, pedindo que se ordene à primeira que proceda à entrega do cheque que identifica, à ordem do Tribunal, até que na acção própria seja anulado ou reduzido o negócio cartular a ele referente, que se ordene ao segundo que se abstenha de rescindir a convenção do uso de cheque referente a conta da requerente e que se ordene ao terceiro que se abstenha de incluir a requerente em qualquer listagem de utilizadores de cheques que oferecem em riscos, com fundamento, em síntese: - que no dia 29/03/2005, no exercício da sua profissão, a requerente compareceu no cartório da primeira requerida, que é notária privada, a uma escritura de aumento de capital da sociedade C…; - logo após a escritura a primeira requerida, nas suas funções de notária, cobrou a quantia de € 410.015,92, a título de imposto de selo e a quantia de € 500,00 a título de honorários, tendo emitido a respectiva factura recibo; - a requerente, não se apercebendo do valor real da factura, porque em mais de cem escrituras em que antes interveio nunca lhe foi cobrado imposto de selo, assinou e entregou à notária o cheque n.° …, sobre o segundo requerido, nesse valor.
Só após sair do cartório se apercebeu do valor do cheque e do grave erro, pelo que contactou a notária informando-a de que se tratava de manifesto erro na liquidação do imposto de selo e que o cheque, nesse valor, não tinha provisão, solicitando que o mesmo não fosse apresentado a pagamento.
O imposto de selo liquidado pela notária não é devido.
Não obstante, a notária apresentou o cheque a pagamento e o segundo requerido já comunicou à requerente que tem de regularizar a situação até 09 de Maio de 2005 sob pena de inibição do uso de cheques e de inclusão na lista negra do terceiro requerido.
Citados os requeridos, deduziram oposição o terceiro e a primeira, deduzindo esta a excepção da incompetência do tribunal com fundamento em que exerce funções de natureza pública, embora em regime liberal, pelo que nos termos do disposto no art.° 4º, al. i) do ETAF é aos Tribunais Administrativos e Fiscais que compete a apreciação da matéria relativa à eventual responsabilidade civil extracontratual.
Também quanto ao imposto de selo liquidado, a competência para a impugnação desse acto notarial compete ao Tribunal Tributário.
Na sequência da referida tramitação processual, foi proferida decisão declarando o tribunal cível incompetente para conhecer do objecto da providência, considerando competentes os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal e absolvendo os requeridos da instância.
Dessa decisão, interpôs recurso a requerente, recebido como agravo, pedindo a sua revogação e a substituição por outra que decida a providência requerida, mas sem êxito, uma vez que a Relação confirmou a sentença da 1ª instância.
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Inconformada, veio a requerente recorrer do acórdão para o tribunal dos conflitos e foram apresentadas as alegações e contra alegações concluindo a recorrente nas suas pela forma seguinte: 1. Vem o presente recurso interposto do acórdão de 20/06/2006, a fls. "que julgou o Tribunal judicial incompetente em razão da matéria, por entender que a causa pertence ao âmbito da jurisdição administrativa e fiscal e, consequentemente, decidiu negar provimento ao agravo e manter a decisão recorrida, que havia absolvido os requeridos da instância.
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Salvo o devido respeito, o acórdão recorrido faz uma errada interpretação e aplicação do direito, não sendo aplicável ao caso o disposto no art. 4°, n.º 1 alínea a) do ETAF.
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Como é sabido, a competência do tribunal para conhecer a presente providência é deferida ao tribunal que tiver competência para conhecer da respectiva acção (art. 83°, al. c) do CPC): ora, é absurdo deferir ao Tribunal Tributário, na acção principal, o pedido de anulação de um cheque.
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Todas as questões suscitadas convocam, cautelarmente, a aplicação de normas de direito privado, bem como direitos de personalidade e patrimoniais emergentes do direito civil e do regime jurídico do cheque, até que na acção principal seja anulado um cheque - art. 70°, n° 2 do Código Civil, da competência dos tribunais comuns.
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A questão da ilegalidade do imposto do selo prende-se, é certo, com a relação jurídica subjacente ao cheque e, como tal, é apenas uma questão prejudicial, ocorrendo, nos termos do art. 97° do CPC, extensão da competência dos tribunais comuns competentes para a questão determinante (ou competência por conexão).
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Para efeito de consideração da prejudicialidade justificativa da extensão da competência, "a decisão de uma causa depende do julgamento de outra quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão do outro pleito". - (cfr. Acs. STJ de 25/06/87, no Proc. 74893 da 2ª secção e de 29/09/93, no Proc. 84216 da 2ª secção).
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Atento este critério, é inegável que a decisão que venha a ser proferida na acção fiscal (sobre o imposto que constitui a relação jurídica subjacente ao cheque) pode decisivamente influenciar a decisão que venha a ser exarada na acção principal (sobre a anulação do cheque propriamente dito) e, por isso, ocorre extensão de competência nos termos do art. 97° do CPC.
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Sem conceder, mesmo que porventura assim não se entendesse, sempre estaríamos em presença de uma questão incidental, entendida em sentido amplo, na acepção do art. 96° do CPC.
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Aos tribunais tributários só cabe o julgamento de litígios regulados pelo direito fiscal, em matéria tributária, daí que não são competentes, ao abrigo do art. 4°, n°1 alínea a) do ETAF, para pronunciar-se sobre o pedido de anulação de um cheque, e também por isso o acórdão recorrido sofre de erro.
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Efectivamente, o art. 4°, n°1 alínea a) do ETAF tem de ser lido conjuntamente com os arts.1°, 96°, 97°, 99°, 104° e 147°, n° 6 do Código de Processo e de Procedimento Tributário (CPPT) e 101° da Lei Geral Tributária.
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Atentas estas disposições da lei processual fiscal, é evidente que a jurisdição tributária não dispõe de meios processuais pertinentes à anulação de cheque.
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Tão-pouco se permite a cumulação de pedidos com pretensões de outra natureza (que não exclusivamente relativas a "tributos" nos termos do art. 104° do CPPT), sendo portanto impossível (e ilegal), na jurisdição fiscal, cumular o pedido de anulação de imposto com o pedido de anulação de um cheque.
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Ademais, a relação jurídico-tributária só se estabelece nas relações entre contribuintes e a administração fiscal. E, no caso aqui em apreço, trata-se de uma relação entre particulares, designadamente entre um particular e uma notária privada sobre a posse de um cheque de que esta é portadora por ter sido sacado e passado à ordem do seu Cartório.
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Como ficou demonstrado, os direitos que a agravante pretende fazer valer não são "directamente "fundados em normas de direito fiscal, na acepção do art. 4º, n°1 alínea a) do ETAF, mas apenas conexamente, em razão da sua prejudicialidade, pelo que não se verifica o requisito expresso por aquele advérbio de modo utilizado pelo legislador 15. À cautela, é de realçar que não está aqui em causa o conhecimento por este Tribunal de "actos notariais" - mas da anulação de um cheque - e que os meios graciosos especialmente previstos na lei notarial, designadamente nos art. 139°, 140º e 141° da LOSRN (aprovada pelo Decreto Regulamentar n°55/80 de 8 de Outubro), não vigoram, não são aqui aplicáveis, e ainda que o fossem, tais meios são meramente facultativos e não obrigatórios.
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De resto, deve-se acrescentar, à cautela, que a competente acção de impugnação judicial contra o acto de liquidação de imposto do selo foi intentada, dentro do prazo legal de 90 (noventa) dias...
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