Acórdão nº 9667/2006-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelORLANDO NASCIMENTO
Data da Resolução16 de Janeiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.

  1. RELATÓRIO MARIA […) e ANTÓNIO […], propuseram contra, LAR […] Lda., esta acção declarativa de condenação ordinária, pedindo a sua condenação a entregar-lhes a quantia de 5.735.000$00, sendo 5.000.000$00 a titulo de danos morais e 735.000$00 a titulo de danos patrimoniais, com fundamento em que o A, pai da A, ingressou no estabelecimento de lar da R em ordem a receber dela os cuidados pessoais de que necessitava, mediante o pagamento de uma mensalidade e que esta lhe não prestou, como devia, apesar de ter recebido as mensalidades respectivas.

    Citada, contestou a R dizendo que prestou ao A todos os cuidados de saúde de que ele necessitava, nomeadamente, serviços médicos, de enfermagem, fisioterapia, cuidados de higiene pessoal, refeições, e serviços nas vertentes social, afectiva e psicológica, pedindo a absolvição do pedido.

    Por morte do A, a A. sua filha foi habilitada como herdeira para prosseguir a acção na parte que a este respeitava.

    Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo a R do pedido.

    Inconformada com essa decisão a A. dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a alteração da decisão em matéria de facto, a revogação da sentença recorrida e a condenação da R no pedido, formulando conclusões onde suscitou as seguintes questões: 1.ª Deve ser dada como provada a matéria dos quesitos 3.º, 6.º a 8.º (conclusões A) a D); 2.ª Ocorreu incumprimento contratual por parte da R (conclusões E) a S); 3.ª Existe nexo causal entre os comportamentos da R e o sofrimento do de cujus António […] e o sofrimento da A (conclusões T) a AC).

    A R contra-alegou pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

  2. FUNDAMENTAÇÃO A) OS FACTOS O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos: 1) A A. é filha de António […], nascido a 20 de Setembro de 1911 e falecido a 3 de Março de 2001.

    2) A R dedica-se à assistência médica permanente, em regime de internato e assistência parcial, como centro de dia e regime ambulatório, sendo o respectivo destino pessoas de terceira idade.

    3) Em virtude da idade de António […] e por este necessitar de cuidados permanentes, optou a autora, com o consentimento daquele, por instalá-lo em regime de internato numa instituição adequada.

    4) A A. e a R acordaram que esta prestaria assistência a António […], em regime de internato, em Mansão Geriátrica […], propriedade da R, nos termos constantes do doc. de fls. 18/20, que aqui se dá por integralmente reproduzido, mediante o pagamento da quantia mensal de 165.000$00, acrescida dos montantes necessários para medicamentos e, caso António […] viesse a necessitar, dos montantes necessários para pagamento de fraldas e a quantia mensal de 25.000$00 para tratamentos de fisioterapia.

    5) António […] deu entrada nas instalações da R, em regime de internato, a 2 de Fevereiro de 2000.

    6) Aquando da sua admissão e no início do internamento, apesar de ter alguns problemas do foro psicológico, António […] deslocava-se pelo seu próprio pé, comia sozinho e conversava.

    7) António […], quando deu entrada nas instalações da R já sofria de problemas do foro psicológico, nomeadamente demência senil em estado avançado, o que implica alterações de comportamento, incoerência do discurso e um cada vez mais acentuado desfasamento da realidade que rodeia o doente.

    8) A A., diversas vezes por semana, visitava António […] e com ele permanecia algum tempo.

    9) Quando foi admitido nas instalações da R, já António […] usava fraldas.

    10) Nas instalações da R António […] sempre usou fraldas.

    11) António […] por alguns períodos tinha contenção.

    12) António […], a partir de dado momento, passou a ter contenção, com conhecimento da autora, pois caso contrário podia cair e magoar-se, mesmo estando presentes pessoas.

    13) António […] permanecia muitas vezes descalço.

    14) A partir de certa altura passou a permanecer muito tempo sentado.

    15) Pelo menos um dia, António […] encontrava-se sentado numa cadeira sem almofada.

    16) António […] encontrava-se em estado de mutismo e apatia, pouco falando.

    17) António […] começou a emagrecer rapidamente.

    18) Ao lanche, por vezes, era dado a António […] café com leite e pão esmagado.

    19) A partir de certa altura, António […] começou a apresentar dificuldades motoras e, por isso, é que lhe fora ministrada fisioterapia adequada à sua idade e estado físico, com a finalidade de impedir o agravamento do seu estado.

    20) No dia 1 de Junho de 2.000, o estado físico de António […] era de desidratação e apresentava, o mesmo, a roupa suja, a barba por fazer e com as unhas repletas de sujidade.

    21) Logo no dia 1 de Junho de 2.000, a autora decidiu transferir o seu pai para outras instalações, tendo este sido internado no dia 2 de Junho de 2.000 em instalações propriedade da sociedade […] Lda..

    22) António […] teve sofrimento físico e psicológico durante a sua permanência nas instalações da R.

    23) A A. sofreu ao ver o estado físico e psicológico a que seu pai havia chegado.

    24) As Funcionárias da ré não tinham tempo para acompanhar os idosos e para lhes dar a assistência devida, dado que faziam lodo o tipo de serviço: limpeza, alimentação, tratamento de roupa, higiene dos utentes, etc.

    25) No dia 2 de Junho de 2000, António […] saiu das instalações da R.

    26) A A. pagou a quantia de 75.000$00 para tratamentos de fisioterapia.

    27) Quando deu entrada nas instalações da sociedade […], António […] apresentava um estado físico de desidratação e fraqueza, tendo sido assistido por um médico no dia seguinte.

    28) Não falava.

    29) O estado físico e psicológico de António […] veio a ter recuperações passado algum tempo de permanência nas instalações da sociedade […], deixando de ter um ar de palidez doentia, conversando, estado que foi recuperando com as limitações próprias da sua idade.

    1. O DIREITO APLICÁVEL O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 660.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).

    Atentas as conclusões da apelação, supra descritas, as questões submetidas ao conhecimento deste Tribunal pela apelante consistem em saber se:

    1. Deve ser dada como provada a matéria dos quesitos 3.º, 6.º a 8.º.

    2. Ocorreu incumprimento contratual por parte da R.

    3. Existe nexo causal entre os comportamentos da R e o sofrimento do de cujus António […] e o sofrimento da A.

      1. Quanto à primeira questão, a saber, se deve ser dada como provada a matéria dos quesitos 3.º, 6.º a 8.º.

        Embora o não refira expressamente, a apelante pretende que se altere a decisão em matéria de facto, com fundamento no disposto no art.º 712.º, n.º 1, al. a) do C. P. Civil.

        Vejamos. Os quesitos em causa têm a seguinte redacção: 3.º António […] permanecia quase sempre sentado, sem que existisse um esforço da parte das funcionárias da R para o ajudar? 6.º Nas instalações da R, António […] sempre usou fraldas, porque era a situação mais cómoda e que menos trabalho acarretava? 7.º Apesar de ter começado a usar fraldas uma semana antes de ter entrado nas instalações da R, António […] estaria em condições para, se fosse levado a fazer as suas necessidades à casa de banho, em espaços de tempos curtos, o fazer? 8.º O constante na al. L) (1) deveu-se ao facto de António […] ter sujado a almofada que lhe pertencia e a R não dispor de outra? Na decisão da matéria de facto a fls. 143, foi declarada não provada a respectiva matéria de facto, com excepção da primeira parte do quesito 3.º, a saber, que: "António […], a partir de certa altura passou a permanecer muito tempo sentado" e na primeira parte do quesito 6.º a saber, que: "nas instalações da R, António […] sempre usou fraldas".

        Lida a fundamentação dessa decisão, a fls. 145 a 147 não se percebe por que razões foi dada tal resposta, nomeadamente, se tal aconteceu por ausência ou insuficiência de prova ou por falta de credibilidade da prova produzida a esse respeito.

        Pretende a apelante que a matéria de tais quesitos resulta provada pelos depoimentos das testemunhas Maria […] e Célia […], a primeira empregada, que foi, da R e a segunda neta de António […].

      2. 1. Ora, compulsado o depoimento da testemunha Maria […], quanto à matéria do quesito 3.º, verificamos que a mesma declarou que a sua encarregada lhe dizia, a invectiva sua, para não andar com os utentes, querendo com isso significar que as instruções que tinha não eram para ajudar os utentes a circular, mas para os deixar estar sentados.

        Esta asserção está, aliás, de acordo como o facto supra descrito em 24) da matéria de facto, segundo o qual: "As Funcionárias da ré não tinham tempo para acompanhar os idosos e para lhes dar a assistência devida, dado que faziam lodo o tipo de serviço: limpeza, alimentação, tratamento de roupa, higiene dos utentes, etc.

        ".

        Acresce que a matéria do quesito comportava um facto positivo, a...

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