Acórdão nº 9428/2006-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelMARIA JOSÉ SIMÕES
Data da Resolução16 de Janeiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO E, Lda., intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário contra B, Lda., J e Maria, casados entre si, alegando, em síntese que: - em 16/06/99, celebrou com a sociedade R. um contrato, com duração de cinco anos renováveis, pelo qual a R. se obrigou a comprar à A. 1.150.000 Kg de gás Esso no 1º ano e 1.250.000Kg no segundo ano e seguintes; - mais acordaram que a A. poderia resolver o contrato se a R. faltasse ao cumprimento das obrigações assumidas, situação em que a R. teria de indemnizar a A. de acordo com uma fórmula desde logo fixada, bem como teria de devolver todo o material que a A. lhe tivesse confiado, nomeadamente garrafas; - a R. nunca adquiriu os quilogramas de gás que se tinha comprometido a adquirir, motivo pelo qual a A. rescindiu o contrato por carta de 04/10/2004; - a R. não pagou a indemnização, calculada em 1.358.851,45 €, e não devolveu 13.350 garrafas com o valor total de 249.595,00 €; - a R. tinha entregue à A. 28.103,61 € a título de caução e tinha um crédito na conta-corrente no valor de 18,42 €; - os RR. singulares assumira-se como fiadores da R. sociedade até ao limite de 10.000.000$00.

Conclui, pedindo que a acção seja julgada provada e procedente e, em consequência, os RR. solidariamente condenados a pagar à A. a quantia de 1.580.324,42 €, acrescidos de juros à taxa comercial desde a citação até integral pagamento.

Contestaram os RR. alegando, em síntese, que: - o contrato dos autos é nulo por ser de adesão e conter cláusulas abusivas (o revendedor não pode opor-se à primeira renovação do contrato, e cláusula penal desproporcionada); - após a celebração do contrato, passou a ser comercializado, na zona, o gás natural em grande escala, o que determinou uma grande perda de clientes da R., facto que constitui relevante alteração das circunstâncias em que a R. fundou a sua decisão de contratar; - a A. só resolveu o contrato com a R. depois de ter contratado com outro revendedor; - a partir de meados de 2003, a A. passou a não ter em stock vasilhame para fornecer à R., sabendo que dessa forma paralisaria a actividade da R.; - por essa razão, a R. teve de recorrer à concorrência para satisfazer os seus clientes; - a R. sempre teve vendas inferiores às contratuais e a A. sempre aceitou tal facto; - só imediatamente após a primeira renovação do prazo, a A. resolve o contrato, sendo desta forma a indemnização contratual a mais elevada possível; - a A. resolveu o contrato sem interpelação admonitória e sem que tenha perdido objectivamente o interesse no cumprimento; - a R. entregou todo o material à A. e o que não entregou está em casa dos clientes; - com a resolução a R. viu o negócio decrescer e viu denegrida a sua imagem comercial.

Terminam pedindo que a acção seja julgada não provada e improcedente, com a sua consequente absolvição do pedido; pedem em reconvenção a condenação da A. a pagar-lhes a quantia de 28.122,03 € (caução e nota de crédito), acrescida de juros legais a contar da citação, e a quantia de 50.000,00 € a título de indemnização por danos causados com a resolução ilícita; mais pedem a condenação da A. como litigante de má fé.

A A. replicou alegando, em síntese, que: - o mercado sempre foi aberto e a R. nunca teve a exclusividade das vendas de gás da A.; - a A. foi avisando a R., ano após ano, que não estava a cumprir os números de vendas acordados; - o contrato celebrado foi negociado entre as partes e resultou da equilibrada composição dos seus interesses; - o gás natural só surge em 2000 e a R. não cumpria os volumes acordados desde 1993; - em meados de 2004, a R. começou a comprar e comercializar gás Repsol e mudou o visual da loja para esta marca.

Termina pugnando pela improcedência do pedido reconvencional e pela condenação dos RR. como litigantes de má fé.

Prosseguiram os autos com a prolacção da sentença, na qual se julgou a acção e a reconvenção parcialmente procedentes, condenando-se a R. a pagar à A. o valor das garrafas que não devolveu (de quantidade não inferior a 3000 garrafas), a liquidar em incidente ulterior, deduzidos 28.122,03 € (caução prestada pela R. e nota de crédito a seu favor), absolvendo todas as partes do demais pedido.

Inconformada com esta decisão, veio a A. E, Lda. interpor recurso de apelação, tendo no requerimento de interposição de recurso referido o seguinte: "… e com a mesma não se conformando relativamente à fixação de garrafas e na parte em que os segundo e terceiro réus são absolvidos, dela pretende interpor recurso de apelação para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa", tendo posteriormente apresentado as suas alegações que finalizou com as seguintes conclusões: 1. O Julgador "a quo", não só se olvidou de quantificar a indemnização devida (já que a peticionada apenas a considerou abusiva quanto ao montante), como relegou para incidente ulterior a determinação do no de garrafas (no entanto "não inferior a 3000"), como, e finalmente, absolveu os 2° e 3a RR. da acção por alegada nulidade das fianças prestadas; 2. Quanto à não quantificação da indemnização devida impõe-se suprir esse lapso material, pois: - se há incumprimento do contrato pelos RR,, - se esse incumprimento era sancionado, desde logo, com a aplicação da d. 7a, 2 do mesmo; - se essa cláusula é válida; - se a resolução do contrato não foi abusiva; - e se o "quantum" indemnizatório, quanto ao seu montante, era excessivo, - então, e apesar disso, tinha o Tribunal "a quo" de ter reduzido aquele valor, segundo a equidade, para o valor que segundo o seu prudente arbítrio sancionasse de facto o evidente e provado incumprimento dos RR.; 3. Sem conceder, se o montante indemnizatório "é abusivo", cabia ao Tribunal "a quo" definir aquele que o não fosse (com o recurso aos elementos dos autos que até permitiam essa tarefa intelectual lógica e Imprescindível) por forma a sancionar o incumprimento provado dos RR.; 4. Obviamente que o Tribunal não pode condenar acima do peticionado, mas abaixo pode fazê-lo, e este caso - face aos factos provados - era o caso paradigmático para esse exercício poder ser feito: - alguém incumpriu, assumidamente, um dado contrato; - outrem, validamente, resolveu o contrato e quantificou a indemnização devida; - porque essa indemnização será excessiva, o Julgador deve reduzi-la para o justo limite da sanção que as partes quiseram antecipar para a situação de incumprimento; 5. Quanto ao número de garrafas, e como bem se lê na fundamentação do Julgador "a quo" na resposta dada ao quesito 1°, se "é facto do conhecimento geral que cada cliente tem, pelo menos duas garrafas em casa (excepcionalmente podem haver clientes com apenas uma garrafa mas serão mais os que têm três garrafas)", então bastaria multiplicar por três o no de clientes originais dos RR. para se obter algo muito próximo do n° peticionado no quesito 1°: 4.200 x 3 garrafas = 12.690 N° peticionado (final) = 12.840 6. Aliás, corno as testemunhas todas bem referiram, em cada encomenda só se entregam garrafas cheias contra igual número de vazias; 7. Sinal evidente, de que quando a relação contratual dos autos arrancou em 1989 na versão societária, foi considerado o "parque de garrafas" que desde 1973 os RR. já haviam gerado e que explicam o n° de 12840 que parece muito elevado e afinal não o é. 8. Acresce que a circunstância de „haverem centenas de garrafas em poder de clientes", corro os RR. confessaram, é irrelevante por duas ordens de razões primeira, porque, como se percebeu, os RR. na pendência da acção entregaram algumas (demonstração de que bem sabem serem da A.); e, segunda, porque exactamente por saberem as partes ao contratar que é assim, a cl, 88 prevê, na impossibilidade da devolução física das mesmas, o pagamento do seu contravalor, como vem - e bem - peticionado; 9. Nos livros da A., ao fim de 30 anos de relação comercial, regista-se um saldo a seu favor de 12.840 garrafas não entregues, e as suas testemunhas confirmaram-no, não sendo exigível qualquer outro tipo de prova; 10. Acresce que, se o n° de garrafas não ficou determinado na acção, muito menos o ficará num "incidente ulterior", obrigando a que V. Exas., e em face dos elementos/factos disponíveis, corrijam a douta decisão recorrida, considerando o n° (final) de garrafas peticionadas e condenando os RR. a entregar o respectivo contravalor; 11. Quanto ao facto de as fianças terem sido consideradas nulas, basta ler o sumário do acórdão citado, para se perceber que as 2 premissas de base, para que se aplique ao caso concreto, não estão preenchidas; 12. Não só há a menção expressa da origem e/ou natureza das responsabilidades assumidas, como a qualidade dos fiadores intervenientes é perfeitamente explicada (são os donos da 1ª R.); 13. Basta ler o texto da fiança conjunta, prestada pelos 2º e 3ª RR., para bem se perceber que a origem e a natureza das responsabilidades assumidas é clara, desde o dia em que foi prestada, não podendo assim ser declarada nula; 14. Não se pode falar em "indeterminabilidade do objecto", quando os RR. - os 2° e 3a RR. - desde sempre souberam o que afiançavam (e no caso dos autos era a 3ª vez que o faziam); 15. Aqui sim, há abuso de direito, na modalidade de "venire contra. factum próprio", quando os RR. assumiram, e transcrevemos: "Esta fiança é assumida com a maior amplitude, até ao limite do quantitativo indicado, sem qualquer limite no tempo e com a expressa renúncia, por parte dos fiadores, a todo o benefício ou direito, designadamente de excussão, que de qualquer modo possa limitar, restringir ou anular a obrigação, e subsiste mesmo em caso de mora, lapso ou tolerância".

  1. Ou seja: os 2° e 3a RR. sempre assumiram, para o futuro, o incumprimento da 1ª R., como veio a ocorrer, pelo que é - no mínimo - urna barbaridade dispensá-lo das suas responsabilidades; 17. Os 2º e 3ª RR. não são estranhos à 1ª R., e quando prestaram a fiança conjunta (al. R)), sabiam o que faziam e ainda que até ao limite...

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