Acórdão nº 10766/2006-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelRUI VOUGA
Data da Resolução13 de Março de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, na Secção Cível da Relação de Lisboa: Nas Varas Cíveis de Lisboa, ROSA intentou contra COMPANHIA DE SEGUROS, SA, acção declarativa de condenação, com processo comum na forma ordinária, peticionando a condenação da Ré a: a) Reconhecer a Autora como beneficiária do contrato de seguro de vida titulado pela apólice n° 840604; b) Reconhecer que o contrato de seguro atrás identificado é plenamente válido e eficaz; c) Pagar à Autora a quantia de 24.939,90 €, referente ao capital seguro pela morte do segurado J.

  1. Pagar à Autora a quantia de 24.939,90 € referente à cobertura complementar subscrita pelo segurado, porquanto o óbito deste resultou de acidente.

  2. Pagar à Autora a quantia de 798,45 €, correspondente ao saldo da conta designada por Multiplic Gold.

  3. Pagar à Autora juros de mora, computados à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, alegou, resumidamente, que: 1) que, em 10.03.99, o marido da Autora subscreveu uma proposta de seguro de vida da Companhia Portugal, SA designado por Multiplic Gold, na qual o capital seguro em caso de morte do segurado era de 5.000.000$00, tendo sido também incluída a cobertura complementar de montante igual ao capital seguro, designadamente no caso de morte ou invalidez total ou parcial permanente por acidente ou acidente de viação, acrescido do saldo da conta Multiplic Gold; 2) em 17.03.99, a Companhia de Seguros emitiu e remeteu ao segurado as respectivas condições particulares da apólice n°, tendo o seguro início em 11.03.99; 3) A Companhia de Seguros aceitou o seguro, sabendo que o segurado já tinha sido sujeito a uma intervenção cirúrgica em 1993; 4) O segurado faleceu no dia 09.07.2001 após uma violenta discussão com outra pessoa por assuntos relacionados com acertos de contas; 5) A Autora comunicou à Ré o óbito do seu marido e reclamou o pagamento das quantias contratualmente devidas; 6) Em 28.11.2001 a Ré remeteu à Autora um recibo no montante de 5.160.000$00; 7) A Autora assinou o documento, mas posteriormente, solicitou à Ré o pagamento da quantia de 10.160.074$00 (50.678,25£), por entender que essa quantia lhe era devida, porque de acordo com o relatório do médico assistente e do médico que estava de serviço no Hospital do Fundão; 8) O segurado tinha antecedentes de enfarte de miocárdio, mas, após a angioplastia, recuperou completamente; 9) A morte do segurado não foi devida a doença mas sim a acidente, porque o enfarte de miocárdio que o vitimou foi uma causa exterior e estranha à vontade daquele; 10) A Ré invocou a nulidade do contrato de seguro, mas o contrato de seguro não enferma de qualquer vício, porque não contém informações inexactas, uma vez que o segurado disse ter sofrido uma intervenção cirúrgica -cm 1993 e, nessa altura, encontrava-se em perfeito estado de saúde; 11) O questionário faz parte do contrato de seguro e foi preenchido por um representante da Ré, limitando-se o tomador de seguro a assinar, depois de responder com verdade e rigor às perguntas, pelo que as suas inexactidões são da responsabilidade da Ré; 12) Mesmo que essas inexactidões sejam consideradas relevantes, o contrato de seguro não é nulo, mas sim anulável, sendo a anulabilidade sanável mediante confirmação; 13) A Ré, ao enviar ao segurado as condições particulares e ao reconhecer que o contrato tinha entrado em vigor em 10.03.99, sanou a alegada anulabilidade; 14) Quando foi enviada a carta de 31.07.02, já tinha decorrido mais de um ano sobre a cessação do vício, o que determina a caducidade do direito da Ré de arguir a anulabilidade do contrato de seguro; 15) A Ré sempre pautou a sua conduta de forma a incutir na Autora e no segurado confiança quanto à validade do contrato de seguro, recebendo o prémio de seguro durante dois anos e não fazendo qualquer reparo.

A Ré contestou, pugnando pela total improcedência da acção.

Defendendo-se por excepção, invocou a nulidade do contrato de seguro Ramo Vida Multiplic, titulado pela apólice n° 840.604, devido a falsas declarações ou declarações inexactas prestadas por J, que tiveram influência directa na aceitação do seguro, porquanto a apólice de seguro n° 840.604 tem por base a proposta de seguro e o questionário médico que dela faz parte integrante, da exclusiva responsabilidade do seu subscritor, que à pergunta sobre se tinha sido submetido a alguma intervenção cirúrgica, deu a resposta "não", à pergunta sobre se "tem, teve ou foi tratado de doença do aparelho cardiovascular" deu resposta negativa, à pergunta "se esteve hospitalizado" respondeu negativamente, tendo sido igualmente negativa a sua resposta à pergunta sobre se tinha sido submetido a intervenções cirúrgicas.

Concluiu pedindo que a excepção que invocou seja julgada procedente e a Ré absolvida do pedido, excepto quanto ao prémio poupança ou, se assim não for entendido, que a Ré seja absolvida do pedido em tudo o que exceder a quantia de 25.738,34 €.

A Autora replicou, respondendo à matéria da excepção deduzida pela Ré.

O processo foi saneado, fixaram-se os factos assentes por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena e organizou-se a base instrutória, após o que se seguiu a instrução dos autos.

Discutida a causa em audiência de julgamento (com gravação da prova testemunhal produzida) e decidida a matéria de facto controvertida, veio a ser proferida (em 31/5/2006) sentença final que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia correspondente ao prémio de 798,45 €, correspondente ao saldo da conta designada por Multiplic Gold, absolvendo-a dos demais pedidos formulados pela Autora.

Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação da referida sentença, tendo extraído das alegações que apresentou as seguintes conclusões: "1ª - O contrato de seguro é válido e eficaz, porquanto, sendo um contrato literal e formal, apenas é titulado pela apólice ou pela respectiva proposta, depois de aceite pela seguradora.

  1. - Isto significa que o questionário não faz parte do contrato, pelo que as inexactidões invocadas pela ré não têm qualquer relevância, na medida em que não constam da proposta de seguro - nesta o tomador não prestou qualquer informação falsa.

  2. - ainda que assim não fosse, isto é, que o questionário médico integra e faz parte do contrato de seguro, a verdade é que a seguradora, tendo conhecimento de respostas antagónicas em dois documentos distintos (na proposta de seguro e no questionário), não se preocupou em saber qual delas correspondia à verdade.

  3. - esta conduta determina, a nosso ver, que a ré ao ter emitido a respectiva apólice aceitou o seguro com a dita contradição, tornando, assim, o seguro válido e eficaz.

  4. - Esta questão não mereceu qualquer sindicância na douta sentença recorrida, quando na nossa perspectiva deveria ter ocorrido, por força do disposto no art.º 660º, n.º 2 do C.P.Civil, o que determina a sua nulidade (Cfr. art.º 668º, n.º 1, alínea d) do mesmo Diploma).

  5. - Seja como for, a ser perfilhado entendimento contrário, isto é, de que as inexactidões constantes do questionário médico são relevantes e que, por essa via, podem determinar o funcionamento do disposto no art.º 429º do C.Comercial, sempre a acção deve ser julgada procedente, arbitrando-se à autora as quantias peticionadas.

  6. - Isto porque, conforme é considerado na doutrina dominante e há muito assente na Jurisprudência, o vício em causa naquela disposição legal é a anulabilidade e não a nulidade.

  7. - "in casu", a dita anulabilidade do contrato foi sanada mediante confirmação.

  8. - Ainda que não fosse seguido tal entendimento e se considerasse que a anulabilidade do contrato de seguro não foi sanada por confirmação, sempre teria caducado o direito da ré em invocar tal vício, o que se invocou e invoca para todos os efeitos legais, na medida em que decorreu mais de um ano desde a cessação do vício que eventualmente podia servir de fundamento à anulabilidade do contrato.

  9. - Por outro lado, caso seja entendido que o contrato é efectivamente nulo, conforme consta da decisão recorrida, o que só no limite e por mera cautela de patrocínio se admite, a sua invocação pela ré constitui-se como um verdadeiro e flagrante abuso de direito na modalidade de "venire contra factum proprium".

  10. - Esta questão não foi apreciada pela Meretissima Juiz "a quo" (Cfr. art.º 660º n.º 2 do C.P.Civil), o que determina a nulidade da sentença (Cfr. art.º 668º, n.º 1, alínea d) daquele Diploma).

  11. - Tendo em conta o consignado nas conclusões precedentes, a recorrente tem direito não só ao valor da cobertura base, como também ao da cobertura complementar contratada (Vide proposta de seguro e art.º 3º das condições especiais da cobertura complementar).

  12. - É que, conforme se extrai da prova documental produzida, a causa da morte não foi doença mas sim acidente.

  13. - A douta sentença recorrida violou, assim, por errada interpretação da lei ou má aplicação desta aos factos dados como provados, entre outros, os artigos 426º, 427º e 429º do C.Comercial, 660º, n.º 2 e 668º, n.º 1, alínea d) do C.P.Civil e 287º e 334º do C.Civil.

Nestes termos Deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra de acordo com o propugnado nas conclusões antecedentes, assim se fazendo JUSTIÇA" Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

O OBJECTO DO RECURSO Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (1)(2)(3)(4)(5).

Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e...

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