Acórdão nº 2047/2006-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelORLANDO NASCIMENTO
Data da Resolução08 de Maio de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

  1. RELATÓRIO O MINISTÉRIO PÚBLICO propôs, nos Juízos Cíveis de Lisboa, contra, ENDEMOL PRODUÇÕES TELEVISIVAS PORTUGAL, LD.ª, esta acção declarativa constitutiva, pedindo que se declarem nulas e de nenhum efeito as cláusulas que identifica, condenando-se a Ré a abster-se de se prevalecer delas e de as utilizar em todos os contratos que de futuro venha a celebrar com ao concorrentes, especificando na sentença o âmbito de tal proibição, se condene a Ré a dar publicidade a tal proibição, e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar, mediante anúncio a publicar em dois jornais de maior tiragem editados em Lisboa e Porto, durante três dias consecutivos e que se remeta certidão da presente sentença ao Gabinete de Direito Europeu, com fundamento, em síntese, em que a R, no exercício da sua actividade de produção de programas televisivos, elaborou as condições de um contrato a subscrever pelos participantes num programa de televisão denominado "Big Brother", contendo cláusulas proibidas face ao ordenamento jurídico português.

    A cláusula 1.5 viola o disposto nos art.ºs 21.º, al. a) e art.º 22.º, n.º 1, al. c) do Dec. Lei n.º 446/85; a cláusula 2.2 j viola o disposto no 18.º, al. l); a cláusula 4.5 viola o disposto no 22.º, n.º 1, al. c); as cláusulas 4.6 e 4.8 violam o disposto no art.º 18.º, al. e); a cláusula 5.1 viola o disposto nos 18.º, al. a) e b); a cláusula 5.2 viola o disposto no art.º 19.º, al. d); as cláusulas 9.2, a) e 9.2, b) violam o disposto no 21, al. h), todos do mesmo diploma.

    Citada, contestou a R pedindo a improcedência da acção dizendo, para o efeito, ser falso que se dedique à produção do programa "Big Brother", cuja produção já havia terminado à data da contestação e que não tenciona produzir novas séries, que o contrato em causa não é um contrato de adesão, mas um concurso público nos termos do art.º 463.º do C. Civil, modalidade da promessa pública a que se refere o art.º 459.º do C. Civil, pelo que lhe não é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais e que o escrito que é apresentado aos concorrentes para assinarem, por um lado, estabelece as condições de participação dos concorrentes e por outro, enuncia as regras do próprio concurso, constituindo um verdadeiro regulamento de concurso. As cláusulas 1.5, 4.5, 4.6 e 4.8 são regras desse concurso e não cláusulas contratuais, a cláusula 2. 2 j respeita apenas à cedência a terceiros de direitos autorais, as cláusulas 5.1 e 5.2 devem ser interpretadas de acordo com as regras gerais da responsabilidade civil não sendo aplicável o disposto no art.º 19.º, al. d) do Dec. Lei n.º 446/85 e o ponto 9.2 não pretende afastar a aplicação do disposto no art.º 28.º da Lei n.º 31/96.

    Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, julgando a acção procedente e declarando nulas e de nenhum efeito as clausulas nº 1.5, 2.2 j), 4.5, 4.6, 4.8, 5.1, 5.2, e 9.2 a) e d), do contrato junto a fls.15 a 23, condenando a Ré a abster-se de se prevalecer delas e de as utilizar em todos os contratos que de futuro venha a celebrar com concorrentes de concursos televisivos e condenando a Ré a dar publicidade a esta proibição por intermédio de anúncio a publicar em dois jornais diários de âmbito nacional e de grande circulação, em três dias consecutivos, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado desta decisão e a vir aos autos comprová-la.

    Inconformada com essa decisão, a R dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação e a absolvição do pedido, formulando as seguintes conclusões: 1. Um concurso público para televisão é uma modalidade de negócio jurídico unilateral, prevista na lei como fonte autónoma de obrigações -o concurso público -sujeito ao disposto nos artigos 457.º a 463.º do Código Civil e que constitui uma excepção ao chamado princípio do contrato; 2. Existindo uma promessa pública, com as características de concurso público, não é de aplicar o regime estabelecido o DL n.º 446/85, de 25/10, cuja finalidade é disciplinar os negócios jurídicos bilaterais denominados também "contratos de ou por adesão" ou "condições negociais gerais; 3. As disposições constantes dos pontos 1.5, 2.2 j), 4.5, 4.6, 4.8, 5.1, 5.2, e 9.2 a) e d) do documento de fls. 15 a 23 não têm natureza contratual; 4. As disposições constantes dos pontos 1.5, 2.2 j), 4.5, 4.6, 4.8, 5.1, 5.2, e 9.2 a) e d) do documento de fls. 15 a 23 inserem-se no poder regulamentar do Dono do Concurso, como expressão do conteúdo do negócio jurídico unilateral; 5. Ao considerar tais disposições como de natureza contratual, a Douta Sentença violou, entre outros, os artigos 457.º a 463.º do Código Civil e os artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro; 6. Mas mesmo que por hipótese de raciocínio se considerassem tais disposições como de natureza contratual, ainda assim não deveriam tais cláusulas ser consideradas nulas; 7. Entre a Apelante e os Concorrentes, no caso sub Júdice, estabelecem-se relações que mais se equiparam a relações entre empresários ou entidades equiparadas, do que a relações de consumo.

  2. Assim, as cláusulas 1.5, 4.5, 9.2, alíneas a) e d) não deverão ser consideradas proibidas e consequentemente nulas, por tal proibição apenas se aplicar às relações com consumidores finais (cfr. artigos 21.º e 22.º do DL 446/85).

  3. A disposição constante do ponto 1.5 do documento de fls. 15 a 23 não limita ou de qualquer modo altera obrigações assumidas, na contratação, directamente pela ora Apelante, nem atribui à Apelante o direito de alterar unilateralmente os termos do "contrato"; 10. Ao considerar tal disposição nula, a Douta Sentença violou, entre outros, os artigos 21.º a) e 22.º n.º 1 c) do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro; 11. A disposição constante do ponto 4.5 do documento de fls. 15 a 23 não atribui à Apelante o direito de alterar unilateralmente os termos do "contrato"; 12. Ao considerar tal disposição nula, a Douta Sentença violou, entre outros, o artigo 22.º n° 1 c) do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro; 13. A disposição constante do ponto 2.2 j) do documento de fls. 15 a 23 não consagra a favor da Apelante a possibilidade de cessão de posição contratual, de transmissão de dívidas ou de subcontratar; 14. Ao considerar tal disposição nula, a Douta Sentença violou, entre outros, o artigo 18.º I) do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro; 15. As disposições constantes dos pontos 4.6 e 4.8 do documento de fls. 15 a 23 não conferem à Apelante a faculdade exclusiva de interpretar qualquer cláusula do "contrato"; 16. Ao considerar tal disposição nula, a Douta Sentença violou, entre outros, o artigo 18.º e) do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro; 17. As disposições constantes dos pontos 4.6 e 4.8 do documento de fls. 15 a 23 não conferem à Apelante a faculdade exclusiva de interpretar qualquer cláusula do "contrato"; 18. Ao considerar tal disposição nula, a Douta Sentença violou, entre outros, o artigo 180 e) do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro; 19. A disposição constante do ponto 5.1 do documento de fls. 15 a 23 (excluindo a expressão "a título de dolo ou culpa grave) não exclui ou limita a responsabilidade por danos causados à vida, à integridade moral ou física ou à saúde das pessoas, nem a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais; 20. Ao considerar tal disposição nula in totum, a Douta Sentença violou, entre outros, o artigo 18.º a) e b) do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro; 21. A disposição constante do ponto 5.2 do documento de fls. 15 a 23 não impõe ficções de recepção, de aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes; 22. Ao considerar tal disposição nula, a Douta Sentença violou, entre outros, o artigo 19.º d) do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro; 23. A disposição constante do ponto 9.2 a) e d) do documento de fls. 15 a 23 não exclui ou limita a possibilidade de requerer a tutela judicial para situações litigiosas nem prevê modalidade de arbitragem que não assegure as garantias de procedimento estabelecidas na lei; 24. Ao considerar tal disposição nula, a Douta Sentença violou, entre outros, o artigo 21.º h) do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro; 25. O concurso Big Brother, no seu formato, não é acessível ao público em geral.

  4. Sendo o universo dos concorrentes perfeitamente delimitado, não se justifica e é desproporcionada a condenação de dar publicidade a uma eventual proibição.

  5. Nos termos do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do DL 446/85, na redacção que lhe foi dada pelo DL 220/95, não há lugar a custas, em virtude das acções destinadas a proibir o uso ou a recomendação de cláusulas contratuais gerais que se considerem abusivas delas estarem isentas, disposição esta violada na Douta Sentença, ao condenar em custas a ora Apelante.

    O M.º P.º contra-alegou pugnando pela confirmação da sentença recorrida 2. FUNDAMENTAÇÃO

    1. OS FACTOS O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos: 1) A Ré é uma sociedade por quotas, encontrando-se matriculada sob o n.º 4505 e com a sua constituição inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa.

      2) A Ré tem por objecto a actividade de produção, comercialização e a distribuição de qualquer tipo de produções televisivas. 3) Consta do documento n.º 2 junto com o requerimento inicial...

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