Acórdão nº 8427/2006-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 29 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelFILOMENA LIMA
Data da Resolução29 de Novembro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

(…) 3.

3.1.

No campo da apreciação das provas, é livre a forma como o tribunal atinge a sua convicção.

Trata-se de emanação do princípio que vigora no nosso sistema processual penal, o princípio da livre apreciação da prova ou da livre convicção, consagrado no art.º 127º do C.P.P., de acordo com o qual e, ressalvados os casos em que a lei dispuser diferentemente, " a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente".

A apreciação livre da prova não pode ser confundida com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova ; tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio.

Trata-se da liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida , temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves da "liberdade para a objectividade"( Rev. Min. Públ., 19º,40).

Também a este propósito, salienta o Prof. Figueiredo Dias ( "Direito Processual Penal I, 202) " a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material - , de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo ".

É na audiência de julgamento que tal princípio assume especial relevo, tendo, porém, que ser sempre motivada e fundamentada a forma como foi adquirida certa convicção, impondo-se ao julgador o dever de dar a conhecer o seu suporte racional, o que resulta do art.º 374º, n.2 C.P.P..

A livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso.

Outro princípio geral da prova é o princípio "in dubio pro reo", segundo o qual, perante a existência de factos incertos e perante uma dúvida irremovível e razoável, deverá o tribunal, na decisão acerca da apreciação e valoração das provas e determinação dos factos provados, favorecer o arguido.

O local ideal para apreciar valorativa e criticamente as provas é, por excelência, a audiência de julgamento em que o julgador dispõe das melhores condições para apreciar, mormente em sede de prova testemunhal, a forma como são prestados os depoimentos, para analisar todas as questões relevantes e susceptíveis de serem ponderadas, de acarear os depoimentos contraditórios para, de um modo geral, criar a convicção necessária à fixação dos factos.

A imediação é condição fundamental de aquisição da verdade processual.

Assim, não é de estranhar que o processo de avaliação da prova feita pelo tribunal de recurso possa ser diferente do alcançado pelo tribunal " a quo" sem que essa avaliação envolva alguma crítica à forma com este tribunal ponderou a prova produzida.

Porém, nesta fase e, colocada em crise a forma como o tribunal adquiriu a sua convicção, apenas nos é permitido reanalisar as provas produzidas pelo tribunal a quo, se bem que este reexame parta sempre, necessariamente, de uma análise desinserida das possibilidades que a imediação proporciona.

Perante o texto da decisão não se vê qualquer razão para discordar da forma como, no essencial, o tribunal formou a sua convicção. As provas que serviram de suporte a tal convicção foram legalmente produzidas e criteriosa e detalhadamente ponderadas, dentro das regras da livre convicção do julgador que enunciou as razões dessa ponderação.

A decisão recorrida fundamenta a convicção que formou a partir da apreciação global e conjugada de vários meios de prova que pondera de forma transversal, em alguns casos. Assim, além das declarações do arguido que assumiu os factos, no essencial, ponderou outros meios de prova carreados para a audiência como, por exemplo, as vigilâncias e apreensões efectuadas pelos agentes policiais acima identificados e a convicção que firmou, para concluir pela actuação do arguido nos moldes descritos na decisão, assentou essencialmente na avaliação conjugada dos vários elementos resultantes de apreensões de produto estupefaciente ou admissão dos factos pelo arguido.

As declarações do arguido foram apreciadas, não de forma isolada e desintegrada da ponderação dos demais meios de prova, mas numa perspectiva de apreciação global da prova. Efectivamente, a decisão não utiliza isoladamente os meios de prova para justificar a sua convicção, antes os integra numa avaliação concertada. A apreciação da prova impõe a sua análise conjunta e crítica pois é dela e da sua avaliação á luz das regras da experiência que se extrai objectivamente o sentido da prova.

A decisão aprecia a prova produzida por forma a dar como provados os factos referidos fazendo apelo ao encadeamento de factos apurados a partir dos vários meios de prova produzidos, de forma a entrosar os vários meios de prova apreciando o que resulta do confronto e conjugação da prova testemunhal com o teor da demais prova nomeadamente da prova obtida a partir das vigilâncias e apreensões efectuadas.

Aliás, o arguido confessou os factos apenas defendendo que parte da droga apreendida se destinava ao seu consumo, o que não contraria a ponderação global feita pelo tribunal.

Recorde-se da motivação da decisão que : O arguido H., nas suas declarações, assumiu em audiência que o produto apreendido lhe pertencia, referindo que também consumia drogas e que vendia a amigos, de vez em quando e aos fins de semana, sendo cada grama de produto vendida por 30 Euros.

Referiu que a balança apreendida se destinava a pesar o produto para ver se não era enganado, no produto que comprava, sendo o produto Retarde da sua mulher, a qual estava grávida e tinha enjoos.

Quanto aos veículos apreendidos disse que um dos veículos era da mulher e o outro de um amigo.

Também disse que nenhum dos arguidos presentes em audiência colaborou consigo na aquisição ou venda de droga.

Justificou a sua actuação nas dificuldades económicas do casal, em virtude de a mulher estar grávida e ter deixado de trabalhar.

Se recordarmos a factualidade apurada ver-se-á que a decisão considerou provado o arguido mantinha consumos de cocaína com alguma regularidade, problemática desconhecida pela família, confessou os factos provados, de que se mostra arrependido e a esposa ficou grávida, razão porque teve que deixar de trabalhar, ficando o casal em situação económica muito difícil, tendo acedido a efectuar algumas vendas de droga, ao fim de semana, pelas dificuldades económicas que na altura se encontrava a passar.

Não resulta da matéria de facto fixada que parte da droga apreendida seria destinada pelo arguido ao seu consumo próprio ou sequer se o arguido afectava alguma parte daquela que foi concretamente apreendida a tal destino.

O destino da droga, nomeadamente...

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