Acórdão nº 9212/04-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Abril de 2007
Magistrado Responsável | GRAÇA ARAÚJO |
Data da Resolução | 19 de Abril de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: E propôs contra C E A, S.A., em liquidação e outros acção declarativa de condenação, com processo sumário, ao abrigo do disposto no artigo 38º do D.L. 30.689, de 27.08.40.
Excluindo a matéria atinente aos pedidos já decididos com trânsito em julgado, o autor alegou, em síntese, que: em meados de Dezembro de 1988, o capital social da ré C perfazia 1.500.000.000$00, distribuído por 1.500.000 acções nominativas com o valor unitário nominal de 1.000$00; o autor era titular de 75.000 acções, correspondentes a 5% do capital social; por limitações legais - que o impediam de figurar como titular de percentagem superior de acções - o autor adquirira ou subscrevera, pagara e fizera registar em nome de pessoas da sua confiança mais 1.350.000 acções, de que, de facto, dispunha; nessa altura, o Conselho de Administração da ré C, até aí presidido pelo autor, foi suspenso das suas funções por intervenção do Estado, passando a gestão e representação da ré C a caber a uma Comissão Administrativa presidida por J S e que tinha como vogais , o autor incumbiu o réu T B de negociar e, sendo caso disso, transmitir, mediante certas contrapartidas, um lote de 804.000 acções da titularidade das referidas pessoas de confiança do autor e correspondentes a 53,6% do capital social da ré C; para conferir ao réu T B a credibilidade necessária para as negociações, o autor entregou-lhe doze declarações de venda que deliberadamente não foram exaradas no modelo legal nem acompanhadas dos títulos representativos das acções; em 13.9.89, o Ministro das Finanças proferiu um despacho recomendando que os maiores depositantes da ré C promovessem diligências para uma eventual hipótese de conversão de passivos em capital social, em articulação com os accionistas; os maiores depositantes da ré C eram ; em reunião havida entre aqueles representantes e o autor, este informou-os de que, caso desejassem adquirir um lote de acções representativas da maioria do capital social da ré C deveriam negociar com o réu T B; assim, o Dr. , representante da CCCAM, o Dr. , representante do INH, o réu T B e o seu advogado, Dr. , conceberam um plano para beneficiar os grandes depositantes da ré C (permitindo-lhes "tomar" o capital social desta), o réu T B e as empresas controladas por este e, simultaneamente, despojar o autor da parte mais valiosa do seu património; induzido em erro pelos quatro indivíduos referidos, que lhe fizeram dolosamente crer que iria receber as contrapartidas que pretendia pela alienação das acções, em 15.12.89, o autor entregou ao réu T B - na qualidade de seu fiel depositário - os títulos, endossados em branco, correspondentes às acções representativas de 53,6% do capital social da ré C, bem como as respectivas declarações para registo das transmissões de acções, assinadas pelos titulares (transmitentes), sem indicação dos nomes dos adquirentes; de tudo tiveram conhecimento, em Fevereiro de 1990, a Comissão Administrativa da ré C e o Banco de Portugal, representado pelo Dr. , tendo este último concordado com o plano concebido; conhecendo a qualidade de fiel depositário em que o réu T B detinha as acções, os membros da Comissão Administrativa da ré C promoveram, ordenaram ou autorizaram que as acções fossem registadas em nome de testas de ferro dos grandes depositantes, ficando os respectivos direitos sociais em nome do Dr. e de outras pessoas da confiança dos maiores depositantes; na reunião da assembleia geral da ré C realizada em 30.4.90, e com os votos do Dr. , em nome próprio e em representação de outros, foram aprovados o balanço e as contas relativos ao exercício de 1988 (apresentados pela Comissão Administrativa) na "versão" que permitiu apurar o maior prejuízo possível e em ordem a justificar a planeada redução drástica do capital social; o autor impugnou judicialmente as deliberações tomadas na dita reunião, mas foi pressionado pelo Banco de Portugal para desistir da acção, sob pena de o Banco propor a liquidação da ré C; em reunião da assembleia geral da ré C, em 17.09.90, sob proposta e com os votos do , foi deliberado reduzir o capital social de 1.500.000.000$00 para 5.000.000$00 - de modo a que a cada conjunto de trezentas acções antigas, com o valor nominal unitário de 1.000$00, passasse a corresponder uma nova acção com o mesmo valor nominal - e, após, aumentá-lo para 15.000.000.000$00, com supressão do direito de preferência da generalidade dos accionistas e reserva dessa subscrição aos titulares de depósitos de valor superior a 60.000.000$00; tais deliberações foram executadas por escritura pública de 28.11.90, outorgada por três dos membros da Comissão Administrativa da ré C; o referido aumento de capital veio a ser subscrito por doze grandes depositantes da ré C; de tais deliberações resultou para o autor um prejuízo de 3.730.000.000$00; em 6.11.91, a ré C, representada por dois dos seus então administradores - um dos quais o Dr. - celebrou com o réu T B um contrato através do qual perdoou a este e a empresas por este controladas cerca de 1.510.000.000$00, para além de assumir uma dívida daquele réu e suas empresas para com a CCCAM no montante de 288.258.000$00; as contrapartidas assim suportadas pela ré C pela infidelidade do réu T B relativamente ao autor foram mais onerosas do que teriam sido as contrapartidas exigidas pelo autor para alienar as acções; os factos descritos consubstanciam a prática de um crime de burla agravada, consumado, pela verificação do prejuízo patrimonial, com a escritura de 28.11.90; o comportamento enganoso foi praticado em Dezembro de 1989, em co-autoria, pelo réu T B e pelos Drs. entre aquelas datas intervieram diversas pessoas que, de modo diferente, contribuíram dolosamente para que se verificasse um ilegítimo enriquecimento dos depositantes e o correspondente e igualmente ilícito prejuízo do autor, nomeadamente os membros da Comissão Administrativa da ré C; e, assim, a própria ré C responde, solidariamente com as demais pessoas, singulares e colectivas, pelo ressarcimento dos danos provocados ao autor; o autor sofreu graves danos morais, que importam compensação não inferior a 70.000.000$00; a pretensão do autor foi remetida para os meios comuns nos autos de liquidação administrativa da ré C. O autor concluiu, pedindo que seja reconhecido e verificado o seu crédito a uma indemnização por danos materiais no montante de 3.730.000.000$00, acrescida de juros no valor de 1.885.438.355$00, e a uma indemnização por danos morais no montante de 70.000.000$00.
A ré C contestou, alegando (na parte que agora nos interessa) e, em síntese, que: a ré C está em falência, desde 1.4.95, por acto administrativo não impugnado contenciosamente; só no âmbito do processo extrajudicial de liquidação da ré C, em 21.7.95, o autor reclamou e liquidou à ré os créditos que ora peticiona; os direitos que o autor pretende exercer já prescreveram por diversas razões, a saber: a) a data da consumação do alegado crime de burla é a de 15.12.89, data em que o autor perdeu o domínio jurídico e de facto sobre as acções em causa; b) o autor nunca praticou qualquer acto que tivesse a virtualidade de interromper a prescrição; o autor nunca apresentou queixa-crime, pelo que caducou o seu direito de queixa, sendo que, actualmente, o crime de burla tem natureza semi-pública e tal regime haveria de aplicar-se por mais favorável ao arguido; c) os membros da Comissão Administrativa da ré não podiam licitamente recusar o registo, em 11.4.90, dos novos titulares das acções perante a apresentação dos respectivos títulos legais de transmissão, pelo que não existe ilicitude criminal na sua actuação; d) aliás, a falta de registo não operaria a invalidade das transmissões nem o exercício dos direitos sociais inerentes; e) o engano de que o autor se diz vítima não é causa adequada dos posteriores registo das acções, deliberações da assembleia geral e escritura pública de redução e aumento de capital; f) ao proceder ao registo de acções, os membros da Comissão Administrativa da ré desconheciam se tais acções eram ou não aquelas de que o autor, só agora, concretiza serem, de facto, suas, pelo que agiram sem consciência da ilicitude; g) o autor quis e aceitou a transmissão das acções em causa, razão pela qual...
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