Acórdão nº 7918/2006-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 30 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GALANTE
Data da Resolução30 de Novembro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

23 ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I - RELATÓRIO A S do Funchal, moveu a presente acção declarativa, sob a forma ordinária, contra H, divorciada, S, A e mulher, H, pedindo que: - se declare nulo e de nenhum efeito o contrato de compra e venda, realizado no dia 8 de Março de 1999, entre H, por si e em representação de S, e, de outra parte, A, em que aqueles venderam e este comprou um prédio misto, localizado no concelho de Santa Cruz, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, pelo prédio ser alheio a quem vendeu, por falta de mandato da procuradora ou/e por ser legalmente impossível o objecto da venda; - se declare, em consequência, nulo o pedido de registo efectuado a 9 de Março de 1999, por A à Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, com o número de apresentação 03, em que pede o registo da aquisição titulada pela escritura de compra e venda realizada na véspera e acima referida; - cancele todo e qualquer registo predial que tenha sido efectuado com base naquela escritura de 9 de Março de 1999; - reconheça a propriedade da S sobre o prédio misto, no sítio do Livramento, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, com a área de 13 655 metros quadrados (...) - os Réus sejam condenados a não criar obstáculos ou impedimentos de qualquer género à propriedade e posse do prédio referido e adquirido pela Santa Casa.

Para tanto alegou que, em Março de 1999, a primeira Ré, por si e em representação do segundo Réu, vendeu ao terceiro Réu o prédio misto, em causa. Contudo alega a Autora, a referida primeira Ré não tinha poderes para tal, já que interveio naquela transacção munida de uma procuração outorgada pelo segundo Réu a seu favor cujos poderes tinham cessado com a dissolução do casamento que os unia e que lhe concedia poderes para vender prédios somente sitos no Funchal. Para além disso, alega ainda a Autora, que o referido prédio (do qual havia sido desanexado uma parte por expropriação), já havia sido objecto de um contrato de permuta celebrado entre ela e o segundo Réu, em Setembro de 1990, no qual a primeira Ré prestou o seu consentimento, enquanto mulher daquele Réu, tendo a Autora entrado na posse do prédio. Por fim, alegou que o referido prédio foi alvo de uma expropriação da qual resultou o suprimento de parte do seu objecto, sendo que na venda efectuada entre os Réus o prédio em causa já não correspondia à realidade existente e, por isso legalmente impossível.

Citados vieram os Réus, à excepção de S, contestar a acção.

Os Réus A e mulher, excepcionaram com o facto de terem a propriedade do prédio objecto da acção registada em seu nome, e impugnaram a matéria invocada pela Autora referente à posse do prédio, alegando ainda que a falta de poderes da segunda Ré na celebração da venda é-lhes ineficaz, sendo que actuaram na convicção de que aquela beneficiava dos poderes necessários para a efectivação de tal negócio.

Por sua vez, a Ré contestou a acção, por impugnação, alegando que: a procuração por si utilizada para proceder à venda do imóvel conferia-lhe poderes para efectuar a venda em causa, sem que tenha cessado os seus efeitos com o seu divórcio; a Autora não tomou a posse desse mesmo imóvel; os Réus adquirentes registaram a sua aquisição, desconhecendo qualquer invalidade anterior à sua intervenção; o referido imóvel não ficou descaracterizado com a expropriação de que foi alvo.

A Autora replicou, pugnando pela improcedência dos fundamentos invocados nas contestações apresentadas.

Posteriormente procedeu-se a prolação do despacho saneador, com a selecção da matéria de facto, com a fixação dos factos assentes e elaboração da base instrutória.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, tendo-se fixado a matéria de facto controvertida, por despacho que consta de fls. 382 e 383 dos autos, sobre o qual não houve qualquer reclamação.

Veio, então, a ser proferida sentença que reconheceu aos Réus António Lopes e mulher, a propriedade do prédio denominado "Vila Surpresa" em detrimento da Autora, e, consequentemente, julgou a acção improcedente, ficando prejudicados todos os restantes pedidos formulados pela Autora.

Inconformada, veio a A. recorrer da sentença, tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões: 1.

O Tribunal julgou mal a matéria de facto, no que respeita às alíneas S) e T) da matéria considerada provada - correspondente aos quesitos 5° e 6° da base instrutória.

  1. Face ao depoimento das testemunhas, o Tribunal apenas poderia ter considerado provado que "a pessoa que actuou como representante de S não estava convicta de que a procuração apresentada tinha poderes necessários e suficientes para a venda referida em A) dos factos assentes", sendo isso que resulta da fundamentação apresentada.

  2. Relativamente ao quesito 6°, o mesmo foi considerado provado, sem que fosse apresentada qualquer fundamentação para tal facto, e face à prova produzida, a resposta deveria ter sido negativa.

  3. Devem ser aditados, à matéria de facto dada como provada, dois novos pontos, que resultem de documentos autênticos, a saber: - O Réu S divorciou-se da Ré H, antes da outorga da escritura referida em A e depois da data da outorga da procuração referida em C); - A procuração que foi exibida na escritura referida em A) refere expressamente o seguinte: "confere os poderes especiais para, em seu nome e representação, vender prometer vender, permutar ou de qualquer forma alienar, hipotecar ou onerar, os imóveis de que ele mandante é proprietário ou co-proprietário, designadamente em comunhão com ela mandatária, sitos no Funchal e designadamente" (...) ", intervindo em quaisquer actos, contratos e escrituras a que para tal efeito haja lugar, recebendo preços, dando quitação e intervindo e representado-o ainda em quaisquer repartições públicas, nomeadamente Repartições de Finanças, Conservatórias do Registo Predial, Câmara Municipal, requerendo a aprovação de projectos e suas alterações e o mais que para o exercício do mandato se torne necessário." 5.

    De acordo com as disposições conjugadas dos artigos 1678°, 1682°, 1682°-A e 1684°, as procurações entre cônjuges devem especificar os poderes conferidos, sob pena das mesmas traduzirem alterações ao regime de bens do casal.

  4. A procuração em causa não referia a possibilidade de venda do imóvel "Vila Surpresa", e bem pelo contrário incluía na sua descrição um imóvel que somente foi adquirido pelo mandante em permuta pela entrega do referido prédio à Autora.

  5. Esta procuração estava ainda caduca, porque, de acordo com o 1688° do CCivil, as relações pessoais e patrimoniais entre cônjuges cessam com o divórcio.

  6. Acresce que o imóvel descrito no contrato de 8 de Março de 1999, não correspondia aquele que existia na realidade. Na verdade, à propriedade inscrita inicialmente sob os artigos 10 da Secção "II"" e 190 da matriz, foram retirados 1215 m2, por efeitos de Expropriação, pelo que a indicação desta propriedade, como sendo a totalidade dos artigos referidos e ainda da descrição predial n.° 803 da freguesia do Caniço, é também incorrecta, tornando o objecto do negócio escriturado a 8 de Março de 1999, legalmente impossível.

  7. Tendo sido considerada provada a venda feita pelo Réu, com consentimento da Ré H, em 1990 à A., o direito de propriedade sobre o imóvel deixou de estar na esfera jurídica dos cedentes. Assim sendo, a venda operada em 1999, tratou-se de uma venda de bens alheios. Nos termos do artigo 892° do C.C. tal venda é nula. Uma vez que é um terceiro a invocar a nulidade deste negócio, não se aplica a restrição do n.° 2 deste preceito.

  8. Pelo que, sendo declarada a nulidade desta venda, e tendo esta efeito retroactivo, deverá em consequência ser declarada sem efeito a escritura de compra e venda celebrada em 1999 e cancelados os registos prediais subsequentes.

  9. No caso concreto, o facto dos Réus A e mulher possuírem registo, não implica que o mesmo não seja vulnerável, nos três anos subsequentes ao negócio, caso o verdadeiro proprietário arrogue o seu direito em acção e a registo no prédio, o que se verificou no caso concreto. Tudo isto segundo doutrina do artigo 291°, n.° 2 do C.C.

  10. Deve ser alterada a decisão, declarando-se a nulidade da venda operada em 1999 e os registos subsequentes cancelados, e reconhecendo o Tribunal a posse da Autora, para efeitos de consolidação do direito de propriedade adquirido pela via contratual em 1990.

    A Ré contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

    Corridos os Vistos legais, Cumpre apreciar e decidir.

    São as conclusões das alegações que delimitam o objecto do recurso e o âmbito do conhecimento deste Tribunal (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC), pelo que, conhecendo da Apelação, importa apreciar: - da pretendida alteração da matéria de facto - da validade da procuração - da validade da venda e eficácia em relação a terceiros II - FACTOS PROVADOS 1.

    No dia 8 de Março de 1999, H, por si e em representação de S, declarou vender, através de escritura pública celebrada no Cartório Notarial de Santa Cruz, um prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz (...), tendo A declarado comprar, mediante o preço de 100 000 000$00 (cem milhões de escudos) (al. A) dos factos assentes).

  11. No acto da escritura foram entregues 30 000 000$00, prometendo fazer a entrega do restante quando o prédio ficar livre de quaisquer ónus ou encargos (al. B) dos factos assentes).

  12. A vendedora H apresentou certidão de uma procuração feita a 21 de Março de 1995 em que S, no estado de casado, lhe confere poderes especais para vender, prometer vender, permutar, ou de qualquer forma alienar, hipotecar ou onerar os imóveis de que é proprietário ou co-proprietário (ai. C) dos factos assentes).

  13. À data da escritura o prédio em causa encontrava-se inscrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz a favor de S, no estado de casado, em regime de comunhão de adquiridos, com H, pela inscrição G-um (al. D) dos factos assentes).

  14. ...

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