Acórdão nº 2088/2007-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Abril de 2007

Magistrado ResponsávelILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Data da Resolução12 de Abril de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO M.[…] intentou acção ordinária contra o Estado Português, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 52.933,33 e as quantias liquidadas ou a liquidar em execução de sentença que o A. se veja obrigado a desembolsar para pagamento de despesas e honorários devidos a título de actividade desenvolvida em prol da defesa da ilegalidade da sua detenção e prisão, além dos juros de mora.

Em síntese, alegou ter sido privado da sua liberdade, de 28-08-2003 a 20-11-2003, em consequência de despacho judicial que determinou, de forma ilegal e com base em erro grosseiro, a sua prisão preventiva, o que lhe causou danos de natureza patrimonial e não patrimonial.

O Ministério Público contestou em representação do Estado Português, concluindo pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido, dizendo, em síntese, que o despacho em causa não sofre de qualquer ilegalidade, verificando-se, então, todos os requisitos legais para que tivesse sido decretada a medida de prisão preventiva.

Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e provada e condenou o Estado Português a pagar ao autor a quantia de 32.700 euros e "o que se vier a liquidar como custos com a propositura (e acompanhamento) desta acção".

Não se conformando com a sentença, dela recorreu a Digna Magistrada do Ministério Público, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1ª - Nos termos do disposto no artigo 692° n° 3, do CPC, o Estado, ora réu, requereu que fosse atribuído efeito suspensivo ao recurso de apelação que interpôs, 2ª - Com o fundamento de que a instauração imediata da execução lhe causaria prejuízo considerável, dada a necessidade de cabimento orçamental prévio de quaisquer despesas da sua parte e na medida em que os bens do Estado são relativamente impenhoráveis, por estarem generalizadamente afectos a fins de utilidade pública; 3ª - Requereu, por outro lado, a dispensa de prestar caução, na medida em que o Estado tem reconhecida solvabilidade económica.

  1. - O A. opôs-se e o Exmº juiz, indeferindo, nesta parte, o requerido pelo Estado, fixou o efeito devolutivo ao recurso.

  2. - Uma vez que tal despacho não vincula o tribunal superior e só pode ser impugnado nas alegações de recurso (art. 687° n° 4 e 694°, n° 2 do CPC), requer-se então a reapreciação do mesmo.

  3. - Com efeito, o fim da prestação de caução é o de assegurar ou garantir o cumprimento de uma obrigação em que o devedor foi condenado por sentença não transitada (in casu, o pagamento da quantia em que o Estado foi condenado).

  4. - Ora, uma vez que se trata do Estado Português que, como é sabido, tem solvabilidade económica bastante, não existe qualquer justificação ou razão de ser para exigir tais cautelas.

  5. - O desiderato que se pretende alcançar com a prestação de caução estará sempre assegurado quando o devedor é o Estado, dada a sua reconhecida solvabilidade económica.

  6. - Tal entendimento tem sido dominante na doutrina e na jurisprudência, não obstante a ausência de lei expressa, com base na argumentação de que não é legítimo duvidar da solvabilidade do Estado, "que é de considerar pessoa de bem, que honra os seus compromissos e que é mesmo o garante máximo e último do respeito da legalidade".

  7. - Entender que o Estado não está dispensado de prestar caução, ou exigir-lhe que a preste, como condição de fixação do efeito suspensivo do recurso, é, no fundo, reconhecer ou admitir que o Estado carece de solvabilidade económica bastante, o que, salvo o devido respeito, não deixa de ser um absurdo.

  8. - Logo, deverá declarar-se que o Estado está dispensado de prestar caução e, em consequência, alterar-se o efeito do recurso, atribuindo-se-lhe efeito suspensivo (cfr. art. 703° do CPC).

  9. - Entre a matéria de facto dada como assente, integrante da Base Instrutória, destacam-se os seguintes factos, que constituem matéria substancialmente conclusiva, pelo que deverão ter-se por não escritos (artigo 646 n° 4 do CPC): Em momento algum, o comportamento do A. indicia qualquer envolvimento em tal crime (subtracção da carrinha); 41° da PI.

    Não é possível retirar deste relatório quaisquer indícios, quanto mais fortes, da participação do A. no suposto roubo; 45° PI.

    Não se pode concluir dessas sessões telefónicas que o"K" envolvido era o agora A., pois nada nessas conversas o indica ou sequer o faz supor; 56° da PI.

    Não se retira, assim, quer do relatório de vigilância quer das referidas sessões telefónicas, qualquer tipo de indício da prática de qualquer tipo de crime por parte do A., ao contrário do afirmado no relatório intercalar de Agosto de 2003; 62° da PI.

    Pelo que toda a prova apresentada, que se baseia nas escutas telefónicas envolvendo este número de telemóvel, cai por terra relativamente ao A. 90° da PI.

    Não havia nos autos indícios da prática de crime por parte do ora A. e não surgiram novos elementos. 129° da PI.

    Face a todos os motivos constantes do decidido quanto aos artigos 190°, 191°, 192 193°, 194° e 195° (da PI) não havia motivos para equacionar a fuga do A. 197° da PI.

    Face ao conhecimento dos factos de que então se dispunha não era de concluir que o A. pertencia à associação objecto da investigação e que estivesse envolvido com essa organização no auxílio à imigração ilegal, na angariação de mão-de-obra ilegal e subtracção da carrinha (103° da Contestação) 13ª - Estamos perante matéria estritamente conclusiva, importando indução a extrair de factos materiais e concretos, e integrando, igualmente, questões exclusivamente de direito.

  10. - Ou seja, no caso vertente, constitui matéria de direito saber se havia indícios da prática de crime ou perigo de fuga, para o efeito de servirem de fundamento do direito de indemnizar alicerçado no n° 2 do artigo 225° do CPC.

  11. - Por outro lado, não é possível a formulação de quesitos com factos-conclusões (sintéticos), por sobre eles não poderem ser interrogadas directamente as testemunhas.

  12. - No que concerne à matéria igualmente conclusiva alegada sob o artigo 103° da contestação, incluído na base instrutória, cuja redacção é a seguinte " Face ao conhecimento dos factos que então se dispunha, era, em absoluto, razoável concluir que o A. pertencia à associação objecto da investigação, que se encontrava, no âmbito dessa organização, fortemente envolvido no auxílio à imigração ilegal, na angariação de mão-de-obra ilegal e no roubo da carrinha", o Ex.mo juiz em lugar de responder "não provado" deu como assente precisamente o inverso, excedendo os limites de conhecimento fixados, no essencial, no artigo 664° 2° parte do CPC.

  13. - Assim sendo, reitera-se, tais quesitos são irrespondíveis e, em consequência, devem ser consideradas tais respostas como não escritas.

  14. - O direito à liberdade encontra-se constitucionalmente garantido, entre outros preceitos, no artigo 27° da CRP, o qual no seu n° 5, remete para a lei ordinária os termos em que deve ser efectivado o direito de indemnização de pessoa lesada em virtude de privação ilegal da liberdade.

  15. - E para o artigo 225° do CPP que a nossa lei fundamental remete, preceito no qual se concretizam os termos em que o lesado poderá ver ressarcido o seu direito a uma indemnização.

  16. - No n°1 do artigo 225 do CPP, prevêem-se as situações de detenção ou prisão preventiva manifestamente ilegais, ou seja, as levadas a cabo por quaisquer entidades administrativas ou policiais, como ainda por magistrados judiciais, agindo estes desprovidos da necessária competência legal ou fora do exercício do seu munis ou sem utilização do processo devido, ou mesmo, quando investidos da autoridade pública do cargo, se hajam determinado à margem dos princípios deontológicos e estatutários que regem o exercício da função judicial ou impulsionados por motivações com relevância penal, como por peita, suborno, concussão, prevaricação ou abuso de poder.

  17. -A ilegalidade só é manifesta, patente, quando se torna evidente mesmo numa apreciação superficial, o que sucede, v.g., quando o crime não admite prisão preventiva, quando a detenção se mantenha para além de 48 horas ou a prisão preventiva para além dos prazos legais, ou os casos em que o crime se encontra extinto, nomeadamente por prescrição ou amnistia.

  18. - In casu, como ressalta da matéria de facto dada como assente, nada disto sucedeu, visto que a prisão preventiva do A foi ordenada no âmbito de um processo criminal instaurado e pelo juiz competente, no exercício das suas funções.

  19. - Ou seja, tendo a prisão preventiva sofrida pelo A sido determinada por um juiz no exercício das suas funções, está liminarmente excluída a possibilidade de se poder qualificá-la como "manifestamente ilegal".

  20. - Enquanto pressuposto indemnizatório, a ilegalidade é independente de qualquer valoração sobre a justeza da aplicação da medida de prisão preventiva.

  21. - Consequentemente, apenas a violação de requisitos legais de natureza formal é susceptível, face ao estatuído no n° l do artigo 225° do CPP, de ser adjectivada como ilegalidade manifesta.

  22. - Assim, a apreciação e a valoração da prova, que determinam a conclusão pela existência, ou não, em concreto, de fortes indícios, bem como a existência, ou não, em concreto, dos requisitos a que se reporta o artigo 204° do CPP, não podem integrar, no nosso ordenamento jurídico, o conceito de ilegalidade manifesta.

  23. - Posto isto, e porque o interrogatório do autor e o despacho que o sujeitou a prisão preventiva, não se encontram feridos de qualquer ilegalidade, muito menos de ilegalidade manifesta, isto é aquela que se torna evidente mesmo numa apreciação perfunctória, o direito invocado pelo autor só poderá alicerçar-se no n° 2 do artigo 225° do CPP.

  24. - Esta disposição legal contempla as situações em que a prisão preventiva tem cobertura legal, mas vem a revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia.

  25. - Revertendo ao caso concreto, e, contrariamente ao sustentado pelo Exmº Juiz na douta sentença recorrida...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT