Acórdão nº 6060/2006-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelPIMENTEL MARCOS
Data da Resolução15 de Maio de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

Jorge […] propôs a presente acção com processo ordinário Contra Brisa Auto-Estradas de Portugal SA […] Cª de Seguros B.[…], SA P.[…] Companhia de Seguros, S.A Dizendo, em síntese, que: no dia 27 de Julho de 1996, cerca das 2h50m, circulava pela A-2, no Feijó, proveniente de Setúbal, a cerca de 100 km/h, quando se apercebeu de que um cão tinha entrado na faixa de rodagem da auto-estrada; travou e desviou a direcção, não conseguindo, no entanto, evitar a colisão com o animal, após o que se despistou, capotando e imobilizando-se na berma da auto-estrada; o cão entrou na auto-estrada em virtude de naquele local não haver qualquer obstáculo que o impedisse, pois na altura decorria obras junto à auto-estrada, não havendo vedação no local, as quais estavam a ser efectuadas pela Ré B.[…] S.A..

Conclui, pedindo a condenação das RR. a pagar-lhe a quantia de 6.917.356$00 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.

Contestou a Ré P.[…] Companhia de Seguros, S.A., aceitando ter transferido para si a responsabilidade civil imputável à 3a Ré, enquanto empreiteiro, a todos os subempreiteiros desta e à 1a Ré, enquanto dona da obra, que fosse consequência directa da execução dos trabalhos da obra de alargamento e beneficiação do lanço Almada / Fogueteiro - Auto Estrada do Sul.

Mais alega que as obras objecto da empreitada efectuada pela 3a Ré já tinham sido concluídas e que a falta de vedação no local tinha como causa as obras do caminho-de-ferro.

A Ré B.[…] SA contestou, excepcionando a sua ilegitimidade, sustentando que à data do acidente já havia terminado, cerca de 15 dias antes, todos os trabalhos de execução da obra. Por outro lado, nessa data decorriam obras relativas ao caminho-de-ferro, com as quais a "B.[…]" nada tinha a ver e às quais se deve a inexistência de vedação no local.

A Ré Companhia de Seguros […] S.A. contestou também, alegando que sendo as obras em curso da responsabilidade da 3a Ré, era a esta que competia tomar precauções para evitar qualquer sinistro, pelo que nenhuma responsabilidade poderá caber à Ré "Brisa".

A Ré Brisa - Auto-estradas de Portugal, S.A., requereu a intervenção acessória de Engil - Sociedade de Construção Civil, S.A., e contestou, alegando, em síntese, que o acidente se terá ficado a dever à velocidade excessiva do Autor e que a remoção da vedação porventura terá sido efectuada pela chamada.

A Engil - Sociedade de Construção Civil, S.A., contestou, alegando que executou a empreitada adjudicada pelo Gabinete do Nó Ferroviário de Lisboa, que não interferia com a auto-estrada, tendo, no entanto, verificado a inexistência de vedação da auto-estrada nas proximidades da obra que executava.

Procedeu-se a julgamento, tendo o tribunal respondido à matéria da base instrutória por despacho que não foi objecto de reclamação.

Seguidamente foi proferida a competente sentença, tendo a acção sido julgada parcialmente procedente e em consequência as RR Companhia de Seguros e Brisa foram condenadas a pagar ao autor, a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença correspondente ao valor do automóvel e à privação do respectivo uso.

As restantes RR foram absolvidas do pedido.

Desta decisão recorreram a Brisa e a Companhia de Seguros.

A Brisa formulou as seguintes conclusões: A - A sentença do Juiz de 1ª instância descurou completamente toda a prova que tinha no processo para chegar a conclusão diversa da que deveria ter chegado, facto que levou à condenação da Brisa, sustentando-se ainda em bases jurídicas, em nosso entender, completamente inaplicáveis ao caso. Cabia-lhe fazer uma análise mais profunda tanto dos aspectos jurídicos da causa, como de todos os pressupostos de factos carreados para o processo, e não o fez como adiante se demonstrará B - Foi realizada a Audiência Final, tendo o Mmº. Juiz considerado provados e não provados, com interesse para a decisão do mérito da causa, os seguintes factos da Base Instrutória: quesitos: 15º) - Em consequência dos embates referidos em 1º) e 14º), foi lavrada a participação de acidente de viação de fls. 26 e 27, cujo teor se dá por reproduzido; 30º) - A 3ª Ré (B.[…]) terminou cerca de 15 dias antes da data do acidente, todos os trabalhos de execução das obras de alargamento da auto-estrada A2, de 2 para 3 vias; 31º) - À data do acidente as três vias encontravam-se abertas, desimpedidas de pessoal, materiais e equipamentos.

35º) - Na data do acidente (27.07.96) e antes da hora aí indicada (02H50M), as patrulhas da Brisa e a Brigada de Trânsito da GNR, ao serviço daquela, tinham passado no local referido em H), - o embate com o canídeo deu-se em local não concretamente determinado, mas entre os Kms. 8,3 e 8,1; 36º) - As patrulhas da Brisa e da Brigada de Trânsito da GNR não detectaram a existência de quaisquer animais, nem de qualquer objecto ou obstáculo, que pudessem impedir o normal fluxo de trânsito naquela via; 37º) - A R. Brisa efectua 24 horas por dia o patrulhamento da auto-estrada, bem como a GNR-BT; 42º) - No local descrito em H) e na data referida em G), decorriam obras a cargo da Engil - Sociedade de Construção Civil, S.A., e cujo dono da obra era a C.P. - Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses; 43º) - Tais obras destinavam-se a ligar a margem sul do Tejo com a travessia ferroviária da ponte 25 de Abril; 53º) - No local descrito em H (onde se deu a ocorrência entre os Kms. 8,3 e 8,1) a vedação dista 7,5 metros do extremo da berma; 54º) - E situa-se ao fundo de um talude com cerca de 2,5 metros; 56º) - A obra referida em B) levada a cabo pela chamada Engil, cujo dono de obra era o Gabinete do Nó Ferroviário de Lisboa, sobrepunha-se à auto-estrada no local descrito em H) - entre os Kms. 8,3 e 8,1; C - Da matéria dada como provada nos quesitos 15º, 30º, 31º, 35º, 36º, 37º, 42º, 43º, 53º, 54º e 56º, facilmente se verifica que a R. Brisa nenhuma culpa teve na ocorrência sofrida pelo A.

A verdade, é que mesmo considerando como se considerou o Juiz "a quo" que a responsabilidade se deveria aferir pela subsunção dos factos ao nº 1 do art.º 493º do C. Civil (com a consequente inversão do ónus da prova), mesmo assim, a R. Brisa (ao contrário do que se diz na sentença recorrida) conseguiu fazer essa inversão, provando que nenhuma culpa teve na ocorrência.

D - Com efeito, ficou provado, que 15 dias antes da ocorrência sofrida pelo A. todos os trabalhos de execução das obras de alargamento da A2 (de 2X3 vias) levados a cabo pela R. B.[…] estavam terminados (quesito 30º da B.I.); Ficou provado ainda que no local da ocorrência existia rede de vedação e que à data do acidente as três vias se encontravam desimpedidas de pessoal materiais e equipamento (quesitos 31º e 53º da B.I.).

Ficou ainda provado que a R. Brisa e a GNR fazem patrulhamentos 24 horas ao dia; que antes da ocorrência as patrulhas de assistência da R. Brisa e a GNR passaram pelo local e não detectaram a presença de qualquer animal que fizesse perigar a circulação automóvel (quesitos 35º a 37º) da B.I.).

Por último, ficou provado que as únicas obras que decorriam eram as executadas pela chamada Engil, que tinha como dono de obra o Gabinete do Nó Ferroviário de Lisboa (quesitos 42º, 43º e 56º) E - Por outro lado, o Meritíssimo Juiz "a quo" não podia responsabilizar a Brisa subsumindo os factos dados como provados, ao disposto no art.º 493º nº 1 do C.C. (o que configura uma situação de inversão de ónus da prova).

F - Em 1º lugar, porque a presunção de culpa do nº 1 do art. 493º do C.C. só tem aplicação àqueles que têm o encargo de vigiar o animal - cfr. Antunes Varela "Das Obrigações em Geral" - I volume, 6ª edição, pág. 626, onde se diz "o art. 493º refere-se às pessoas que assumiram o encargo de vigilância dos animais (o depositário, o mandatário, o guardador, o tratador, o interessado na compra que experimenta o animal, etc.) ...". Assim, o dever de vigilância sobre o animal nunca poderia recair sobre a Concessionária G - Mas mesmo que se considerasse que o dever de vigiar, é de quem tiver em seu poder coisa imóvel (no caso a auto-estrada), e que a R. responderia pelos danos que a coisa causar (salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua), é necessário que o dano seja causado pela própria coisa. Porém, e uma vez que se trata de uma coisa inerte, para que o dano possa ser-lhe atribuído é necessária a existência de uma anomalia, de um defeito. Esta é a tese de Sinde Monteiro no entender da recorrida mal aplicada pelo Meritíssimo Juiz ao caso dos autos.

H - Com efeito, o conceito de defeito tem limites que na sentença recorrida não se referiram. É que o conceito de defeito, de anomalia, tem no caso dos imóveis o limite do dano ter de ser provocado por esse imóvel, isto é, pela auto-estrada em si mesma, o que não é seguramente o caso dos autos. O dano não foi provocado pela estrutura física da auto-estrada, mas antes pelo embate entre o veículo e o canídeo.

I - Deste modo, relativamente à Brisa, é de afastar a inversão do ónus da prova previsto no nº 1 do art.º 493º do C.C.. Neste sentido veja-se o Acórdão da RP, de 6.7.95, in CJ Ano XX, 4º - 174; o Acórdão da RC, de 1.10.2002, in www.trc.pt, e o Acórdão da Relação de Lisboa - Apelação Nº 7666.03, de 4.12.2003, que se junta como doc. 2.

J - Este normativo apenas respeita a danos provocados por coisas ou por animais, tendo como pressuposto essencial o dever de vigilância que recai sobre o respectivo detentor. Este dever de vigilância não se verifica relativamente à Brisa, quer porque o acidente nada tem a ver com a auto-estrada em si mesma, quer porque a Brisa não assumiu o encargo da vigilância do canídeo que invadiu a faixa de rodagem. K - A verdade é que a responsabilidade da concessionária neste domínio, é, de acordo com a jurisprudência quase unânime extracontratual subjectiva, e decorre do contrato de concessão, que...

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